Ao definir a prescrição para a cobrança de indenização do seguro habitacional obrigatório nos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o Superior Tribunal de Justiça vai impactar o sistema de acordos que ele próprio criou para resolver a questão?
23 de setembro de 2024
Roberto Stuckert Filho/Agência Brasil
A importante dúvida paira sobre o julgamento em andamento na Corte Especial do STJ. O colegiado está analisando qual momento começa a correr a prescrição de um ano para acionar o seguro para cobertura de problemas estruturais descobertos nos imóveis.
Relatora, a ministra Isabel Gallotti defendeu que a prescrição comece no dia seguinte ao término da vigência do contrato de financiamento.
Assim, o fato gerador da pretensão de indenização precisaria ter ocorrido durante a vigência do contrato e ter sido descoberto em até, no máximo, um ano após sua liquidação
Isso significa que problemas estruturais descobertos pelos mutuários anos ou até décadas depois da liquidação do contrato não gerariam indenização alguma.
Essa tese é favorável ao interesse das seguradoras e contrária ao dos mutuários. Para eles, o risco pode se estender até os milhares de acordos já firmados em mutirões por todo o Brasil.
Os acordos decorrem de decisão do ministro Luis Felipe Salomão tomada no REsp 1.527.537, que discute o mesmo tema. Ele encaminhou o caso à mediação, o que gerou uma série de projetos-piloto para realização de acordos.
Esse sistema se beneficiou de resoluções do Conselho Curador do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) autorizando a Caixa Econômica Federal a fazer acordos envolvendo imóveis segurados que foram financiados pelo SFH.
Os acordos tratam de apólices públicas do chamado Ramo 66, que são garantidas pelo FCVS. Já os casos concretos julgados como paradigma da Corte Especial são de apólices privadas do Ramo 68, de cobertura das seguradoras privadas.
Representantes dos mutuários no julgamento destacaram que impor uma solução tendo em vista o caso das seguradoras pode impactar os acordos envolvendo apólices públicas, todas referentes a casos antigos.
As classificadas no Ramo 66 se referem a contratos assinados até, no máximo, dezembro de 2009, quando essa possibilidade foi extinta. A apólice pública caiu em desuso a partir de junho de 1998, quando abriu-se a possibilidade de migração para apólices privadas.
Impacto
“Como iremos honrar os acordos se for declarada a prescrição desses processos?”, indagou da tribuna da Corte Especial o advogado Guilherme Veiga Chaves, que atua no caso em defesa dos mutuários.
Ele destacou da tribuna que a Justiça Federal fez um acordo para testar a aderência de autores de ações judiciais. “Por isso precisa ter processos particulares. Ele não podem ser prescritos. Senão não vai ter processo para aderir ao acordo guarda-chuva.”
“Como vai ser feito o pagamento se o direito (dos mutuários) está prescrito?”, questionou o advogado Guilherme Lima Barreto, que seguiu a mesma linha. “É um verdadeiro tiro no pé, uma incoerência total”, criticou.
Já a Advocacia-Geral da União, representada por Flávio José Roman, defendeu que a solução ao caso não é uma tese jurídica com pretensão de imprescritibilidade dessas indenizações e disse que trata-se de um tema de política pública.
“O julgamento em nada interfere no acordo que já foi firmado. O acordo está homologado judicialmente. E novas indenizações serão objeto de novas políticas públicas”, apontou.
Acordos pelo Brasil
O acordo citado envolve cerca de 400 edifícios indicados pela Caixa e pela Justiça Federal de Pernambuco como os de maior risco e pode beneficiar em torno de 14 mil famílias.
São os chamados prédio-caixão — construções em que as próprias paredes sustentam a estrutura do prédio, sem uso de vigas ou pilares. Elas se multiplicaram na região do Recife e passaram a registrar danos estruturais e risco de desabamento.
Mas não apenas. O sistema de acordos criado a partir da decisão do STJ já teve mutirões em outras cidades, para resolver questões relacionadas a diferentes tipos de construções, inclusive de casas.
Em março de 2024, os mediadores eleitos pela corte — o ministro aposentado do STJ Aldir Passarinho e a advogada Juliana Loss — informaram ao ministro João Otávio de Noronha, sucessor de Salomão na 4ª Turma, o bom andamento das mediações.
O registro foi de acordos em ações abrangendo 1.462 residências em Caruru (PE) e Natal (RN) em um primeiro momento. Posteriormente, uma segunda rodada na capital potiguar resultou em acordos para mais 1.606 unidades residenciais.
Segundo os mediadores, há a potencial extinção de cerca de 30 mil processos, beneficiando por solução consensual aproximadamente 300 famílias.
Em Petrolina (PE), 649 audiências de conciliação alcançaram 100% de acordos, movimentando um total de R$ 15,5 milhões em favor dos prejudicados. Em Goiânia (GO), a Justiça Federal registrou 365 acordos referentes a casas do Conjunto Habitacional Vera Cruz 2.
Uma das rodadas mais recentes ocorreu em Curitiba (PR), com cerca de 230 moradores do Conjunto Habitacional Nossa Senhora da Luz dos Pinhais com processos que tramitavam tanto na Justiça Estadual quanto na Justiça Federal.
Pedido de vista
O julgamento na Corte Especial do STJ foi interrompido por pedido de vista. Se a tese da ministra Isabel Gallotti prevalecer, o reconhecimento da prescrição tem o potencial de impactar novos acordos por todo o país.
Abriu a divergência a ministra Nancy Andrighi, para quem a prescrição começa somente após o fato gerador da indenização: o momento em que a seguradora é informada do problema estrutural e se recusa a fazer o pagamento.
Se essa posição vencer, os processos que estariam prescritos poderão ser mantidos e ainda será necessário avaliar a veracidade do que é alegado em cada pedido de indenização.
REsp 1.799.288
REsp 1.803.225
- Danilo Vitalé correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.