O serviço de fretamento oferecido por aplicativo representa a prestação irregular do transporte rodoviário de passageiros e é causa de concorrência desleal. Por isso, deve ser proibido até que a legislação seja adequada.

05/07/2024

Buser se define como empresa intermediadora e que não presta serviço de transporte (Divulgação/Buser)

A conclusão é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso especial ajuizado pelo aplicativo de fretamento coletivo de ônibus Buser.

Com isso, o colegiado manteve o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relatado pelo desembargador Rogério Favreto, que tinha proibido o serviço a pedido da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos estados do Paraná e Santa Catarina (Fepasc).

O processo julgado envolve discussão apenas para as viagens interestaduais para o Paraná. A conclusão foi unânime, conforme posição do relator, ministro Mauro Campbell. Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o tema está candente no Judiciário e tem gerado posições díspares por todo o país.

Disputa judicial

A discussão se insere no âmbito de diversas ações por todo o país contra o modelo de negócios praticado pela Buser ou qualquer empresa de intermediação de fretamento de ônibus para transporte de passageiros.

As ações como a ajuizada pela Fepasc apontam que o transporte rodoviário de passageiros é um serviço público que depende de autorização formal da administração, com observância da legislação e das normas das agências reguladoras.

Ao atuar fora desse sistema, a Buser fica com o bônus de transportar passageiros em linhas economicamente viáveis sem ter que arcar com ônus tributários e operacionais — não precisa garantir transporte em locais de pouco fluxo, respeitar frequência ou conceder gratuidades.

A Buser, por sua vez, diz que não presta serviço de transporte, não tem frota, nem motoristas. Age simplesmente como plataforma de tecnologia que intermedia a contratação de serviços de fretamento.

Concorrência desleal

Relator na 2ª Turma, o ministro Mauro Campbell deu razão à parte autora da ação. Citou o Decreto 2.521/1998, que exige que o serviço de fretamento seja praticado em circuito fechado — ou seja, com ida e volta garantidas —, mediante prévia autorização da agência reguladora.

A Buser, por sua vez, atua no circuito aberto, ao oferecer viagens só de ida. E o faz cobrando o valor de passagens para operações conjuntas com empresas que qualifica como parceiras. Promove, portanto, o transporte irregular de passageiros.

Mais do que isso, oferece trajetos diários com preço individual e horários fixos, muitas vezes sem informar sobre a empresa que será responsável pelo transporte. A regularidade na prestação do serviço mostra que ele não é ocasional, mas permanente.

“Configurada, portanto, a atuação em situação de concorrência desleal com quem presta regular serviço de transporte interestadual de passageiros”, concluiu o relator, acompanhado por unanimidade de votos.

Lei e regulação em falta

Na análise do ministro Mauro Campbell, a Buser abusa das vantagens decorrentes da inovação da tecnologia, na complexa realidade brasileira em que o poder público não consegue atuar de forma contínua e eficaz para regular as atividades financeiras praticadas.

Embora esses avanços tecnológicos tenham, também, efeitos positivos, seu impacto na atividade econômica precisa ser bem absorvido se possível com a mitigação dos efeitos negativos como a extinção de empregos e o abalo de todo um setor econômico.

“Nessa circunstância em que o direito regulatório se mostra desalinhado em relação à atividade inovadora que esteja desequilibrando mercado, salutar se mostra a intervenção restrita do Judiciário até que sobrevenha o aperfeiçoamento da legislação pertinente.”

“Até momento, a correta conclusão é de que deve ser vedada à Buser a atuação na oferta de serviços de fretamento em circuito aberto”, complementou o relator.

Nota

Em nota, a Buser informou a revista eletrônica Consultor Jurídico que ainda não foi notificada e adiantou que, por não ser uma decisão definitiva, irá recorrer.

“A empresa afirma que o processo julgado envolve discussão apenas das viagens interestaduais para o Paraná e no modelo de fretamento colaborativo – modalidade que permite a divisão e formação de grupos de forma online. Os usuários da região continuarão sendo atendidos pelo serviço de revenda de passagens, em parceria com empresas que atuam em rodoviária.”

“É importante ressaltar que o fretamento colaborativo, criado pela Buser, já foi legalmente reconhecido na maior parte dos estados e nos principais tribunais do país, como no Tribunal Regional Federal da 2ª região (TRF-2), que decidiu pela legalidade da empresa em 2023, liberando sua operação no estado do Rio de Janeiro; na Justiça Federal do Distrito Federal, que afastou argumento de clandestinidade do modelo, proibindo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de apreender viagens intermediadas pela plataforma em todo o território nacional com base em entendimento do próprio órgão regulador; e no Supremo Tribunal Federal (STF), em que o ministro Edson Fachin negou pedido da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) para suspender a Buser, motivando a associação a desistir da ação, em 2021. Ainda, vale lembrar que em São Paulo, há um acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconhecendo a legalidade da plataforma desde 2020.”

REsp 2.093.778

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

  • Fonte: Conjur