A substituição da taxa Selic pelo IPCA para corrigir depósitos judiciais em ações envolvendo a União, qualquer de seus órgãos, fundos, autarquias, fundações ou empresas estatais federais dependentes viola o princípio da isonomia e deve causar judicialização.
11 de julho de 2025
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Portaria substituiu a Selic, taxa de juros da economia, pelo IPCA, que mede a inflação, para corrigir os depósitos judiciais
Essa conclusão é de advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a Portaria MF 1.430/2025, editada pelo Ministério da Fazenda no início do mês.
Ela apenas concretiza uma mudança já prevista pela Lei 14.973/2024. A norma revogou a Lei 9.703/1998, que determinava que os depósitos judiciais seriam corrigidos pela Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira. Já o IPCA é o índice que mede a inflação.
O depósito judicial serve como garantia de uma obrigação financeira enquanto tramita um processo que discute a validade dessa obrigação. Em ações contra a União, ele evita sanções como a não emissão de certidão de regularidade fiscal ou o protesto da Certidão de Dívida Ativa
A partir de 1º de janeiro de 2026, os depósitos judiciais serão feitos exclusivamente na Caixa Econômica Federal e os valores serão repassados à Conta Única do Tesouro Nacional — ou seja, poderão ser usados pelo governo.
Se o contribuinte vencer a ação, os valores depositados serão atualizados pelo IPCA acumulado no período. No último ano, a alta registrada foi de 5,67%. Trata-se de índice bem menos favorável do que a Selic, atualmente em 15% ao mês.
Além disso, o IPCA incidirá apenas uma vez, no momento do levantamento do depósito, e não mensalmente, no esquema de juros compostos — nesse caso, os juros de um período são adicionados ao capital inicial e os juros seguintes, calculados sobre esse novo valor.
Depósitos judiciais
Quando a Lei 14.973/2024 foi sancionada, em setembro, a ConJur fez um alerta sobre sua anti-isonomia e suas inconstitucionalidades. Com a definição do IPCA como índice de atualização dos depósitos judiciais, os efeitos passarão a ser sentidos em cascata.
Para Julia Rodrigues Barreto, advogada da área tributária da banca Innocenti Advogados, a medida vai desestimular o uso de depósitos para fins de garantia, já que será menos benéfico para o contribuinte. Haverá ainda, segundo ela, o risco de judicialização.
“Como a União continuará aplicando a taxa Selic para valores recebidos em atraso, a adoção do IPCA para correção de depósitos pode gerar debates judiciais sobre a necessidade de aplicação do mesmo índice em caso de devolução de tributos depositados e posteriormente julgados indevidos, com base no princípio da isonomia.”
Ela também destaca que a alteração reforça o caráter indenizatório e não remuneratório dos depósitos, o que pode ser interpretado como mera manutenção de patrimônio. “Pode suscitar discussões judiciais acerca da incidência de tributos sobre a atualização desses valores, além de questionamentos sobre o entendimento do STJ quanto à natureza remuneratória da correção pela taxa Selic.”
Para Rodolfo Bustamante, sócio do contencioso estratégico do escritório Bhering Cabral Advogados, o maior problema é que o decreto pode violar o princípio da isonomia, uma vez que a União continua a exigir dos contribuintes os seus créditos atualizados pela Selic, que inclui juros e correção, enquanto o IPCA tem rendimento muito menor.
“Isso fere o princípio da isonomia porque cria um tratamento mais oneroso para o contribuinte e mais vantajoso para a União, uma vez que a União não deposita valores em juízo para garantir suas dívidas discutidas judicialmente.”
Ele também prevê judicialização, uma vez que o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade de normas que distorcem os critérios de atualização monetária e juros em detrimento dos contribuintes.
É o caso, por exemplo, do Tema 810 da repercussão geral, no RE 870.947, que invalidou a aplicação da TR em condenações da Fazenda Pública em questões não tributárias por não garantir a recomposição do valor real da dívida.
Quebra da isonomia
Na opinião de Leonardo Gallotti Olinto, tributarista sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, o tratamento precisa ser isonômico porque o que está sendo depositado pelo contribuinte é um valor objeto de discussão judicial. Assim, a análise não pode se basear em um momento específico em que a taxa de juros seja maior do que o índice da inflação.
*Por Danilo Vital
Fonte: Conjur