PRECEDENTES QUALIFICADOS

07/06/2023

​Ao analisar o Tema 1.142, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou, por unanimidade, sob o rito dos recursos repetitivos, três teses sobre a cobrança do laudêmio nas transações onerosas de terrenos de marinha, as quais disciplinam o fato gerador do pagamento da aludida obrigação, o termo inicial do prazo decadencial para a constituição desse crédito e a aplicação do artigo 47, parágrafo 1º, da Lei 9.636/98 às receitas esporádicas da União.

Na primeira tese, a seção definiu que a inexistência de registro imobiliário da transação (contratos de gaveta) não impede a caracterização do fato gerador do laudêmio, sob pena de incentivar a realização de negócios jurídicos à margem da lei somente para evitar o pagamento dessa obrigação pecuniária.

A segunda tese estabelece que  o termo inicial do prazo para a constituição dos créditos relativos ao laudêmio tem como data-base o momento em que a União toma conhecimento, por iniciativa própria ou por solicitação do interessado, do fato gerador, consoante exegese do parágrafo 1º do artigo 47 da Lei 9.636/1998, com a redação dada pela Lei 9.821/1999, não sendo, portanto, a data em que foi consolidado o negócio jurídico entre os particulares o marco para a contagem do prazo decadencial, tampouco a data do registro da transação no cartório de imóvel.

Por último, ficou estabelecida a tese segundo a qual o artigo 47 da Lei 9.636/1998 rege toda a matéria relativa a decadência e prescrição das receitas patrimoniais não tributárias da União, não havendo razão jurídica para negar vigência à parte final do parágrafo 1º do aludido diploma legal quanto à inexigibilidade do laudêmio devido em casos de cessões particulares, referente ao período anterior ao conhecimento do fato gerador, visto que o legislador não diferenciou receitas patrimoniais periódicas (como foro e taxa) das esporádicas (como o laudêmio).

Celebração do contrato de compra e venda é suficiente como fato gerador do laudêmio

O relator do recurso repetitivo, ministro Gurgel de Faria, verificou que o artigo 3º do Decreto-Lei 2.398/1987, com redação introduzida pela Lei 13.465/2017, dispõe que a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terrenos da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% do valor atualizado do domínio pleno do imóvel, excluídas as benfeitorias.

Assim, o magistrado apontou que a celebração do contrato de compra e venda é suficiente como fato gerador do laudêmio. Segundo o magistrado, o legislador estabeleceu como uma das hipóteses de incidência a mera cessão de direitos, a qual ocorre tão logo o negócio jurídico particular produza os seus efeitos, prescindindo, para fins de cobrança do laudêmio, do registro do respectivo título no cartório de registro de imóveis.

Prazo decadencial começa a fluir a partir do conhecimento da União

O ministro também ressaltou que, frequentemente, a alienação de imóveis sujeitos ao aforamento ou ao regime de ocupação se opera informalmente entre os particulares, mediante contratos de compromisso de compra e venda ou promessa de cessão de direitos que se perpetuam em transferências seguidas, sem a observância das normas de direito privado e das de direito público, que exigem, entre outras obrigações, o pagamento de laudêmio.

“Nesses casos, embora possa ter ocorrido o fato gerador do laudêmio no momento do contrato particular, a parte credora (União) não tem como, na ocasião, ter conhecimento do negócio jurídico, pelo que não pode constituir e exigir o valor devido”, afirmou Gurgel de Faria.

Por conta disso, segundo o magistrado, o artigo 47, parágrafo 1º, da Lei 9.636/1998 estabelece que o prazo decadencial para o lançamento do laudêmio começa a fluir somente a partir do momento em que a União toma conhecimento, por qualquer meio, das circunstâncias e fatos que caracterizam o fato gerador daquele (laudêmio).

Não cabe ao intérprete estabelecer divisões entre institutos

Por fim, o relator observou que não há razão jurídica para negar vigência à parte final do parágrafo 1º do artigo 47 da Lei 9.636/1998, já que não cabe ao intérprete estabelecer divisões entre institutos quando o legislador, por opção política, não o fez.

“Em atenção à separação de poderes e ao princípio da legalidade, não me parece possível que prevaleça a regra criada pelo próprio credor, a quem competia apenas aplicar ou no máximo regulamentar as normas já criadas. Se a parte final do § 1º do art. 47 da Lei n. 9.636/1998 poderia gerar alguma restrição ao alcance da possibilidade de cobrança do laudêmio, competia à lei modificá-la, e não ao executor ou ao intérprete da norma”, concluiu.

REsp 1.951.346.

Fonte: STJ