O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta quinta-feira (28/8), para esclarecer que é possível aplicar a qualquer processo atualmente em curso os critérios definidos no último ano pela corte sobre os casos excepcionais em que o Poder Judiciário pode determinar o fornecimento de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

 

 

 

 

 

28 de agosto de 2025

Remédios

Ministros votaram contra os embargos, mas fizeram alguns esclarecimentos (Freepik)

 

Assim, o STF confirma que os requisitos podem ser aplicados a casos antigos ainda em andamento. O fim do julgamento virtual sobre o tema está previsto para esta sexta-feira (29/8).

tese de repercussão geral (válida para casos semelhantes nas demais instâncias do Judiciário) estabelecida em setembro de 2024 traz requisitos como negativa administrativa, incapacidade financeira do paciente e medicamento eficaz, seguro, imprescindível e insubstituível. Também foram estipuladas regras a serem seguidas pelos juízes, que precisam, por exemplo, consultar órgãos técnicos.

O fornecimento de medicamentos é um dos assuntos mais complexos do Judiciário brasileiro, pois afeta dezenas de milhares de processos e tem forte impacto nas contas públicas.

Contexto

O STF buscava decidir se e em quais condições o Judiciário deve conceder tais medicamentos aos cidadãos. De início, os debates envolviam apenas medicamentos de alto custo (muitas vezes as unidades têm preços na casa dos milhares ou até milhões de reais, nos casos de doenças raras), mas evoluíram e passaram a abranger quaisquer remédios não incorporados ao SUS.

Segundo a tese aprovada pela maioria dos ministros, se um medicamento não está nas listas do SUS, não pode ser fornecido por decisão judicial. Mas isso pode acontecer em situações excepcionais, desde que o remédio esteja registrado na Anvisa e que sejam preenchidos alguns requisitos.

O autor da ação deve comprovar que o fornecimento foi negado pelo Estado na via administrativa. Também deve comprovar que não houve pedido para incorporação do medicamento ao SUS; que houve pedido, mas a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) está demorando para analisá-lo; ou que a Conitec negou a incorporação de forma ilegal.

O medicamento pleiteado precisa ser imprescindível e insubstituível por outros que estejam nas listas do SUS. O autor ainda deve comprovar a eficácia e a segurança do remédio (por meio de estudos de alto nível), além da sua incapacidade de arcar com os custos.

Os juízes também devem consultar o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus) sempre que disponível, ou outros entes e pessoas especializados na área da saúde. Eles não poderão tomar decisões com base apenas em prescrições, relatórios ou laudos médicos apresentados pelo autor.

Caso o magistrado autorize o fornecimento do remédio, deverá mandar ofícios aos órgãos competentes para que eles avaliem a possibilidade de incorporação do medicamento ao SUS.

Embargos

A decisão foi contestada, por meio de embargos de declaração, por três amici curiae (amigos da corte, que têm a função de trazer informações relevantes para o processo): a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro e a Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose (Abram).

Todas elas pediram que a tese fosse aplicada apenas às ações movidas depois da publicação da decisão do último ano e não valesse para pacientes que acionaram a Justiça antes da tese estabelecida pelo STF.

Outros pontos questionados foram os critérios relacionados à Conitec. A DPU apontou que pode surgir alguma nova pesquisa depois de uma decisão desfavorável e solicitou que a indicação do link para consulta pública no portal eletrônico da comissão seja suficiente para comprovar a falta de pedido de incorporação ou a demora na análise.

A Defensoria do Rio foi além e alegou que exigir do autor a comprovação de irregularidade ou ilegalidade na decisão da Conitec representa um retrocesso na proteção dos direitos dos usuários do SUS. Também ressaltou que usuários de planos de saúde e seguros privados têm acesso a tratamentos sem recomendação de incorporação da comissão.

Já a Abram afirmou que, no caso de doenças raras, a decisão da Conitec contra a incorporação do medicamento muitas vezes é baseada em critérios exclusivamente econômicos, o que “cria um ponto cego de controle de manobras autoritárias em prejuízo de um grupo vulnerável”.

Os três amici curiae ainda contestaram a exigência de demonstrações científicas de alto nível. Isso porque medicamentos voltados a algumas doenças, como as raras, não passam por um “crivo tão restrito”, nas palavras da DPU. O órgão sugeriu a possibilidade de se justificar a inexistência de evidências científicas de alto nível para determinados remédios.

Voto do relator

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, explicou que amici curiae não têm legitimidade para apresentar embargos em casos de repercussão geral. Por isso, rejeitou os pedidos. Mas, devido à importância do tema, esclareceu algumas coisas, como a possibilidade de aplicação da tese a qualquer processo que esteja em curso.

Até o momento, ele foi acompanhado por Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Dias Toffoli e André Mendonça.

Barroso lembrou que, em outro caso relacionado — no qual o STF definiu a responsabilidade dos entes federativos em ações judiciais sobre fornecimento de medicamentos e a competência para resolver tais demandas —, ficou decidido (em julgamento de embargos) que as regras se aplicariam a processos em qualquer fase ou grau de jurisdição.

O relator considerou que o mesmo raciocínio deve se aplicar aos critérios para fornecimento: a tese deve ser aplicada a todos os processos em trâmite. Por outro lado, as partes devem ter a oportunidade de se manifestar sobre “a adequação ou não do seu caso aos critérios estabelecidos”.

Com relação à Conitec, o magistrado ressaltou a necessidade de se respeitar decisões de “órgãos com expertise técnica para decidir sobre o tema”. Ele ainda lembrou que os relatórios da comissão são submetidos, em regra, à consulta pública.

Sobre a comprovação da falta de pedido de incorporação do medicamento ou da demora na sua análise, Barroso explicou que o autor pode usar “qualquer meio de prova legalmente admitido”, o que inclui a indicação de link para consulta pública no site da Conitec com as devidas informações.

Por fim, o relator manteve a exigência de comprovação da eficácia e segurança dos remédios “à luz da medicina baseada em evidências, necessariamente respaldadas por demonstrações científicas de alto nível (ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou metaanálise)”. Segundo ele, esses são os estudos mais adequados no “nível hierárquico de evidências científicas”.


RE 566.471