Estelionatários têm se aproveitado da relação de confiança entre clientes e advogados para praticar golpes. Por meio de ferramentas como o WhatsApp, os criminosos se passam por representantes de escritórios de advocacia e solicitam pagamentos para liberação de precatórios, acordos para equacionar dívidas e taxas judiciais.

22 de maio de 2023

Estelionatários se passam por advogados e representantes de escritórios para aplicar golpes em diversas regiões do país
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O vice-presidente da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, Leonardo Sica, disse à revista eletrônica Consultor Jurídico que tem acompanhado a situação de perto e que a entidade vem municiando a Polícia Civil com informações para o desmantelamento destas quadrilhas. 

“Existem grupos organizados que têm se passado por advogados e representantes de escritórios. Eles usam informações públicas de processos, oferecem serviços ou cobram taxas para liberação de precatórios”, explica. 

Existem dois inquéritos na Polícia Civil de São Paulo que investigam a atuação dos estelionatários. “O golpe na maior parte das vezes ocorre por WhatsApp, mas notamos aqui no estado que existem quadrilhas especializadas atuando de forma presencial. Os criminosos chegam a alugar salas comerciais para se passar por advogados e escritórios”, afirma. 

Além de acompanhar de perto as investigações, a OAB-SP também tem buscado alertar seus associados para que orientem seus clientes. A seccional paulista da OAB é a que reúne o maior número de advogados do país, com 357 mil inscritos, mas a onda de golpes envolvendo profissionais e escritórios está longe de ser restrita a uma região. 

Seccionais da OAB do Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro, Bahia e Santa Catarina, por exemplo, já divulgaram informes alertando seus inscritos e a sociedade sobre o problema. 

Desde outubro de 2022, a OAB do Paraná tem promovido uma campanha informativa alertando sobre os cuidados para evitar esse tipo de golpe. Até maio deste ano, a entidade já havia recebido 237 denúncias. 

Vítimas de golpes
O advogado Rodrigo Kanayama, do escritório Kanayama Advocacia, foi um dos profissionais que sofreu com esse tipo de problema. “Trabalhamos muito com Direito Público e, portanto, nossos processos envolvem muitos precatórios. Alguns clientes nossos têm sido abordados por golpistas que pedem o pagamento de taxas para liberação dos pagamentos’, afirma. 

A metodologia dos golpes é bastante parecida. Segundo Kanayama, a maioria das abordagens é mesmo por WhatsApp. “Felizmente poucos clientes acabaram caindo no golpe. Que eu saiba, foram apenas dois, e um deles conseguiu reaver o dinheiro depois de entrar em contato com o banco. Outro infelizmente não conseguiu, mas por sorte não era um valor alto”, diz. 

Nasser Ahmad Allan, da Gasam Advocacia, também teve que lidar com tentativas de golpes envolvendo o nome do escritório. “Vira e mexe usam a imagem ou o nome de alguém aqui do escritório para tentar aplicar golpes. É o caso típico do bilhete premiado. O criminoso tenta vender uma vantagem mediante pagamento. Eles usam informações públicas dos processos e misturam com outras fantasiosas de modo que o discurso é verossímil”, explica. 

Ele aponta que os golpistas estipulam prazos curtos para aproveitar descontos em acordos trabalhistas ou para o pagamento de taxas para liberação de precatórios, por exemplo. “Costumo dizer que se não tivéssemos meios de pagamentos tão ágeis no país o golpe não funcionaria. Só depois de fazer uma transferência ou Pix é que às vezes a pessoa se preocupa em ligar no telefone fixo do escritório”. 

Em fevereiro deste ano, o juiz Eduardo Schmidt Ortiz, do Juizado Especial Cível de Palmas (PR), determinou que empresas de telefonia e de redes sociais colaborem para que o golpe do falso advogado seja contido no Paraná.

O julgador determinou a suspensão do funcionamento de números de telefone utilizados para aplicação do golpe, fornecimento de dados cadastrais, do IP utilizado pelos criminosos e suspensão dos serviços de mensagem dos golpistas.

A decisão foi provocada por pedido do Eduardo Tobera Filho, cujo escritório foi alvo da ação dos estelionatários.

Sósia de escritório
Em alguns casos, o nome dos escritórios de advocacia é envolvido em golpes contra pessoas que nem são seus clientes. A advogada Mérces da Silva Nunes, sócia do escritório Silva Nunes Advogados, chegou a ter a banca que fundou processada por conta da ação de golpistas. 

