Quando uma seguradora paga a indenização por sinistro, ela assume para si apenas a possibilidade de cobrar do autor do dano o prejuízo financeiro, não as prerrogativas processuais que a lei confere ao consumidor.
20 de fevereiro de 2025
Para STJ, seguradora não se sub-roga no direito de escolher onde ajuizar a ação
Essa conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que fixou tese sobre o tema nesta quarta-feira (19/2) para orientar juízes e tribunais. A posição é vinculante e terá de ser obedecida.
Com isso, as seguradoras não terão direito a uma série de benesses oferecidas pela legislação ao consumidor, que é tratado na medida de sua vulnerabilidade na relação de consumo.
Elas não têm, por exemplo, o direito de ajuizar a ação no próprio domicílio, como prevê o artigo 101 do Código de Defesa do Consumidor. Em vez disso, será preciso litigar no domicílio do réu, conforme a regra geral do artigo 46 do Código de Processo Civil.
Isso torna o litígio mais custoso para a seguradora, pois há uma pulverização das ações de acordo com os locais dos sinistros.
As empresas também não têm direito à inversão do ônus da prova, conferido pelo artigo 6º, inciso VIII, do CDC. Nesse caso, não é o fornecedor que terá de fazer prova do fato do produto ou serviço, mas o próprio autor.
Os três processos julgados sob o rito dos recursos repetitivos pela Corte Especial tratavam de ações ajuizadas por seguradoras contra empresas distribuidoras de energia elétrica.
São casos em que problemas na rede elétrica causaram danos aos segurados, que foram cobertos pelos seguros. As seguradoras agora buscam reaver o prejuízo com as distribuidoras.
Consolidação da jurisprudência
A posição firmada pela Corte Especial já vinha sendo praticada nas turmas do STJ. A tese, conforme o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, é uma consolidação da jurisprudência.
Para Nancy, a seguradora não tem direito a se sub-rogar nas prerrogativas processuais porque são benesses conferidas pela condição personalíssima de consumidor.
“Não é possível a sub-rogação de norma de natureza processual e que advém de uma benesse conferida pela legislação especial ao individuo considerado vulnerável nas relações jurídicas”, destacou ela em seu voto.
Limites não previstos
Da tribuna, representantes das seguradoras no julgamento sustentaram que o artigo 349 do Código Civil não traz limites: o dispositivo transfere ao novo credor todos os direitos em relação à dívida, contra o devedor.
“A regra geral do Código Civil não trata de nenhum tipo de limitação. Essa pretensão vai contra literalidade da norma”, disse o advogado Vitor José de Mello Monteiro.
Em nome da Federação Nacional de Seguros Gerais, que atuou como amicus curiae (amiga da corte), o advogado Daniel Bittencourt Guariento apontou os impactos econômicos do tema. Para ele, a recusa em conferir as prerrogativas processuais do consumidor à seguradora vai afetar o custo da recuperação dos prejuízos, o que prejudicará o mercado todo.
“Na composição do cálculo autuarial (para calcular o prêmio do seguro) vai entrar a perspectiva de êxito na tentativa de recuperar os valores pagos a título de indenização”, destacou ele.
“Esse desequilíbrio vai fazer com que o mercado naturalmente se ajuste. A metáfora da mão invisível do mercado vai se fazer presente. Vai haver reequilíbrio automático das relações de seguro em que esse custo adicional processual ou material, para sobrepor a redução dos índices de êxito, vai ser repassado para o prêmio. Vai elevar o custo do seguro, em prejuízo do consumidor”, acrescentou Guariento.
Tese aprovada
O pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência na ação regressiva
Como a posição do STJ foi a favor das empresas de energia, e não havia previsão de pedido de vista ou divergência, elas dispensaram a manifestação durante o julgamento.
Thiago Lóes, gerente jurídico da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), ressaltou a importância do precedente. “Primeiro porque não se pode presumir que toda e qualquer indenização paga pelas seguradoras aos seus segurados deve ser restituída pela via regressiva. Segundo porque a atividade inerente da seguradora pressupõe o risco e, por isso, não se justifica o direito de escolha do foro.”
REsp 2.092.308
REsp 2.092.310
REsp 2.092.311
- Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fonte: Conjur