22 de abril de 2022

A sociedade anônima do futebol (SAF) não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, uma vez que, nesse particular, a atividade de uma beneficia o outro.

Cruzeiro Esporte Clube e Cruzeiro SAF atuam integrados no futebol, concluiu a juíza
Flickr/Cruzeiro

Com esse entendimento, a 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte condenou o Cruzeiro Esporte Clube e o Cruzeiro Esporte Clube Sociedade Anônima de Futebol a pagar, de forma solidária, verbas trabalhistas devidas a um ex-treinador de goleiras do time feminino do clube. Proferida pela juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, a decisão é a primeira a envolver uma SAF na Justiça do Trabalho.

De acordo com o processo, o treinador cumpriu contrato de trabalho entre 27 de fevereiro de 2019 e 2 de dezembro de 2021, data em que recebeu aviso-prévio indenizado e projetado para 7 de janeiro de 2022. Ao final do contrato, porém, o Cruzeiro não arcou com o pagamento das verbas rescisórias. Inconformado, o profissional ajuizou pedido de condenação solidária das duas entidades.

Em sua defesa, o Cruzeiro SAF argumentou ser parte ilegítima na ação, pois não haveria responsabilidade ou sucessão pela SAF das obrigações exclusivas do clube, uma vez que a prestação de serviços pelo treinador se deu até 2 de dezembro do ano passado, ao passo que a SAF foi constituída quatro dias depois.

No caso, a constituição jurídica do Cruzeiro SAF se deu pela cisão do departamento de futebol do Cruzeiro Esporte Clube, com separação de ativos, nos exatos termos do artigo 2º, inciso II, da Lei 14.193/2021, que instituiu a sociedade anônima do futebol e introduziu inovações que repercutem na esfera trabalhista.

Ao analisar o caso, a juíza considerou aspectos dessa lei. Assim, com base no artigo 9º, observou que “a sociedade anônima do futebol não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social”.

Diante disso, considerou que o trabalho do treinador como membro da comissão técnica do time feminino se enquadra no objeto social do clube. Destacou, inclusive, que o futebol feminino é mencionado no estatuto.

A juíza explicou ainda que a inovação trazida ao ordenamento jurídico brasileiro é uma espécie de sucessão parcial do empreendimento. “Embora a constituição tenha sido feita em momento posterior, a SAF tinha completa ciência das dívidas existentes e projetadas”, assinalou ela.

Dessa forma, o credor trabalhista não pode ficar à mercê de eventual ausência de transferência ou repasse dos administradores para quitação das dívidas, sendo tal obrigação decorrente do contrato entre o clube e a SAF, que deverão fiscalizar entre si o cumprimento contratual.

A magistrada entendeu, por fim, que o clube e a SAF integram grupo econômico para fins trabalhistas, devendo responder de forma solidária pelo contrato de trabalho mantido com o treinador. Nesse sentido, levou em consideração a existência de “interesse integrado”, a fim de atuar de forma coordenada, subordinada ou conglomerada para obter vantagens.

Com isso, acolheu o pedido do treinador, responsabilizando cada um dos devedores pela dívida toda, sem ordem de preferência para a execução de um ou de outro. A condenação incluiu parcelas rescisórias, salário atrasado, repousos trabalhados, além das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT, devido a verbas rescisórias cujo prazo de quitação foi descumprido.

O valor estimado para a causa foi R$ 45 mil. Houve recurso da decisão, que aguarda julgamento no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG). 

0010052-44.2022.5.03.0012

Com informações da assessoria do TRT-MG.