“Robôs podem ser programados para ajudar juízes e advogados a realizar tarefas específicas, como classificar documentos e analisar dados legais. No entanto, a substituição completa de juízes e advogados por robôs é considerada improvável, pois a tomada de decisão judicial envolve muito mais do que apenas processar informações. Os juízes e os advogados têm a responsabilidade de aplicar as leis e os princípios jurídicos às situações únicas que enfrentam, algo que os robôs ainda não podem fazer de maneira equivalente”.
16 de janeiro de 2023
Essa foi a resposta do ChatGPT — protótipo de um chatbot com inteligência artificial especializado em diálogos desenvolvido pela OpenAI — ao questionamento que motivou esta reportagem: robôs podem substituir juízes e advogados? Até que ponto?
E a explicação do robô — apesar de genérica e simplória perto da linha de pensamento dos especialistas consultados pela ConJur sobre o tema — não soa absurda e incoerente.
O ChatGPT é considerado um divisor de águas em matéria de inteligência artificial, e seus impactos e aplicações ainda são incertos.
Um dos estudiosos sobre a aplicação da inteligência artificial no universo do Direito é o juiz e professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal de Santa Catarina Alexandre Morais da Rosa. Ele é autor, em parceria com Daniel Boeing, do livro Ensinando um robô a julgar (EMais) e acredita que robôs não podem substituir juízes e advogados, mas podem ajudar a dinamizar a prestação jurisdicional.
“Propomos a automatização das atividades repetitivas e burocráticas que podem ser automatizadas. Não mais do que isso. Neste sentido, a aplicabilidade de um preceito legal ou de uma razão de decisão (forte ou fraca) a um determinado caso, sendo mais do que a simples repetição, fica fora do que pode ser automatizado”, escreveu em artigo publicado na ConJur em resposta a uma crítica do jurista Lenio Streck sobre a obra.
Streck, por sua vez, é um crítico do tema por acreditar que a possibilidade de aplicação da inteligência artificial sofre de um problema conceitual intransponível: afinal, quem programa o robô?
“É como discutir golpe de Estado na democracia. Uma contradição insolúvel. Direitos das pessoas têm que ser julgados por pessoas. Se a humanidade não quer julgar e quer deixar que máquinas façam isso em seu lugar, teremos que extinguir todas as carreiras. Será que as distopias não nos ensinam nada? É um direito fundamental de qualquer pessoa ter examinado seu direito — e isso desde a aurora da civilização — julgado por pessoas. Esse é o ponto. Há um direito fundamental nesse sentido”, sustenta.
O advogado e diretor acadêmico do Instituto de Direito e Inteligência Artificial, Dierle Nunes, acredita que o ChatGPT é uma aplicação muito interessante para otimização de determinadas atividades. “Tem um condão revolucionário por gerar textos com boa fundamentação”, explica.
O estudioso cita casos em que trabalhos acadêmicos foram feitos usando a ferramenta para exemplificar o que o ChatGPT representa em termos de avanço e seu potencial, que pode ser tanto virtuoso como problemático.
“A maioria das pessoas acha que um robô como esse pode substituir um profissional do Direito, mas isso não é possível. Todo modelo de inteligência artificial pode dar uma resposta muito específica e correta muito uma muito absurda. Sem supervisão humana a ferramenta perde muito da eficácia”, aponta.
Funcionamento e consequências
O advogado e consultor especializado em Direito e novas tecnologias Omar Kaminski explica que os chamados chatbots nada mais são do que mecanismos de busca que se valem de inteligência artificial, e estão ficando cada vez mais aprimorados.
Kaminski acredita que ferramentas como o ChatGPT precisam de supervisão humana atualmente, mas talvez com o avanço da tecnologia se chegue ao ponto que o robô poderá “pensar” e agir por conta própria, baseando-se nos dados já disponíveis em seu acervo, ou em acervos acessíveis online.
“Pois bem, estamos entre a cruz e a espada, inclusive com projetos de lei sobre inteligência artificial avançando. Se a resposta é sim, é só questão de (pouco) tempo com consequências disruptivas imprevisíveis, inclusive no quesito ético, moral e laboral. Se for não, é a hora de pensarmos em como criar limitações sem limitar a própria inovação tecnológica – se é que isto será possível”, pondera.
O pesquisador do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento José Leovigildo de Melo Coelho Filho, por sua vez, acredita que nenhum modelo de inteligência artificial irá substituir profissionais no Direito, mas irá otimizar o trabalho. “Máquina e humano trabalhando em conjunto acertam mais”, resume.
O especialista explica que o que estamos vendo é um salto de desenvolvimento de um modelo de IA, mas que nem de longe tem a capacidade de análise de contexto e pensamento subjetivos dos humanos.
Ele acredita que, se usado de modo a diminuir a judicialização no país, os robôs são bem-vindos e podem auxiliar na busca por soluções de conflitos e elaboração de acordos.
Desafio do milhão
Nos Estados Unidos, o uso de robôs no sistema de Justiça tem sido impulsionado por startups. Uma delas, a DoNotPay, criou uma ferramenta chamada “robot lawyer” — “advogado robô” em tradução livre —, que tem sido utilizado por pessoas para contestar e negociar multas de estacionamento.
A empresa se tornou notícia mundialmente por oferecer US$ 1 milhão (R$ 5,1 milhões) para quem utilizar o robô em um processo que seja admitido pela Suprema Corte dos Estados Unidos.
Realidade fática
Apesar de todos os aspectos práticos e problemáticos do uso de inteligência artificial no sistema de Justiça, o Poder Judiciário já tem se movimentado para lidar com a evolução tecnológica.
Em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal aprovou a criação da Assessoria de Inteligência Artificial em sua estrutura orgânica.
A iniciativa tem como principal objetivo desenvolver novas soluções em inteligência artificial, aplicadas à prestação jurisdicional da corte. Atualmente, o STF dispoe de dois robôs — o Victor, utilizado desde 2017 para análise de temas de repercussão geral na triagem de recursos recebidos de todo país, e a Rafa, desenvolvida para integrar a Agenda 2030 da ONU ao STF.
Também está prevista a criação do Núcleo de Apoio aos Sistemas Judiciais, de forma a trazer mais segurança aos sistemas e aos usuários da plataforma STF Digital.
Levantamento do Conselho Nacional de Justiça aponta expressivo aumento do número de projetos de inteligência artificial no Poder Judiciário em 2022. A pesquisa identificou 111 projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento nos tribunais.
Com isso, o número de iniciativas cresceu 171% em relação ao levantamento realizado em 2021, quando foram informados apenas 41 projetos. Houve também avanço no número de órgãos que possuem projetos de inteligência artificial.
Atualmente, 53 tribunais desenvolvem soluções com uso dessa tecnologia. Na pesquisa anterior, apenas 32 órgãos declararam ter iniciativas no tema. Juízes e advogados vão continuar sendo imprescindíveis para a democracia, mas é notório o avanço dos robôs.
*Por Rafa Santos – repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de janeiro de 2023, 9h45