De acordo com o governo português, tratam-se de pessoas em situação irregular e que já tiveram seus pedidos de visto negados
06/05/2025
O governo de Portugal anunciou no sábado (3) que vai notificar 18 mil imigrantes para que deixem o país a partir desta semana. Os primeiros 4.574 serão informados nos próximos dias pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima) que devem sair voluntariamente em 20 dias.
De acordo com o governo português, tratam-se de pessoas em situação irregular e que já tiveram seus pedidos de visto negados. Se não saírem dentro do prazo estipulado, poderão ser detidos e deportados à força.
A medida é anunciada duas semanas antes das eleições gerais antecipadas de 18 de maio, que vão renovar o parlamento e dar origem ao novo governo, e na véspera do início da campanha eleitoral.
O governo de centro direita liderado pelo Partido Social Democrata (PSD), perdeu um voto de confiança do Parlamento português em março, após um escândalo de conflito de interesses envolvendo uma empresa da família do premiê e líder social-democrata, Luis Montenegro. O assunto dominou os primeiros debates entre os candidatos na semana passada.
Associações de imigrantes e a oposição mais à esquerda acusaram o governo de criar uma cortina de fumaça para mudar o assunto da campanha e tirar votos da extrema direita. Imigrantes sem documentos disseram estar apreensivos.
Embora detalhes não tenham sido divulgados, o Valor apurou que há brasileiros na lista. Tanto o consulado quanto a embaixada brasileira disseram à imprensa local que vão cobrar explicações das autoridades portuguesas. O número de imigrantes deportados pode aumentar, já que há mais de 110 mil pedidos de regularização em análise.
Montenegro, que faz campanha para continuar como premiê, criticou em um comício no final de semana, o partido de extrema direita Chega, que tem um discurso anti-imigração, dizendo que o grupo político é “destrutivo”. Ele culpou a situação atual à política de imigração do governo anterior, do Partido Socialista (PS), hoje liderado pelo seu adversário Pedro Nuno Santos. Já o líder do PS disse à televisão RTP que o baixo número de imigrantes notificados mostra que a porcentagem dos que entraram em de forma ilegal é reduzida. “Mas a Aima está fazendo o seu trabalho”, disse Santos.
Com medo de represálias, imigrantes brasileiros conversaram com o Valor sob a condição de anonimato. Um pernambucano de 23 anos que trabalha em um restaurante sem contrato disse que espera há mais de seis meses pelo documento. “Eles só são ágeis para cobrar as taxas”, disse ele, que pagou cerca de 150 euros (R$ 950) para fazer o pedido da regularização.
“O governo está nos dizendo ‘volta para a sua terra’”, disse uma brasileira do Rio de Janeiro de 32 anos que chegou como turista há três anos e até hoje não tem documentação. Ela afirma que, nos últimos anos, notou um aumento dos ataques xenófobos. De fato, dados oficiais mostram que denúncias de xenofobia cresceram 142% nos últimos anos.
Portugal tem uma população de cerca de 10 milhões de pessoas e vivem no país cerca de 1,6 milhão de imigrantes. O número de brasileiros é o maior entre os estrangeiros em Portugal, superando 550 mil. Nos últimos anos, no entanto, houve aumento da chegada de pessoas de outros países como Índia e Bangladesh e do sudeste asiático.
No bairro da Mouraria, em Lisboa, vivem milhares de imigrantes que vieram a Ásia. Jaskaran Kumar, um entregador de 26 anos que chegou da Índia há pouco mais de um ano, estava apreensivo. “Eu quero ficar aqui, sou um trabalhador e consigo mandar dinheiro para minha família”, disse, acrescentando que divide em um quarto com outros 9 imigrantes em situação similar.
Procurada pelo Valor, a Aima não respondeu a um pedido de comentário até o fechamento desta reportagem. O governo português também não retornou as tentativas de contato.
Histórico de problemas
Para muitos imigrantes, a regularização é um desafio, sobretudo pelo sistema deficiente de atendimento do governo português. Com o aumento da imigração registrado nos últimos anos, os sistemas ficaram congestionados. Há tempos, as respostas aos pedidos de autorizações e títulos de residência, inclusive de estudantes do ensino superior, atrasam meses ou até anos, deixando as pessoas em situação precária e sob risco de deportação.
As autoridades reconheceram o problema e, por diversas vezes, tentaram soluções temporárias como considerar apenas o agendamento da entrevista para o pedido de regularização como comprovação de situação legal ou prorrogar os vistos vencidos, mas sem emitir um novo documento. Sem ter como provar que estão em situação regular mesmo que o governo português assim o diga, os imigrantes não podem viajar para outros países, por exemplo.
Outra solução buscada pelo governo anterior do socialista António Costa foi a criação de uma modalidade de visto para os imigrantes oriundos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que ficou conhecido como “visto CPLP”, mas os documentos não tinham validade fora do país, nem na União Europeia (UE), e foram abandonados.
No ano passado, Portugal iniciou uma força-tarefa para analisar a fila de pedidos de regularização. Um grande centro de atendimento foi montado em Lisboa, com contratação de dezenas de funcionários para atender a alta demanda. Os imigrantes que foram atendidos e tiveram os vistos aprovados, no entanto, reclamam da demora das autoridades para emitirem as autorizações de residência.
Este conteúdo foi publicado originalmente no Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor Econômico.
*Por Lucas Rohan, Para O Valor — Lisboa
Fonte: https://valorinveste.globo.com/