Ao estabelecer que cabe ao juiz, sem necessidade de fundamentação, decidir se deve ouvir o depoimento do autor da ação trabalhista a pedido do empregador, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho violou o princípio da ampla defesa e contrariou a Constituição Federal.
12 de junho de 2024
Essa foi a opinião unânime dos constitucionalistas e dos especialistas em Direito do Trabalho ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o assunto.
No caso julgado pela SDI-1, uma professora que atuava como coordenadora do curso de Psicologia de uma universidade ajuizou uma reclamação trabalhista após ser demitida. Ela alegou que era dirigente sindical e que, por isso, tinha direito a estabilidade. Assim, pediu o pagamento dos meses aos quais teria direito ou a reintegração ao antigo posto de trabalho, além de reparação por danos morais. O juízo de primeira instância deu provimento ao pedido e ordenou a reintegração da professora.
A universidade, por sua vez, pediu a anulação do processo com o argumento de que o juiz negou seu pedido para que a professora prestasse depoimento. O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) indeferiu o recurso, mas a 6ª Turma do TST deu razão à universidade. Por fim, por considerar que o julgador tinha o direito de dispensar a oitiva da autora da ação, a SDI-1 validou a sentença inicial.
Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Breno Medeiros, para quem, no processo trabalhista, ouvir as partes é uma faculdade do juiz, conforme disciplinado pelo artigo 848 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Decisão inconstitucional
Pioneiro na crítica à decisão da SDI-1 do TST, o advogado e parecerista Lenio Streck escreveu, em coluna publicada na ConJur, que ela vai contra a Constituição e o Código de Processo Civil. Ele citou o artigo 385 do CPC, que determina que “cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício”.
“Daí a pergunta que a doutrina deveria formular: de onde o TST concluiu que esse dispositivo é inaplicável ao Direito do Trabalho? O direito de inquirir a parte contrária seria um direito menor? Ou um direito imune à jurisdição constitucional? O juiz pode ter tanto poder?”, questionou Streck.
O advogado e professor de Direito do Trabalho da pós-graduação do Insper Ricardo Calcini tem entendimento semelhante. Segundo ele, o conteúdo do artigo 848 da CLT não pode ser utilizado para cercear o direito constitucional à obtenção da prova em todo e qualquer processo judicial.
“A decisão da SDI-1 ao não autorizar a aplicação do CPC ao processo laboral, salvo melhor juízo, fere diretamente os preceitos basilares do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, todos eles expressamente previstos nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição”, sustenta Calcini.
Cláusulas pétreas
Rafael Fazzi, advogado do escritório Andersen Ballão Advocacia, lembra que os princípios da ampla defesa e do contraditório são cláusulas pétreas descritas no artigo 5º da Constituição e, por isso, é legítimo que as partes busquem a produção de provas por todos os meios admitidos.
“Não se trata de prevalência do CPC, até mesmo porque o CPC somente é aplicável como fonte subsidiária à CLT, ou seja, quando não houver regra específica sobre o tema na CLT. Porém, nem mesmo a CLT pode ultrapassar as disposições contidas na Constituição Federal, e a interpretação dada pelo juiz deve ser feita à luz da norma constitucional.”
Gabriel Henrique Santoro, do escritório Juveniz Jr Rolim e Ferraz Advogados, afirma que se o caso comporta prova testemunhal, o depoimento da parte deve ser entendido como algo essencial. “Não caberia, na minha visão, o juiz indeferir, principalmente porque o depoimento pessoal visa à confissão. A gente ouve a outra parte para conseguir a confissão dela, e não há nenhuma outra prova, não há prova melhor do que a confissão. Se a gente tira da parte a possibilidade de extrair a confissão da outra, está cerceando a defesa.”
Poderes quase absolutos
Integrante da banca Serur Advogados, Moisés Campelo interpreta a decisão do TST como uma concessão de poderes quase absolutos ao juiz trabalhista. “Com todo o respeito aos nobres ministros, a tese firmada no julgamento em tela viola o artigo 5º, LV, da Constituição Federal ao conferir ao magistrado poderes quase arbitrários na condução do processo.”
Já o professor Marco Antonio dos Anjos, do campus de Campinas (SP) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pondera que a matéria trabalhista é muito específica e tem várias nuances, mas isso não pode ser utilizado como pretexto para violar o direito ao contraditório e à ampla defesa no processo. “É difícil imaginar que seja totalmente inútil ouvir diretamente os envolvidos no litígio. O juiz ter contato com as partes e observar suas reações pode auxiliar em sua decisão final.”
Por fim, Gustavo Rodrigues Valles, sócio do escritório ARFM, destaca que o principal argumento usado para negar a oitiva das partes é a economia processual, mas esse tipo de decisão acaba tendo efeito contrário: “O efeito prático são os processos que passam anos sendo julgados nas cortes superiores e que correm o risco de, após muitas discussões, voltarem para a primeira instância para ser feita tal audiência”.
E-RRAg 1711-15.2017.5.06.0014
- Por Rafa Santos – repórter da revista Consultor Jurídico.
- Fonte: Conjur