O escritório de Mérces se chama Silva Nunes Advogados, mas acabou sendo processado por conta de um escritório fantasma chamado Escritório de Advocacia Silva e Nunes. “Eles mandam uma mensagem de WhatsApp se apresentando como advogados desse escritório quase homônimo ao meu e dizem ter um convênio com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) para renegociar dívidas com os mutuários”, explica. 

O número do telefone usado pelos golpistas é da região noroeste de São Paulo e eles apresentam dados legítimos dos contratos que não são públicos. Mérces teve que fazer boletim de ocorrência e se defender na Justiça em um processo movido por uma das pessoas lesadas. 

Ao analisar o caso, a juíza Raisa Alcântara Cruvinel Schneider, da Comarca de Ipaussu (SP),  julgou a ação improcedente. Apesar da vitória na Justiça, a rotina de Mérces segue atribulada por conta da atuação dos golpistas. Ela invariavelmente tem que orientar pessoas abordadas pelo falso escritório.

“Muitas vezes as pessoas acham o nome do escritório no Google, ligam aqui e conseguimos evitar que ela caia no golpe, mas infelizmente algumas vítimas já chegaram a perder suas economias para tentar quitar o débito com a CDHU”, lamenta. 

A ação dos golpistas do escritório fantasma tem contornos tão amplos que o setor de Habitação da Prefeitura de Registro (SP) chegou a divulgar, em 2021, um alerta sobre a ação dos fraudadores que ofereciam descontos de até 60% para pagamento de dívidas dos mutuários. 

Golpismo 2.0
O uso do nome de advogados e de escritórios de advocacia para aplicar golpes não é exatamente algo novo, mas o avanço da tecnologia e a digitalização dos processos deu novas ferramentas para os golpistas. 

WhatsApp é o meio preferido dos golpistas que usam nomes de advogados e de escritórios para abordar possíveis vítimas
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“Tecnologia é muito bom, mas o ideal é que o primeiro contato que uma pessoa faça com o advogado ou com um escritório seja presencial. Com isso, o cliente poderá ter sempre os canais oficiais de comunicação dos escritórios já registrados e só fazer contato por meio deles”, explica Sica.

Outra orientação é verificar se o profissional que entra em contato em seu próprio nome ou em nome de um escritório possui registro na OAB. 

Nycolle Soares, sócia e CEO do Lara Martins Advogadas e presidente do Instituto Goiano de Direito Digital (IGDD), explica que como os processos via de regra são públicos é possível para qualquer cidadão ter acesso aos nomes das partes e muitas vezes até e-mails. 

Em alguns casos, os golpistas chegam a transformar a assinatura digital de advogados em imagem para dar contornos mais realistas às abordagens. Em outros, utilizam e-mails parecidos com o dos escritórios.

“Apesar dos novos recursos, nenhum desses golpes é novo. Antes enviavam cartas em nome de escritórios, por exemplo. A grande questão quando falamos da digitalização de processos é a amplitude que esse tipo de golpe ganha. É muito rápido. Se antes uma quadrilha demorava meses para dar 100 golpes, hoje ela consegue em questão de horas. Temos uma base de dados gigantesca e muita facilidade de comunicação.  Enviar uma mensagem de WhatsApp é muito simples”, explica. 

Vacina para golpe
Todos os advogados e escritórios consultados pela ConJur têm feito uso da comunicação com o cliente para tentar evitar os golpes. São e-mails, malas diretas e alertas sobre o problema nos sites e nas redes sociais das bancas.

Esses cuidados têm sido tomados até mesmo por escritórios que ainda não sofreram com o problema. O Nelson Wilians e Advogados Associados, por exemplo, tem feito um esforço concentrado de comunicação para orientar seus clientes. 

Fernando Parro, sócio do Contencioso Cível, explica que frequentemente os sites e redes sociais da banca tem divulgado orientações para evitar os golpes, além de artigos sobre as novas práticas fraudulentas. 

“Sempre orientamos nossos clientes a verificarem e confirmarem os dados de contas informadas para depósitos/transferência ou aqueles constantes em boletos, para ter certeza de que a razão social e o CNPJ é mesmo da empresa credora ou da empresa contratada pela credora”, explica. 

Parro lembra que a maioria das empresas do segmento financeiro já possuem ferramentas online de validação de boletos para que os devedores que forem abordados com uma proposta irrecusável de negociação de dívidas, por exemplo, consigam confirmar a autenticidade do boleto recebido. 

“Além disso, é importante manter contato com o gerente do banco ou empresa de crédito com quem habitualmente estão em contato para negociação para validarem as condições da oferta proposta por escritórios e empresas de cobrança, principalmente quando estão diante de vantagens excessivas”, alerta.

*Por Rafa Santos – repórter da revista Consultor Jurídico.

Fonte:Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2023, 8h45