27 de janeiro de 2022
A morosidade da agência reguladora para providenciar o correto andamento do procedimento licitatório, permitindo a perpetuação do monopólio das empresas que já atuam no mercado, configura-se como ilegítima. Além disso, a situação é inconstitucional, pois ofende os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, previstos no artigo 170, IV, da Constituição.
Com esse entendimento, a 2ª Vara Cível de Tupã (SP) autorizou que uma empresa de transporte de passageiros atenda cidades paulistas que se encontram no trajeto das suas linhas interestaduais até o final do procedimento licitatório que vai regulamentar o setor de transporte coletivo de passageiros no estado de São Paulo.
No caso, a empresa, que atua na prestação de serviços públicos de transporte rodoviário de passageiros no âmbito interestadual e estadual, alegou que recebeu autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para explorar serviços de transporte com relação a linhas que ligam cidades localizadas em estados distintos.
Entre essas linhas, existem outras cidades situadas no percurso dentro de um mesmo estado, as quais são conhecidas tecnicamente como “seção”. A permissão desse “seccionamento” com relação às cidades situadas dentro do estado depende da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte de São Paulo (Artesp).
A empresa alega que buscou autorização para poder atender as cidades paulistas que se encontram no trajeto das linhas interestaduais, e assim poder emitir passagem dos trechos fracionados.
Porém, o pedido de seccionamento foi negado, em decorrência da inércia da própria agência reguladora em disciplinar o tema, uma vez que a negativa foi baseada na necessidade de processo licitatório, que nunca acontece.
Assim, a empresa entrou na Justiça para que seja autorizada a operar nos seccionamentos contempladas pelas licenças operacionais nas linhas federais, até que a Artesp promova licitação do sistema.
Em sua defesa, a Artesp informou que a empresa não possui o direito subjetivo de fazer paradas nas seções intermunicipais. Disse também que a autorização pedida é concedida de maneira excepcional, após a promoção de estudos de viabilidade e apresentação de planos de serviços, sendo verificada a conveniência e oportunidade com as demais linhas operadas por outras empresas.
A Artesp alegou que já existem linhas de curta distância nos trechos em que a autora pretende seccionar suas linhas. Também afirmou que não se recusa a conceder permissão de transporte intermunicipal, apenas entende que não é adequado conceder permissões em linhas de longa distância.
Na decisão, o juiz Lucas Ricardo Guimarães disse que o Decreto estadual 61.635, de 19 de novembro de 2015, prevê a promoção de licitação para concessão dos serviços intermunicipais de transporte coletivo no estado de São Paulo. Porém, passados mais de seis anos da expedição do decreto o procedimento licitatório, iniciado no ano de 2016, ainda não foi concluído.
De acordo com o magistrado, sem o processo licitatório, as empresas acabam operando no transporte interestadual de passageiros no estado de São Paulo mediante permissão, a qual é concedida pela Artesp de modo discricionário, possibilitando a prestação de serviços públicos sem que sejam respeitados os ditames do procedimento licitatório, como previsto na Constituição.
“Nota-se que, a omissão da ré em finalizar o processo licitatório, acaba por afastar a possibilidade de novas empresas adentrarem no mercado, e impossibilita que possam concorrer em condições de igualdade com as empresas que exploram o serviço público a décadas de forma precária, prejudicando a livre concorrência e os consumidores que poderiam ter acesso a um transporte coletivo de melhor qualidade”, ressaltou o julgador.
Guimarães concluiu que não se trata de autorização para que empresas possam explorar linhas de transporte coletivo sem a supervisão dos órgãos nacionais e estaduais, mas de estabelecer condições de igualdade frente a inércia perpetrada pela Artesp, que conduz o procedimento licitatório de forma morosa e não regulamenta o setor dentro dos ditames constitucionais.
1008516-26.2020.8.26.0637
Fonte: TJSP