A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começou a discutir a definição de limites e critérios para a penhora de salário com o objetivo de quitar dívidas não alimentares.

 

 

 

8 de agosto de 2025

Julgadora entendeu que o pagamento de gratificação regular e sem ligação com desempenho do funcionário deveria ser incorporada a salário

STJ vai fixar tese com critérios e limites para penhora de salário do devedor em casos de dívida não alimentar (Freepik)

O caso está em análise em um julgamento de recursos repetitivos sob a relatoria do ministro Raul Araújo e foi interrompido por pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha. A posição a ser irmada será vinculante.

A penhora do salário do devedor para quitar tais dívidas é expressamente vedada pela lei. O artigo 833, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil diz que isso só pode ocorrer se o devedor tiver renda mensal de mais de 50 salários mínimos.

Em 2025, isso significa admitir a penhora do salário só de quem recebe mais de R$ 75,9 mil por mês, um padrão muito fora da realidade social brasileira. Foi o que levou o STJ a flexibilizar a lei em diversos precedentes a partir de 2018.

Critérios

O voto de Raul Araújo propôs a adoção de alguns critérios objetivos para orientar como essa flexibilização deve ocorrer:

—  O mínimo existencial para a sobrevivência digna do devedor será sempre impenhorável. Esse valor seria algo em torno de dois salários mínimos, conforme cogitou o relator (R$ 3.036);

— O valor do salário que exceda a marca de 50 salários mínimos será plenamente penhorável, inclusive em sua integralidade;

— O valor que esteja entre o mínimo existencial e a marca de 50 salários mínimos poderá ser penhorado observando limites máximos de até 45% do montante.

O voto ainda aponta que a relativização da regra da impenhorabilidade do salário deve ser tomada pelos juízes e tribunais como excepcional e só pode ser adotada se cumpridas duas exigências:

— Quando outros meios que possam garantir a efetividade da execução estiverem inviabilizados;

— Desde que o impacto da penhora do salário na subsistência digna do devedor e de sua família seja concretamente avaliado pelo julgador.

Penhora de salário generalizada

Trata-se da primeira tentativa do STJ de normatizar a flexibilização do artigo 833, inciso IV, do CPC de 2015. Outras tentativas foram feitas pelas instâncias ordinárias, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais aprovou tese em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) autorizando esse tipo de penhora, desde que não ultrapasse o limite de 30% da verba líquida.

Esse número é o mesmo usado pela Lei 10.820/2003 para limitar o desconto no salário nos casos de empréstimo consignado.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul também aprovou IRDR no mesmo sentido, acrescentando que a penhora de 30% do salário só será possível se não comprometer a subsistência do devedor.

No geral, no entanto, impera a falta de uniformidade. A ConJur listou decisões de outras cortes admitindo a penhora de percentuais de salários de pessoas que recebiam valores tão baixos quanto R$ 1,9 mil por mês.

Consequências

O julgamento na Corte Especial teve sustentações orais de partes que defenderam a jurisprudência construída a partir das decisões de flexibilização promovidas pelo STJ.

Do lado oposto, a argumentação focou no impacto negativo dessa posição. Gustavo Dantas Carvalho, defensor público de Sergipe, destacou que a consequência inevitável na maioria dos casos será mesmo a penhora do salário.

Ele propôs uma relevante definição: que se imponha ao credor o ônus de comprovar que a penhora não atinge a subsistência digna do devedor.

“Caso contrário, haverá um efeito em cascata indireto. A pessoa que deve não vai conseguir provar que isso não afeta sua subsistência, porque na economia existem coisas informais. Isso vai até estimular o emprego informal. O devedor vai preferir não ter carteira assinada.”

Ele ainda disse que o limite de 50 salários mínimos para admitir a penhora foi propositalmente escolhido pelo legislador como forma de proteger o devedor e equilibrar o jogo.

Esse ponto também foi destacado por Clarice Frechiani Lara Leite, que falou em nome do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Ela apontou que o Congresso rejeitou projetos de lei que visavam reduzir esse limite.

Assim, se o STJ transformar uma norma fechada em norma aberta, a consequência será uma maior abertura para os exequentes, que preferirão discutir a penhora dos salários dos devedores, acrescentou a advogada.

José Aurélio de Araújo, pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, disse na sustentação oral que a busca pela efetividade da cobrança da dívida não pode gerar violação de direitos fundamentais.

Ele afirmou também que, se os integrantes do sistema financeiro emprestam dinheiro sem os devidos cuidados, isso não basta para autorizar o avanço sobre os meios de subsistência dos devedores brasileiros.

Para Araújo, a flexibilização da lei para admitir a penhora de salários “importará em uma nova distribuição de renda no país: dos mais pobres para as instituições financeiras”.

Teses

O ministro Raul Araújo propôs duas redações para a tese vinculante:

Tese 1

A relativização da regra da impenhorabilidade de verba de caráter remuneratório para pagamento de dívida de natureza não alimentar, independentemente do valor percebido pelo devedor, é medida excepcional a ser adotada quando:

1) Inviabilizado outros meios executórios que possam garantir efetividade da execução;

2) Desde que avaliado concretamente o impacto da constrição na subsistência digna do devedor e familiares.

Para tanto, devem ser observados os seguintes critérios:

1) O mínimo existencial digno para a subsistência do devedor será sempre impenhorável;

2) O valor excedente a 50 salários mínimos mensais será plenamente penhorável, conforme se extrai da lei, inclusive em sua integralidade;

3) O valor entre o mínimo existencial digno e os 50 salários mínimos mensais será relativamente penhorável, observando limite máximo na faixa entre 45% e 35% da remuneração.

Tese 2

A regra geral da impenhorabilidade de verba de caráter remuneratório (artigo 833, inciso IV, do CPC) pode ser mitigada para pagamento de dívida de natureza não alimentar quando, frustradas outras tentativas ou meios executórios, for preservado percentual de verbas capaz de assegurar a existência digna do devedor e seus familiares.

Para tanto, devem ser observados os seguintes critérios:

1) O mínimo existencial digno para a subsistência do devedor será sempre impenhorável;

2)) O valor excedente a 50 salários mínimos mensais será plenamente penhorável, conforme se extrai da lei, inclusive em sua integralidade;

3) O valor entre o mínimo existencial digno e os 50 salários mínimos mensais será relativamente penhorável, observando limite máximo na faixa entre 45% e 35% da remuneração.

REsp 1.894.973
REsp 2.071.335
REsp 2.071.382