Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, aprovado pela Câmara na última quinta-feira (17/7) e que ainda aguarda a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), resolve problemas históricos como a demora e os altos custos do procedimento, além da insegurança jurídica causada pela falta de unificação das regras sobre licenciamento no Brasil. Mas o texto também tem alguns pontos preocupantes, especialmente a possibilidade de “autolicenciamento” para atividades de porte e potencial poluidor médios.
22 de julho de 2025
Proposta aprovada no Congresso unifica regras de licenciamento ambiental e traz procedimentos simplificados (Arison Jardim/Governo do Acre)
Essa é a opinião do advogado e procurador de Justiça aposentado Édis Milaré, um dos mais renomados juristas do Direito Ambiental brasileiro. Ele comemora a criação de um marco legal para o licenciamento ambiental, mas considera que uma parte da norma precisa ser aprimorada.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse na última semana que o governo federal considera apresentar vetos ao projeto ou até mesmo questionar a constitucionalidade do texto. Ela afirmou que o PL tem pontos inaceitáveis e que a legislação do licenciamento foi “decepada”.
Na visão de Milaré, o objetivo principal do projeto não foi dispensar ou flexibilizar o licenciamento: “Ele tem outros objetivos nobres e vai representar um avanço. Não acabou com tudo. Mas ainda pode ser melhorado”.
Projeto importante
De acordo com Milaré, a maior parte do texto consolida em lei regras que já eram praticadas ou as aperfeiçoa. “Na sua boa porção, o projeto é bom. Se a lei for sancionada, vai ser um avanço”, diz ele. “O trigo supera em muito o joio.” Por outro lado, ele admite “vulnerabilidades” no projeto, que poderiam ser evitadas.
O advogado ressalta que o licenciamento ambiental, na sua forma atual, é extremamente demorado. Em tese, pela lei, quando o procedimento exige estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima), deveria terminar em um ano. Na prática, isso nunca ocorre.
“Muitas vezes estudos são feitos em cima de uma região em que se conhece tudo”, indica. Em São Paulo, o licenciamento costuma demorar cinco anos. Mas há casos de até oito anos.
Na sua visão, a legislação atual sobre licenciamento é “extremamente complexa e débil, escorada em atos infralegais”. Há milhares de normas espalhadas pelos estados e municípios, além da própria União.
“O licenciamento ambiental, dentro do contexto de hoje, não agrada a ninguém. Não agrada aos órgãos ambientais, não agrada à academia e não agrada ao Ministério Público, que vive ajuizando ações por conta de questões relacionadas”, aponta Milaré. “Ninguém está satisfeito com o licenciamento ambiental tal qual posto.”
LAC
Um dos pontos que preocupam o especialista está ligado à licença ambiental por adesão e compromisso (LAC), modalidade presente no projeto aprovado e que vem sendo chamada de “autolicenciamento”. Mas sua existência, em si, não é o problema.
Nesse tipo de licenciamento, o próprio empreendedor declara que cumpre os requisitos preestabelecidos pelo órgão ambiental. Assim, pode conseguir a licença de forma imediata e sem custos. Basta apresentar os documentos exigidos pela autoridade licenciadora.
A LAC já existe no Brasil, voltada a empreendimentos de pequeno porte e baixo potencial poluidor. Começou a ser usada na Bahia, em 2011. E o Supremo Tribunal Federal já validou essa modalidade ao analisar a lei baiana que a instituiu (ADI 5.014).
São Paulo é outro estado que utiliza a LAC. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) prevê cerca de 700 tipos de empreendimentos que podem ser atendidos por essa modalidade.
Ela pode ser aplicada, por exemplo, para pequenas obras de infraestrutura urbana, como uma rampa; manutenções no asfalto de estradas vicinais; pequenas estações de tratamento de água ou esgoto; atividades industriais pequenas que utilizem o sistema público de água e esgoto; reformas em prédios já existentes; instalações de antenas de telecomunicação de baixo impacto; hortas comunitárias; obras para captação de água de chuva etc.
Ou seja, a LAC é destinada a atividades cujo impacto ambiental já seja conhecido ou que usem recursos já disponíveis. Em São Paulo, mais de 80% dos pedidos de licenciamento são para pequenos empreendimentos.
Sem a LAC, explica Milaré, os órgãos ambientais teriam de ocupar toda a sua máquina para licenciar essas pequenas atividades e não conseguiriam dedicar atenção especial aos empreendimentos de alto potencial poluidor.
“A LAC bem conduzida não é o mal. Ela desafoga os órgãos gestores.” Segundo ele, não se trata de “liberar geral”, nem dispensar o licenciamento, mas de desburocratizá-lo e simplificá-lo.
“Se, na esfera penal, em que a responsabilização é mais severa, admite-se não punir a insignificância, por que em outras esferas de responsabilização vamos perseguir um empresário que tem uma padaria ou uma pizzaria de fundo de quintal que nem recebe clientes?”, indaga o advogado.
Onde mora o problema
Milaré defende que a LAC é positiva se for reservada para os pequenos empreendimentos. Mas o projeto de lei aprovado pelo Congresso prevê que a modalidade pode ser usada também por empreendimentos de médio porte e médio potencial poluidor.
O advogado é contrário a essa ampliação das hipóteses. Para ele, isso precisa ser vetado.
“Concordo com a permanência da LAC porque ela é um bem que reserva a capacidade da autoridade licenciadora para os casos realmente de importância”, afirma ele. “Mas discordo do jeito que o projeto está querendo levar a LAC.”
De acordo com o texto do PL, o órgão licenciador de cada ente federado ficará responsável por estabelecer a lista de empreendimentos que podem se valer da LAC. Para Milaré, isso é perigoso: “Deveria ficar sob a tutela de um órgão federal, para poder repercutir nos outros entes”.
Ele entende que esse poder precisa ser concentrado nas mãos da União e que a própria lei deveria elencar as hipóteses de LAC.
Sem uma previsão do tipo, os entes federados podem ter critérios diferentes para definir as atividades de baixo impacto poluidor e pequeno porte. Com isso, há o risco de uma espécie de versão ambiental da “guerra fiscal”. Um empreendedor que não conseguir LAC em um município pode conseguir em outro, vizinho.
Outros pontos não relacionados à LAC também são criticados pelo advogado, a exemplo da dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias e obras de saneamento.
“Não importa qual seja o recurso, se ele é natural e está sendo utilizado, ele demanda licenciamento”, defende o advogado. “Sou favorável à simplificação, sempre que possível, de forma justificada. Dispensa, nunca.”
Milaré também vê problemas na criação da licença ambiental especial (LAE), um procedimento simplificado voltado a atividades e empreendimentos considerados estratégicos. Ele não se opõe a essa possibilidade, “contanto que as hipóteses arroladas sejam de interesse nacional, e não do governo”. Para o advogado, isso deve ser decidido com base em “política de Estado, e não política de governo”.
Segundo o texto, os casos de LAE serão definidos pelo Conselho de Governo, órgão que tem a função de assessorar o presidente da República na formulação da política nacional e das diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais.
Porém, o advogado aponta que, desde a promulgação da Constituição de 1988, esse conselho não exerceu nenhum papel na sua condição de órgão superior no Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).