A nova lei que dispensa a comprovação de feriado local para a interposição de recurso facilita a vida dos advogados, pois evita que se prejudique todo o processo por um descuido. Essa é a opinião dos especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a Lei 14.939/2024, sancionada nesta quarta-feira (31/7) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

2 de agosto de 2024

Com nova lei, feriado local não precisa ser comprovado por advogado em recurso

A norma alterou o parágrafo 6º do artigo 1.003 do Código de Processo Civil para estabelecer que, caso o recorrente não comprove a existência de feriado local ao protocolar a impugnação, os tribunais devem determinar a correção do vício ou desconsiderar a omissão se a informação já constar do processo eletrônico.

José Rogério Cruz e Tucciprofessor de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo, avalia que a alteração promovida pela lei é simples, mas de grande relevância social.

E facilitará o trabalho dos advogados, que deixarão de ser injustamente punidos por esquecer de comprovar feriado local no recurso, o que não passa de um detalhe sem grande relevância, segundo ele.

Antes da alteração legal, qualquer descuido do causídico fazia com que o recurso não fosse conhecido pela instância superior. Isso tirava o sono dos advogados de contencioso cível, conta Tucci. Afinal, como explicar para o cliente que o processo dele chegaria ao fim por algo tão insignificante?

Regra bem-vinda

Toda regra que impede a formação da “jurisprudência defensiva” — prática dos tribunais para evitar recursos — é bem-vinda, aponta Flávio Luiz Yarshell, professor de Direito Processual Civil da USP.

“A rigor, a alteração explicita o que já deveria decorrer do sistema, inclusive para os tribunais superiores. Aliás, a regra é especialmente importante nas instâncias excepcionais, em que faz maior sentido o surgimento da questão de feriados locais. De todo modo, a explicitação favorece a segurança jurídica e pode ser vista como um ganho do jurisdicionado e, claro, de seus representantes, que são os advogados”, diz Yarshell.

Para José Miguel Garcia Medina, doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a alteração legislativa é correta e está em conformidade com os princípios que orientam o CPC. E foi necessária para que houvesse uma adequação à jurisprudência que havia sido formada sobre o assunto.

Porém, a lei poderia ter deixado claro se a mudança se aplica aos processos em curso, opina Medina. Sem isso, ela gera dúvidas.

Por exemplo, quem tiver interposto recurso sem comprovação de feriado local antes da reforma terá direito a ser intimado nos termos da nova redação do parágrafo 6º do artigo 1.003 do CPC?

“Vi colegas afirmado que, ao ver deles, sim: a nova disciplina se aplicaria mesmo a recursos já interpostos (e que não tenham sido acompanhados por comprovante de feriado local). Eu simpatizo com esse ponto de vista, mas não sou otimista: penso que, na jurisprudência, prevalecerá o entendimento de que a nova redação do parágrafo 6º do artigo 1.003 do CPC somente se aplicará a recursos interpostos a partir da vigência da nova lei.”

Volta ao passado (positiva)

Domingos Refinetti, sócio do Wongtschowski & Zanotta Advogados, afirma que nova lei promove uma positiva volta ao passado.

Quando o CPC de 1973 estava em vigor, era pacificada, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade de comprovação da tempestividade do recurso mesmo após a sua interposição.

Porém, o CPC de 2015 alterou a interpretação da corte, que passou a exigir comprovação imediata dos requisitos. Isso fez com que a existência de feriado local tivesse que ser apontada no momento do protocolo do recurso.

“A meu ver, essa alteração no entendimento, com todas as deferências ao STJ, representou um retrocesso e um paradoxo, pois favorecia um formalismo exacerbado que ia de encontro ao próprio princípio da primazia do julgamento do mérito que norteou a construção do CPC atual (faz parte de uma tendência do STJ de adotar o que se conceituou como ‘jurisprudência defensiva’, com o intuito de reduzir a quantidade de recursos que chegavam àquela corte). Esse entendimento acabava, em última análise, por gerar injustiças: um recurso tempestivo (e que, portanto, havia sido interposto dentro do prazo) poderia deixar de ser apreciado apenas em razão de um lapso tão pequeno, quanto à não comprovação da ocorrência de um feriado”, explica o advogado.

Dessa maneira, a alteração trazida pela Lei 14.939/2024 chega para “normalizar” a questão, declara Refinetti. A nova norma conceitua “expressamente a eventual (não) comprovação da tempestividade do recurso como um vício meramente formal, passível de correção e tornando obrigatória a intimação do recorrente para corrigi-lo, caso identificado”.

Assim, permite que essa correção se dê de ofício pelo próprio tribunal, se for possível identificar a tempestividade do recurso nos próprios autos, opina.

Jurisprudência do STJ

O tema da comprovação posterior de feriado é muito caro às partes porque, afinal de contas, mexe com os prazos recursais e acaba por retirar uma série de possibilidades. No processo penal, em que esses prazos são contados em dias corridos — e não em dias úteis, como no processo civil —, a urgência é ainda maior.

Em 2017, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a existência do feriado local e a suspensão dos prazos recursais devem ser comprovadas no ato de interposição do recurso especial.

Isso significa que, uma vez interposto o recurso sem essa informação, a parte não pode trazer a comprovação posteriormente. A interpretação foi feita à luz das alterações promovidas pelo Código de Processo Civil de 2015, que entrou em vigor em 2016.

Depois desse precedente de 2017 que vetou a comprovação posterior do feriado, o colegiado passou a analisar se essa comprovação seria necessária para feriados não reconhecidos por lei federal, mas notoriamente tratados como tal.

Essa posição foi discutida a partir de 2019 e rejeitada apenas em 2021. A Corte Especial decidiu, então, modular os efeitos do acórdão para permitir que aqueles que fizeram a comprovação posterior do feriado nessa janela de tempo tivessem direito a seguir com a tramitação de seus recursos — mas apenas no caso específico da segunda-feira de Carnaval. Isso excluiu, por exemplo, o feriado de Corpus Christi.

Mais recentemente, em 2023, a Corte Especial voltou a apreciar o tema e decidiu que é possível comprovar a ocorrência de um feriado local e a suspensão do expediente forense a partir apenas de calendário disponibilizado no site do respectivo tribunal.

Pouco depois, a 5ª Turma do STJ rejeitou uma proposta feita pelo ministro Messod Azulay para mudar a regra sobre a comprovação de feriado local para interposição de recurso especial em ações criminais. Para o magistrado, conferir a interpretação do precedente de 2017 aos casos penais acaba por permitir a violação de preceitos fundamentais garantidos ao cidadão que é alvo de persecução penal.

Porém, prevaleceu o entendimento de que, por causa de um Código de Processo Penal desatualizado e remendado, a orientação na hipótese de lacuna legislativa é aplicar de forma subsidiária o CPC. Isso é o que faz com que a orientação da Corte Especial sobre comprovação de feriado seja legitimamente adotada pelas turmas criminais do STJ.

  • Por Sérgio Rodas – correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
  • Fonte: Conjur