09/05/2022
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possÃvel que os efeitos da desconsideração da personalidade jurÃdica atinjam os fundos de investimento. Segundo o colegiado, embora esses fundos não tenham personalidade jurÃdica, eles titularizam direitos e obrigações e, além disso, podem ser constituÃdos ou utilizados de forma fraudulenta pelos cotistas – pessoas fÃsicas ou jurÃdicas –, fatos que justificam a aplicação do instituto.
Com esse entendimento, o colegiado manteve acórdão que, no curso de uma execução, confirmou a rejeição dos embargos de terceiro opostos por um Fundo de Investimento em Participações (FIP) contra o bloqueio e a transferência de ativos de sua propriedade, após a desconsideração da personalidade jurÃdica de uma empresa holding.
Em recurso especial dirigido ao STJ, o fundo de investimento alegou que não foram preenchidos os requisitos legais para a desconsideração da personalidade jurÃdica, tendo em vista que os FIPs são constituÃdos sob a forma de condomÃnio fechado, sem personalidade jurÃdica, motivo pelo qual não poderiam ser atingidos pela medida.
Comprovação de abuso de direito autoriza desconsideração da personalidade
O ministro Villas Bôas Cueva, relator, explicou que a Lei 4.728/1965, ao disciplinar o mercado de capitais, realmente caracterizou os fundos de investimento como entes constituÃdos sob a forma de condomÃnio, definição posteriormente seguida pelo Banco Central na Circular 2.616/1995.
Atualmente, prosseguiu, está em vigor a Instrução 555/2014 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo a qual o fundo de investimento pode ser constituÃdo sob a forma de condomÃnio aberto – que permite ao cotista solicitar o resgate de suas cotas – ou fechado – no qual as cotas só são resgatadas ao fim do prazo de duração do fundo.
Além de lembrar que os fundos estão sujeitos a regramento especÃfico da CVM, o ministro destacou que esse tipo de condomÃnio, embora seja destituÃdo de personalidade jurÃdica e exerça suas atividades por meio de administrador, é dotado de direitos, deveres e obrigações.
“Assim, o fato de ser o FIP constituÃdo sob a forma de condomÃnio e não possuir personalidade jurÃdica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurÃdica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial”, afirmou.
Fundo teria sido constituÃdo para ocultar patrimônio de empresas do grupo
Citando doutrina a respeito do tema, Villas Bôas Cueva ressaltou que as prerrogativas doartigo 1.314 do Código Civil não são conferidas ao cotista de fundo de investimento, tendo em vista que ele não desfruta plenamente de direitos relacionados aos ativos que possua no fundo constituÃdo, mas apenas dos direitos ligados à sua fração de participação.
Nesse sentido, o relator reconheceu que o patrimônio gerido pelo FIP pertence, em condomÃnio, a todos os investidores, o que impede a responsabilização do fundo pela dÃvida de um único cotista.
“Apenas em tese, repita-se, não poderia a constrição judicial recair sobre o patrimônio comum do fundo de investimento por dÃvidas de um só cotista, ressalvada a penhora apenas da sua cota-parte”, completou o ministro.
No caso dos autos, entretanto, Villas Bôas Cueva destacou que essa regra deve ceder à constatação de que a própria constituição do fundo de investimento ocorreu de forma fraudulenta, como modo de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas integrantes do mesmo grupo econômico – tomando-se cuidado, contudo, para não atingir as cotas daqueles que não possuam nenhuma ligação com a parte executada no processo.
O relator ressaltou que, no momento da constrição determinada pelo juÃzo da execução, como consequência da desconsideração inversa da personalidade jurÃdica do devedor, o fundo de investimento possuÃa apenas dois cotistas, ambos integrantes do mesmo conglomerado econômico – o que revela que o ato judicial não atingiu o patrimônio de terceiros.
“Além disso, o fato de o fundo de investimento ser fiscalizado pela CVM e de ter todas as informações auditadas e disponibilizadas publicamente não impede a prática de fraudes associadas, não à s atividades do fundo em si, mas dos seus cotistas (pessoas fÃsicas ou jurÃdicas), que dele se valem para encobrir ilegalidades e ocultar patrimônio. Disso também resulta a irrelevância do fato de se aferir incremento em seu patrimônio lÃquido”, concluiu.
Fonte: STJ