Nesta quarta-feira (5/11), a Suprema Corte dos Estados Unidos promoverá a audiência de sustentações orais do que parece ser o caso mais importante do ano: a legalidade das tarifas aduaneiras impostas, por decreto, pelo presidente Donald Trump, em abril, às importações de produtos estrangeiros.

 

 

 

5 de novembro de 2025

Mark Garten / ONU

Julgamento na Suprema Corte será decisivo para o governo de Donald Trump

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A importância da ação (Learning Resources v. Trump) decorre do fato de ser um caso raro de repercussão mundial. Quase todos os países que se relacionam comercialmente com os Estados Unidos estão de olho no andamento do processo, inclusive o Brasil. A decisão final da corte é esperada para janeiro de 2026.

Além disso, trata-se de um caso de ampla repercussão nacional, por algumas razões. Uma delas é que uma decisão desfavorável ao governo vai desencarrilhar o principal pilar da política econômica de Trump.

Entre outras consequências, tal decisão resultará em perda de receitas e na possibilidade de o governo ter de restituir as tarifas cobradas dos importadores, estimadas em US$ 90 bilhões até agora — e certamente muito mais do que isso em janeiro

Se, em vez disso, a decisão for favorável ao governo, haverá um grande problema político, pois a Suprema Corte atribuirá ao presidente Trump um poder nunca dantes visto, já que vai transferir a ele prerrogativas que, constitucionalmente, são exclusivas do Congresso.

O artigo 1, seção 8, cláusula 1 da Constituição dos EUA concede ao Congresso o poder de “impor e arrecadar impostos, impostos de importação e exportação, contribuições e tributos, para pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos”.

Essa é a principal base constitucional para garantir ao Congresso a autoridade para definir a criação e arrecadação de impostos. Parlamentares democratas e republicanos declararam que a Constituição lhes atribui a responsabilidade de criar tarifas, impostos de importação e exportação e outros tributos.

Nem todos os congressistas aceitam abrir mão desse poder. Mais de 200 parlamentares das duas casas, entre eles a senadora republicana Lisa Murkowski, protocolaram uma petição de amicus curiae (amiga da corte) na Suprema Corte alegando que lei alguma permite ao presidente usar tarifas como uma ferramenta de comércio exterior.

Lei em discussão

Ao instituir sua política tarifária, Trump se sustentou na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA — International Emergency Economic Powers Act). O governo alega que essa lei de 1977 autoriza o presidente a, unilateralmente, fixar as taxas de impostos de importação para qualquer país no nível que ele desejar — desde que ele declare um estado de emergência.

Os peticionários, duas pequenas empresas de importação de brinquedos educacionais (Learning Resources, Inc. e hand2mind, Inc.) e uma coalisão de 12 estados dos EUA, alegam que a lei permite ao presidente regulamentar o comércio exterior, mas não menciona tarifas em parte alguma, pois essa é uma atribuição exclusiva do Congresso.

Três tribunais federais de primeira instância e um tribunal federal de recursos decidiram contra o governo de Trump. Os juízes declararam que a lei (IEEPA) não autoriza a criação de tarifas por decreto presidencial ou, em outras palavras, que as tarifas em questão não podem ser impostas com base nessa norma.

“A lei não menciona tarifas, impostos, imposto de importação ou outras palavras semelhantes, embora permita ao presidente, após ele declarar uma emergência, regulamentar a importação de qualquer propriedade na qual qualquer país estrangeiro tenha algum interesse”, diz uma das decisões.

Um dos representantes dos peticionários, o ex-juiz federal Michael McConnell, nomeado pelo ex-presidente republicano George Bush, declarou: “Essa é, praticamente, a razão da luta na Revolução Americana: o princípio de que a tributação não é legítima, a não ser que seja adotada pelos representantes do povo”.

Na defesa do decreto, os procuradores do Departamento de Justiça alegam que, pelo menos em parte, as cortes não devem questionar aquilo que o presidente Trump classifica como uma emergência nacional. Eles afirmam que o déficit comercial “atingiu um ponto crítico” e que as tarifas dão ao presidente “o poder de negociação para lidar com a emergência”.

Do que depende uma decisão contra as tarifas

Basicamente, a derrocada da política tarifária de Trump depende de dois de três ministros conservadores-republicanos (Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e o presidente da corte, John Roberts) manterem suas palavras para formar uma maioria de 5 votos a 4. E também de a corte respeitar o precedente que negou poder semelhante ao ex-presidente democrata Joe Biden.

Gorsuch, adepto convicto do originalismo, não acredita que os fundadores da nação iriam aceitar um sistema em que o poder de definir tarifas residisse principalmente no presidente, em vez de no Congresso. O magistrado já argumentou que o tribunal deve fazer cumprir vigorosamente a separação de poderes, mesmo quando os legisladores tentam ceder seus poderes ao Executivo.

Kavanaugh tem sido mais pragmático do que seus colegas, mencionando frequentemente as consequências práticas de uma decisão. Para ele, se a IEEPA não é o instrumento adequado para o presidente impor tarifas, há outras leis que podem lhe conferir autoridade para fazê-lo — em algumas circunstâncias. Isso deveria tornar os juízes menos hesitantes em decidir contra Trump.

O presidente da corte, John Roberts, sugeriu anteriormente que a “doutrina das questões maiores” (major questions doctrine) se aplica em casos como esse. De acordo com essa doutrina, o Congresso precisa ser claro ao delegar amplos poderes ao Poder Executivo. Em outras palavras, o presidente não pode se valer de linguagem ambígua para justificar políticas transformadoras.

A “doutrina das questões maiores” também é explicada como um princípio da lei administrativa que requer que os órgãos governamentais tenham uma autorização explícita do Congresso quando querem regulamentar uma questão de “amplo significado econômico e político”. A doutrina se aplica quando uma autoridade reivindica a “expansão transformativa” de poderes.

Essa doutrina tem suas raízes no princípio constitucional da separação dos poderes. Ela assegura que as decisões sobre políticas de grande importância nacional sejam tomadas pelos representantes eleitos do povo — ou seja, pelo Congresso.

Finalmente, há precedentes da própria Suprema Corte, que os ministros podem respeitar — ou não. No governo de Biden, o tribunal bloqueou três de seus decretos presidenciais porque o Congresso não havia autorizado claramente tais ações de grande significado econômico e político — o que é o caso da implementação do tarifaço de Trump.

As ações se referiam a medidas para combater a mudança do clima, à obrigatoriedade da vacinação contra o coronavírus nas grandes empresas e ao programa de perdão de dívidas estudantis. Foram todas derrubados pela “doutrina das questões maiores”.

Fonte: Conjur