Ao admitir honorários de sucumbência nos casos de indeferimento da desconsideração da personalidade jurídica, o Superior Tribunal de Justiça evita que esse incidente se transforme em meio ordinário para cobrança de dívidas.

19 de fevereiro de 2025

mulher anotando dívidas em frente ao computador

Previsão de condenação ao pagamento de honorários faz com que uso do IDPJ seja mais consciente

Essa análise é de advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a respeito do julgamento da Corte Especial do STJ sobre o tema. Eles elogiaram a posição por incentivar o litígio responsável, por meio de uma medida que deve ser tomada como excepcional.

O objetivo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) é fazer com que os sócios ou administradores de uma empresa respondam pela dívida dela quando ficar provado que serviram para ocultar bens ou valores.

Quando a personalidade jurídica é desconsiderada, os sócios passam a responder pela dívida e são integrados ao polo passivo da execução.

Por outro lado, se o juiz entender que não houve confusão patrimonial e recusar a desconsideração, então os sócios terão sido chamados ao processo de maneira indevida, o que gera o dever de pagar honorários de sucumbência.

O IDPJ tem cabimento restrito, mas uso cada vez mais disseminado. Dados do Conselho Nacional de Justiça indicam que, em 2024, havia 19.913 deles em trâmite — 8.593 (43,1% do total) na Justiça do Trabalho, a quem caberá decidir sobre a incidência de honorários.

Meio excepcional

Segundo Daniella Spach Rocha Barbosa, sócia do escritório Ambiel Advogados, é comum que IDPJs sejam requeridos por credores antes mesmo de esgotados os meios corriqueiros de busca de patrimônio da empresa devedora.

Nesses casos, a ameaça ao patrimônio dos sócios serve como forma de constrangimento em busca de acordo ou como mera tentativa, no melhor estilo “vai que cola”. Para ela, o incidente não deve ser visto como uma medida cabível para recuperar o crédito.

“É medida excepcional e pode e deve ser tratada como tal, sob pena de desvirtuar todo o ordenamento jurídico e desincentivar a própria realização de negócios e de contratos. A personalidade jurídica distinta das sociedades é um dos pilares fundamentais do Direito Empresarial, de suma importância para os negócios, e somente o seu desvirtuamento para fins ilícitos é que deve ser combatido pelo Poder Judiciário.”

Paulo Akiyama, do Akiyama Advogados Associados, destaca a complexidade da busca por elementos concretos que comprovem a utilização da pessoa física como meio de blindagem patrimonial ou desvio de recursos da pessoa jurídica — procedimento que, por vezes, leva anos. “Portanto, o pedido de IDPJ deve ser formulado com responsabilidade.”

Para ele, no entanto, a simples improcedência do IDPJ não deve gerar honorários de sucumbência, por não haver prejuízo ao processo ou aos sócios. A condenação só deve surgir se o trâmite for acatado, o que levará a apresentação de defesa, mobilização de advogados e constrangimento.

“Se o indeferimento do IDPJ não alterar substancialmente o curso do processo, a imposição de honorários não se justifica. No entanto, se a decisão sobre o IDPJ envolver questões de mérito relevantes, a fixação de honorários pode ser cabível, com fundamento nos princípios da causalidade e da sucumbência ponderada.”

Função pedagógica

A corrente vencedora na Corte Especial, encabeçada pelo relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, e pelo voto vogal da ministra Nancy Andrighi, destacou justamente a função pedagógica da condenação ao pagamento de honorários de sucumbência.

Segundo a magistrada, essa imposição é condizente com o caráter do CPC de 2015, que passou a permitir o fracionamento do julgamento de mérito dos processos. Resolve-se uma parte da ação, o que basta para gerar a sucumbência.

Para Matheus Cannizza, coordenador da área de Contencioso Estratégico do Diamantino Advogados Associados, essa causalidade basta para justificar a posição do STJ. Para ele, nada mais justo do que aquele que deu causa ao IDPJ e sucumbiu suporte o ônus da sua derrota.

“A possibilidade de condenar aquele que sucumbiu representa, em verdade, medida necessária para evitar litígios aventureiros e possibilitar que os IDPJs sejam distribuídos com a devida cautela e responsabilidade.”

“É a regra do jogo: aquele que inaugurou o litígio deve se responsabilizar pelo custeio da verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado para litigar em juízo”, acrescenta Cannizza.

Em sua opinião, não é razoável dizer que a condenação ao pagamento da verba representa uma oneração excessiva ao credor. O argumento foi sustentado no voto vencido do ministro João Otávio de Noronha.

Credor desprecavido

Para o magistrado, falta uma lei que preveja honorários em IDPJ. O voto ainda apontou que a imposição feita pela maioria causará um esvaziamento do incidente, que deixará de ser utilizado por credores com menor capacidade financeira ou créditos de menor valor.

Segundo Noronha, isso pode reduzir a recuperação da dívida no Brasil, afetando a confiança e a eficácia do mercado de crédito, o que culminaria no aumento do spread bancário e na redução da oferta de crédito. Em suma, haveria impacto na economia.

Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados, minimiza o risco ao ponderar que quem concede crédito deve se precaver um pouco mais, sem precisar contar com o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica do devedor.

“A limitação da responsabilidade pela dívida tem uma função econômica, que é promover o negócio. Se o banco concedeu o crédito de maneira defeituosa, talvez ele tenha de arcar com a consequência de não ter se precavido e buscado coobrigações ou garantia real.”

Em sua análise, no Brasil, desconsidera-se a personalidade jurídica com muita facilidade. “É preciso fundamentação muito robusta e clara. A desconsideração só deve acontecer quando estiver muito evidente a confusão patrimonial e não houver outro caminho a ser seguido. Deve haver a sucumbência justamente para evitar pedidos frugais e sem mérito.”

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REsp 2.072.206

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur