Inacreditavelmente, 45 desembargadores declararam-se suspeitos para analisar o caso, que é de simplíssima compreensão.

14/04/2023

Há 27 anos, tramita no TJ/BA caso envolvendo o Besa e honorários de R$ 1,8 milhão.(Imagem: Flickr CNJ)

Existem algumas situações que são modelares para atuação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Uma delas é o que vamos narrar abaixo, e que é de facílimo entendimento, tanto no mérito (da causa), quanto no demérito (de alguns). Ei-la. 

Há 27 anos, tramita no TJ/BA um tormentoso processo envolvendo o antigo Banco Econômico. O caso nasce com uma ação revisional, daquelas típicas que se propunham na década de 90.

Aliás, quem não se lembra das “aventuras jurídicas” que iam parar no protocolo judicial naquela época? “Protocolo aceita tudo”, dizia-se outrora.

Fato é que a revisional aqui mencionada teve andamento e, por circunstâncias inesperadas, aparentemente foi até exitosa.

Na sequência, como não poderia deixar de ser, sobreveio uma ação rescisória, que anulou aquela sentença e, como consequência, extinguiu a execução que já tinha se iniciado, e que hoje giraria em torno de módicos R$ 1,8 bi.

Até aí, tudo bem, coisa ordinária na Justiça. Seria assim, não fosse o fato de que a execução da sentença que foi anulada continua viva, e o TJ/BA, incrivelmente, não dá cabo do disparate. E não o faz, porque, acreditem, mais de 60 magistrados já se declararam suspeitos ou impedidos ao longo dos intrincados trâmites processuais nestas quase três décadas de escaninhos judiciais.

A leitora, ouvindo essa história, pode imaginar que esse seria um caso de filme de far west americano, mas não, é no Brasil mesmo, mais precisamente no belo Estado da Bahia. 


Ação revisional

Tudo começou com o ajuizamento de ação revisional distribuída perante a 2ª vara de Relações de Consumo de Salvador/BA, em setembro de 1995. O processo, ajuizado por Prisma S.A., Concic Engenharia e outros, pretendia o reexame de quase 700 instrumentos de dívida e a restituição em dobro de valores supostamente pagos em excesso ao Banco Econômico.

Após a citação da instituição financeira, e tendo em vista o montante envolvido no caso, o banco requereu prazo adicional de 15 dias para a contestação, além dos 15 dias legais. Embora o pedido tenha sido atendido, o banco acabou por apresentar sua contestação dentro do prazo legal.

Surpreendentemente, foi proferida sentença que decretou a revelia do Banco Econômico, por considerar intempestiva a contestação apresentada antes (!) do término do prazo que lhe fora concedido. Assim, e como é costume nestes inusitados casos, decretou-se a revelia e foram tidos como verdadeiros todos os argumentos apresentados pelos autores. Assim, o Banco Econômico foi condenado à devolução em dobro do valor pleiteado na inicial, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 15% sobre este valor.

O Banco Econômico chegou a interpor recurso de apelação contra a sentença, porém foi reconhecida a deserção do recurso em virtude da ausência de recolhimento tempestivo do preparo.

Não restou saída ao banco senão propor uma ação rescisória, o que fez em março de 1998, visando a anulação da sentença proferida na revisional.

Anulação da sentença

Dez anos depois, em fevereiro de 2008, a demanda foi submetida a julgamento das câmaras Cíveis do TJ/BA. Por 16 a 1, a ação rescisória foi julgada procedente para reconhecer que não houve renúncia ao prazo de defesa, nem tampouco revelia, determinando a anulação da sentença e a remessa dos autos ao juízo de origem.

Por meio de questão de ordem, importante que a leitora se atente para este ponto, foi decidido, ainda, que os honorários estariam igualmente desconstituídos, e, que inexistiria litisconsórcio passivo necessário em relação aos causídicos que atuaram naquela falecida causa.

O acórdão foi impugnado por meio de embargos infringentes, os quais foram julgados prejudicados. Com isso, deu-se o trânsito em julgado da rescisória, e foi devidamente anulada a sentença da revisional.

