31 de agosto de 2022

Nesta segunda-feira (29/8), o Plenário do Senado Federal aprovou um projeto de lei que derrubou o rol taxativo para a cobertura de planos de saúde (PL 2.033/2022). Caso o texto seja sancionado pelo presidente da República, as operadoras poderão ser obrigadas a custear tratamentos que não fazem parte da lista elaborada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). E essa novidade legislativa causou controvérsia no meio jurídico nacional.

Agência Brasil   
Congresso decidiu que o rol da
ANS deve ser apenas exemplificativo

Em junho, o Superior Tribunal de Justiça determinou que os procedimentos a serem custeados pelas empresas seriam apenas aqueles presentes no rol da ANS — que, com a nova lei, passará a ser apenas uma “referência básica” para a cobertura das operadoras.

Assim, as empresas terão de bancar qualquer tratamento que não conste do rol da ANS, desde que cumpra uma das seguintes condições: ter eficácia comprovada cientificamente; ser recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde; e ser recomendado por pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional.

“O Projeto de Lei (PL) nº 2.033, de 2022, tem o objetivo de criar hipóteses em que os planos de saúde devem garantir a realização de procedimentos e serviços de saúde mesmo que não estejam listados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”, diz trecho do parecer do senador Romário (PL-RJ), relator do projeto aprovado na segunda-feira.

De volta para o passado
Antes da decisão do STJ, prevalecia o entendimento de que a lista da  ANS era exemplificativa, servindo como mero parâmetro do que as operadoras deveriam cobrir. Dessa forma, frequentemente casos em que se pleiteava a cobertura de tratamentos fora do rol acabavam sendo decididos nos tribunais. Portanto, na prática, o PL aprovado impõe a volta à condição anterior.

Para alguns especialistas no assunto, o texto do projeto de lei tem complicações legais e poderá ser contestado futuramente.

“Além de a aprovação ocorrer num momento eleitoreiro, o projeto de lei, em seu artigo 10, parágrafo 12, mostra-se inconstitucional por ferir o artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que veda a retroatividade das leis”, argumenta Dyna Hoffmann, sócia do escritório SGMP Advogados. “O projeto de lei, de apenas três artigos, além de fomentar uma desarmonia com o Judiciário, já que a decisão do STJ é de junho, causa enorme insegurança jurídica às operadoras de saúde”.

Wilson Sales Belchior, sócio do RMS Advogados, também acredita que o PL causará problemas. Para ele, o projeto aumentará a judicialização da saúde, pois amplia as possibilidades interpretativas acerca das “evidências científicas” mencionadas no texto.

“Ademais, o PL é potencialmente problemático na perspectiva de que pode representar uma interferência na autonomia administrativa e na competência normativa da agência reguladora setorial”, argumenta o advogado.

Opinião diferente é a de Luiz Antonio Varela Donelli, sócio do Donelli Abreu Sodré e Nicolai Advogados. Para ele, não há inconstitucionalidade no projeto de lei. “Inexiste empecilho para que o Legislativo inove no sistema jurídico de forma a fazer a lei encampar a vontade popular, mesmo diante de prévia e distinta decisão do Judiciário”, comenta ele. Como exemplo, ele menciona a Emenda Constitucional 20/98, que alterou a base de cálculo do PIS/Cofins.

“Cabe, por expressa determinação constitucional, ao Judiciário a interpretação das normas e sua aplicação ao caso concreto, cabendo ao Legislativo a iniciativa legislativa (artigos 48 e 59 da Constituição Federal)”.

Há também quem acredite que não há motivo para discutir a constitucionalidade do texto aprovado pelo Senado, como Eduardo Tomasevicius Filho, professor de Direito Civil da Universidade de São Paulo. “Nesse caso, não há de se falar em constitucionalidade, trata-se de matéria de Direito Civil”, afirma ele. “Esse tipo de interação faz parte da separação dos três poderes, de forma que se trata de uma decisão do povo, representado nesse exemplo pelo Congresso Nacional. Seria pior, por exemplo, se envolvesse uma afronta a uma questão técnica”.

Ainda conforme Tomasevicius Filho, o novo texto continua dando à ANS o poder de regular a matéria, mas agora sob a condição de levar em conta o interesse dos pacientes de forma mais assertiva, sem esquecer o interesse das operadoras. Assim sendo, a mudança, segundo ele, pode não ser tão drástica quanto parece à primeira vista.

*Por Sabrina Brito – editora da revista Consultor Jurídico.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 30 de agosto de 2022, 20h54