01/03/2022

“Quando não resta dúvida de que o ganhador é aquele constante do bilhete, identificado pelo nome, residência e telefone, inclusive, sendo reconhecido pelos presentes, o pagamento do prêmio é devido mesmo sem o registro de RG e CPF.” A conclusão é da 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis de Salvador, ao reformar sentença que havia negado a um inglês o direito de receber o prêmio de R$ 18 mil de uma rifa pela Loteria Federal.

O sorteio foi promovido pela Terceiro Grau Formaturas.

Em sua defesa, a empresa alegou que o autor não preencheu todos os requisitos do regulamento, porque deixou de inserir RG e CPF no bilhete a ser depositado na urna da promoção. À época dos fatos, o inglês estava em processo de regularização da sua situação no Brasil, já tendo requerido a emissão de Cédula de Identidade de Estrangeiro com o respectivo número do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE).

Apesar de reconhecer a existência de relação de consumo, que prevê a inversão do ônus da prova, o juiz Ângelo Jerônimo e Silva Vita, da 4ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais do Consumidor de Salvador, atribuiu ao inglês o dever de comprovar o correto preenchimento dos requisitos estipulados no regulamento do sorteio. “Por esse aspecto, não é possível a inversão do ônus probatório, cabendo ao demandante demonstrar o fato constitutivo do direito reivindicado, o que de fato não ocorreu nestes autos.”

Vita julgou improcedentes os pedidos do estrangeiro de ser reconhecido como ganhador do prêmio e de ser indenizado por dano moral. “A análise das informações que instruem a inicial traz a este juízo apenas a demonstração do regulamento da promoção, não trazendo, portanto, aos autos nenhuma referência de que o autor seguiu corretamente os critérios ofertados no supracitado regulamento da promoção”. A sentença foi prolatada no dia 2 janeiro de 2020.

Cláusulas abusivas
Morando no Brasil há quatro anos e meio, o autor tem 31 anos de idade e trabalha como professor de Língua Inglesa e tradutor. Ele explicou que a rifa foi promovida pela ré com a finalidade de angariar recursos para a festa de formatura de uma turma de Arquitetura e Urbanismo de uma faculdade da capital baiana. Uma das formandas foi a mulher do inglês. O sorteio aconteceu no dia 14 de setembro de 2019 e, logo após, a empresa responsável pela promoção telefonou ao estrangeiro para avisá-lo que era o ganhador.

A ligação foi feita para o número informado pelo inglês no cupom da rifa. Porém, ele não recebeu o prêmio porque a ré passou a alegar a falta do preenchimento de outros dados constantes no regulamento. Para a juíza relatora do recurso do autor, Eliene Simone Silva Oliveira, as exigências citadas pela empresa para se esquivar de pagar a premiação de R$ 18 mil são “cláusulas contratuais abusivas”, que devem ser anuladas para reconhecer o autor como o legítimo ganhador.

“Verifico que a ausência ocorreu por inexistência do documento à época do preenchimento, e não por desídia da parte, estando os demais campos preenchidos”, destacou a relatora. Conforme o regulamento, será retirado aleatoriamente da urna um único cupom e conferida se a resposta corresponde à pergunta formulada, sendo ainda checado se o bilhete está “completa e corretamente preenchido com os dados pessoais solicitados, necessários à identificação do ganhador”.

“O objetivo principal do preenchimento dos dados, qual seja a identificação do ganhador, não foi prejudicado. Os demais campos estavam preenchidos, consoante se vê no momento do sorteio, vídeo em anexo, de modo que eram suficientes na identificação do ganhador, tanto é assim que após o sorteio, imediatamente, entraram em contato através dos números informados no bilhete”, ponderou Eliene Oliveira. Em sessão ocorrida no último dia 15, os demais integrantes da turma recursal acompanharam o voto da relatora.

Em sua decisão unânime, o colegiado anulou as cláusulas abusivas do regulamento e reconheceu o inglês como o ganhador da rifa. Deste modo, a ré foi condenada a pagar ao autor o prêmio de R$ 18 mil, com juros e correção monetária. O pedido de dano moral foi julgado improcedente. Para a 5ª Turma Recursal, o episódio causou apenas “meros aborrecimentos”, sem ofender a intimidade, a honra, a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade e a integridade física do requerente.


0095248-14.2019.8.05.0001

Fonte: TJBA