Tumulto processual

Diante desse contexto, o esperado era que, em primeiro grau, fossem extintos os cumprimentos de sentença ou sobrestados os procedimentos. No entanto, desafiando o decidido pelo TJ/BA, o juiz de primeiro grau, em 2014, deu prosseguimento às execuções, mesmo diante da sentença anulada.

Os réus também continuaram sustentando que o trânsito em julgado ainda não se verificara, pugnando pelo julgamento de embargos infringentes que tinham sido considerados prejudicados.

Também os ex-advogados da Prisma/Concic, inconformados com a desconstituição da verba sucumbencial, passaram a interpor recursos múltiplos, como mandados de segurança, correições parciais, incidentes etc.

Em primeiro grau, magistrados chegaram a reprimir a atuação excessiva, ressaltando que “lastimavelmente, os representantes protocolam petições quase que diariamente, repetindo os mesmos argumentos e anexando os mesmos documentos, o que só faz com que o andamento do processo se torne lento e o manuseio dos seus autos, difícil, abusam do direito de recorrer e reclamar, criando uma série de incidentes que acabam produzindo efeito contrário ao que tanto buscam”.

Outra magistrada teria declarado-se suspeita pois, ao considerar que a penhora não poderia ser realizada, e explicar o fato para o requerente, foi obrigada a se exasperar com o causídico. 

Aliás, foram condutas assim que levaram ao absurdo de ter no caso mais de 40 desembargadores do TJ/BA como suspeitos ou impedidos. 

E é assim, nessa barafunda jurídica, com suspeições a rodo, somada a um emaranhado de recursos, os quais engessaram a atuação do TJ/BA, que se mantém ainda viva uma execução de títulos judiciais já invalidados.

Acordo – Aquisição do Banco Econômico

Nesse ínterim, o banco é adquirido. Mas para que se efetivasse a aquisição, era preciso finalizar todas as pendências. Uma delas era a esdrúxula situação do imbróglio processual aqui narrado, o qual impedia o encerramento definitivo da rescisória e, com isso, não permitia a extinção de uma contingência bancária que poderia até impedir o projeto de recuperação das atividades da instituição financeira.

Nesse contexto, e por mero pragmatismo, foi ajustada uma transação entre o Banco Econômico e o FIDC Alternative Assets, que nessa hora já era o cessionário do crédito das autoras originais da falecida demanda revisional.

Nesse sentido, em setembro de 2022, por meio do mencionado acordo, o referido Fundo desistiu dos embargos infringentes interpostos ao acórdão que havia julgado procedente a demanda rescisória, a fim de acabar com qualquer dúvida relativa a seu caráter definitivo, requerendo, ambas as partes, a homologação do acordo entabulado, com a extinção da ação e certificação de seu trânsito em julgado.

A seguir, em outubro de 2022, diante do acordo, foi concluída a aquisição do Banco Econômico pelo Banco BTG.

Pensa, leitora, que acabou? Mas não, há sempre tempo para mais uma novidade. É que os antigos patronos de uma das requerentes, saudosos dos honorários que foram fulminados na rescisória (v. acima a questão de ordem no tópico “Anulação da sentença”), propuseram diversos incidentes e recursos de modo a impedir a homologação da transação, pedindo até penhora bilionária contra o Banco Econômico. Este, por seu turno, não consegue nem sequer ter seus pedidos apreciados, como uma urgente suspensão das execuções, pois não existe relator competente para apreciar o caso. Um modelo de manual, a propósito, acerca da negativa de jurisdição. 

Com efeito, mesmo após a anulação da sentença da revisional e de acordo homologado pelas partes que extinguiu a ação, tenta-se executar a pequena bagatela de R$ 1,8 bilhão.

A referida execução tem prevenção na 1ª câmara do tribunal baiano, mas toda ela, inacreditavelmente, está suspeita.

No ano em que se completa o centenário de morte de Rui Barbosa, cujos restos mortais descansam no fórum chantado no Largo do Campo da Pólvora, faria bem a Corte se, em homenagem à memória do ilustre baiano, desse fim à causa.

Mesmo porque, como ensinou o Conselheiro, “Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.” 

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/384565/banco-economico–no-tj-ba-caso-sopita-ha-27-anos