30 de Março de 2022
Se, durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho, o empregado mantiver as atividades profissionais, ainda que parcialmente, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou a distância, ficará descaracterizada a referida suspensão temporária. O empregador deverá, então, pagar a remuneração e demais encargos sociais e se submeter às penalidades previstas na legislação em vigor e às sanções previstas em instrumentos coletivos.
Assim prevê o parágrafo 4º do artigo 8º da Medida Provisória 936, editada em 1/4/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública ocasionado pela pandemia de coronavírus. Posteriormente, a medida provisória foi convertida na Lei 14.020/2020.
O dispositivo legal foi aplicado pela juíza Eliane Magalhães de Oliveira, titular da 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre, ao julgar ação ajuizada por uma trabalhadora que alegou ter prestado serviços para a ex-empregadora durante o período de suspensão contratual. Com base nas provas, a julgadora constatou a veracidade da alegação e considerou descaracterizado o acordo de suspensão firmado entre as partes, declarando-o nulo com base no artigo 9º da CLT. Como consequência, a empresa, que presta serviços de atendimento ao cidadão, foi condenada a pagar à trabalhadora o salário do período de suspensão do contrato de trabalho e reflexos sobre FGTS mais 40%, deduzidos os valores recebidos a título de ajuda compensatória.
Na ação, a trabalhadora relatou que a unidade do UAI em Pouso Alegre, onde trabalhava, ficou fechada no período de 19/3/2020 a 11/5/2020, em razão da pandemia. Afirmou que trabalhou em home office no período 19/3/2020 a 30/3/2020. No período de 1/4/2020 a 15/4/2020, teve concedidas férias, mas continuou trabalhando remotamente, respondendo a vários e-mails e solicitações, inclusive por telefone e WhatsApp. Ainda segundo a autora, a partir de 16/4/2020 até 6/5/2020, o contrato de trabalho foi suspenso, com base na MP 936, passando a receber o benefício emergencial. No entanto, continuou a trabalhar remotamente, em total afronta ao previsto na medida provisória.
Em defesa, a reclamada negou a prestação de serviços da autora, tanto no período de férias, quanto no de suspensão do contrato. Argumentou que os poucos e-mails efetuados são insuficientes para prova do efetivo trabalho.
Mas, ao decidir o caso, a juíza deu razão à trabalhadora. Na sentença, ela destacou que, apesar de a prova oral ter sinalizado no sentido de que a unidade do UAI em Pouso Alegre ter ficado fechada sem expediente, mesmo remoto, no período de 19/3/2020 a 11/5/2020, a prova documental confirmou que a reclamante exerceu algumas atividades administrativas condizentes com a função de gerente administrativa, durante o período de suspensão. Por exemplo, ficou provado que a autora enviou e-mail no dia 28/4/2020 para tratar da compra de álcool em gel. Além disso, testemunha disse que a autora teve que realizar a homologação das verbas rescisórias de ex-colaboradores durante o período de suspensão.
“Embora as atividades externas ao público tenham sido suspensas, a reclamante, na qualidade de gerente, continuou a resolver questões administrativas, ainda que em baixa frequência, o que se enquadra na previsão normativa “ainda que parcialmente, no período de suspensão do contrato”, concluiu a julgadora, referindo-se ao parágrafo 4º do artigo 8º da Medida Provisória 936.
Como consequência, a ré foi condenada a pagar reflexos sobre FGTS mais 40% e o salário integral do período de 16/4/2020 a 5/5/2020, considerando que, a partir de 6/5/2020, foi cancelada a suspensão do contrato de trabalho. Foi determinada a dedução dos valores recebidos no período, a título de ajuda compensatória, a fim de se evitar o enriquecimento ilícito da autora.
Auxílio Emergencial
Ademais, considerando a irregularidade na concessão do benefício emergencial da suspensão do contrato de trabalho, determinou-se a expedição de ofício ao Ministério da Cidadania e ao Ministério da Economia – DRT, para adoção de providências cabíveis quanto ao acordo de suspensão do contrato de trabalho declarado nulo, inclusive para efeito de devolução pela trabalhadora de valores recebidos indevidamente, a título do respectivo benefício emergencial.
Por outro lado, a julgadora decidiu não determinar a dedução dos valores recebidos a título de benefício emergencial, tendo em vista a necessidade de que a trabalhadora devolva aos cofres públicos o valor indevidamente recebido por benefício concedido irregularmente.
A condenação também envolveu o pagamento de salário relativo a período de férias não gozados (de 1/4/2020 a 15/4/2020). A decisão no aspecto se baseou na constatação de que, no dia 7/4/2020, a autora enviou e-mail à empresa de monitoramento, e, no dia 15/4/2020, enviou planilha com os dados bancários dos colaboradores da unidade.
“A reclamante, embora de férias, não se desligou totalmente do trabalho, tendo resolvido pendências no período, o que vai de encontro ao objetivo das férias, que é o desligamento total das atividades habituais, de modo a recarregar as energias e obter ânimo e disposição para o retorno ao trabalho”, destacou a juíza. Nesse contexto, foi deferido o pagamento do salário, uma vez que a empregada já havia recebido as férias acrescidas de mais 1/3 do período. Houve recurso, mas julgadores da Quarta Turma do TRT-MG mantiveram a decisão. O processo já foi arquivado definitivamente.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região