A ausência de ato normativo secundário não pode impedir o exercício de um direito garantido por uma lei autoaplicável.

30 de agosto de 2024

Moeda estrangeira foi retida no aeroporto devido à falta de regulamentação prevista em lei pelo Banco Central

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou a União a indenizar uma corretora de câmbio pelos prejuízos sofridos com a indevida retenção de moeda estrangeira na alfândega do aeroporto de Guarulhos.

A empresa fez uma operação de câmbio mediante conversão de moeda estrangeira em valor equivalente a US$ 4 milhões. As cédulas foram transportadas do exterior e ficaram retidas no setor de cargas do aeroporto por seis meses.

A operação foi feita com base na Lei 12.865/2013, que ampliou o rol de pessoas jurídicas habilitadas a efetuar operações de entrada de papel-moeda em solo nacional, incluindo todas as entidades autorizadas a operar no mercado de câmbio.

Essa norma alterou o artigo 65 da Lei 9.069/1996 e, no parágrafo 2º, e fixou que o Banco Central regulamentaria a regra, definindo forma, limites e condições de ingresso de moeda estrangeira no país.

Essa regulamentação nunca foi feita. Por esse motivo, a alfândega anotou a ausência de amparo regulamentar para permitir que entidade não bancária efetuasse a transação e determinou a retenção do numerário.

O dinheiro só foi liberado e passou por desembaraço aduaneiro depois que a corretora de câmbio conseguiu decisão judicial favorável, por meio de mandado de segurança. Posteriormente, ajuizou ação para cobrar os prejuízos sofridos pelo atraso.

O pedido foi julgado improcedente nas instâncias ordinárias. No STJ, por unanimidade de votos, a 1ª Turma deu parcial provimento ao recurso, conforme o voto da relatora, ministra Regina Helena Costa.

Proibiu errado

Para a ministra, a indenização é devida porque a lei, ao definir que caberia ao Banco Central regulamentar questões referentes ao ingresso da moeda estrangeira no país, não impactou a autorização dada às entidades não-bancárias para fazer essa operação.

Ou seja, a autorização para corretora de câmbios não dependia da futura e eventual regulamentação feita de forma secundária pelo Banco Central.

Um entendimento diferente, diz a ministra, significaria condicionar a eficácia do caput (a cabeça) do artigo 65 da Lei 9.069/1996 à atuação do administrador. Ou seja, a inércia do Banco Central aniquilaria a lei aprovada pelo Legislador.

“A censurável ausência de regulamento específico para pessoas jurídicas não qualificadas como bancos não constitui fundamento idôneo a legitimar a retenção do numerário importado pela recorrente”, apontou Costa.

A situação mudou com a entrada em vigor da Lei 14.286/2021, que mudou a regra de novo para, desta vez, efetivamente dar ao Banco Central o poder de dispor, mediante ato infralegal, os tipos de instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio, incluindo casos de remessa ao Brasil.

“Por qualquer ângulo de análise, há de se reconhecer a ilicitude do ato praticado por servidores da Alfândega do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, consistente na retenção do numerário objeto de importação”, concluiu a ministra.

Com o provimento do recurso especial, os autos retornam ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região para que o tribunal avalie a extensão de eventual dano e o valor da indenização.


REsp 2.073.791

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur