A Lei Magnitski: Alcance, Aplicações e Repercussões para Cidadãos Brasileiros.
Por Alberto Murray.
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Conceito e Origem.
A Lei Magnitski (ou Magnitsky Act) é uma legislação originalmente aprovada pelos Estados Unidos em 2012, em resposta à morte do advogado russo Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção envolvendo autoridades russas e morreu sob custódia estatal em condições suspeitas. A lei foi criada para sancionar indivíduos envolvidos em violações graves de direitos humanos e corrupção transnacional. Com o tempo, seu escopo foi ampliado por meio da Global Magnitsky Human Rights Accountability Act (2016), permitindo que os EUA apliquem sanções a qualquer pessoa ou entidade estrangeira envolvida em tais condutas, independentemente da nacionalidade.
2. Medidas Previstas.
As sanções previstas pela Lei Magnitski incluem, principalmente:Congelamento de ativos nos Estados Unidos;
Proibição de entrada no território norte-americano;
Proibição de transações com pessoas e empresas norte-americanas.
Essas sanções são de caráter administrativo, unilaterais e independem de condenação judicial prévia no país de origem do sancionado.
3. Expansão Internacional.
Outros países e blocos adotaram legislações similares, como:
Canadá (Justice for Victims of Corrupt Foreign Officials Act, 2017);
Reino Unido (Sanctions and Anti-Money Laundering Act, 2018);
União Europeia (Regulamento Global de Sanções Magnitski, 2020);
Austrália e Estônia, entre outros.
4. Pessoas e Países Alvo.
Desde sua promulgação, a Lei Magnitski tem sido aplicada a centenas de indivíduos e entidades de diversos países, incluindo:Autoridades da Rússia, China, Venezuela, Mianmar, Arábia Saudita, Irã e Coreia do Norte;
Empresários, membros de forças de segurança, agentes de inteligência e líderes políticos envolvidos em:
(a) Tortura, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados;
(b) Corrupção sistêmica, como desvio de fundos públicos e subornos.
Exemplos notórios incluem:
– Oficiais sauditas envolvidos no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi;
– Generais de Mianmar implicados na repressão aos rohingyas;
– Funcionários venezuelanos ligados à repressão política e violação de direitos civis.
5. Impacto sobre Cidadãos Brasileiros.
Tecnicamente, um cidadão brasileiro pode ser sancionado pela Lei Magnitski caso seja considerado, por autoridades norte-americanas (ou de outros países com legislação análoga), responsável por violações graves de direitos humanos ou corrupção internacionalmente relevante.Consequências possíveis incluem:
– Bloqueio de ativos em contas bancárias nos EUA;
– Impossibilidade de viajar para os EUA ou realizar negócios com entidades americanas;
– Inclusão em listas de sanções internacionais, com reflexos bancários e diplomáticos.
Contudo, não há efeito penal ou civil direto no Brasil, a menos que autoridades brasileiras decidam cooperar judicial ou administrativamente com a sanção, o que depende de decisão soberana e, muitas vezes, de acordos internacionais.
6. Limites Jurídicos.
A aplicação da Lei Magnitski a brasileiros respeita a soberania nacional: ela não possui efeito extraterritorial direto sobre direitos civis ou políticos no território brasileiro. Entretanto, seus efeitos práticos podem ser amplos no plano internacional, sobretudo em operações financeiras, reputação global e mobilidade internacional do sancionado.
- Efeitos práticos da Lei Magnitski no cotidiano de um brasileiro sancionado.
Embora a Lei Magnitski seja uma sanção extraterritorial de caráter administrativo e unilateral (sem força de lei no Brasil), seus efeitos práticos podem ser amplos, principalmente quando envolvem empresas norte-americanas ou que operam com tecnologia e infraestrutura dos Estados Unidos. Abaixo, detalham-se os principais impactos:
7.1. Serviços digitais e plataformas de tecnologia.
Se uma pessoa física brasileira for sancionada sob a Lei Magnitski, empresas norte-americanas são obrigadas a encerrar imediatamente qualquer vínculo comercial direto ou indireto com essa pessoa. Isso pode incluir:
Suspensão ou bloqueio de contas em serviços como:
– Google (Gmail, YouTube, Google Drive)
– Apple (iCloud, App Store)
– Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp)
– Amazon (compra de produtos e acesso ao Prime Video)
– Microsoft (Outlook, OneDrive, Teams, Xbox Live)
– Netflix, Spotify e demais plataformas de streaming com sede nos EUA
Essas empresas, mesmo atuando no Brasil, seguem a legislação de seu país de origem e bloqueiam contas vinculadas a indivíduos sancionados, com base em nome, CPF, e-mail, IP, cartões de crédito, endereço e outras informações associadas.
7.2. Proibição de uso de aplicativos e lojas virtuais.
Impedimento de baixar ou atualizar aplicativos via Google Play ou App Store.
Restrições no uso de serviços de pagamento digital como Google Pay, Apple Pay e PayPal.
7.3. Cartões de crédito e operações financeiras.
Cancelamento automático de cartões de crédito/débito emitidos por instituições com bandeiras norte-americanas, como:
– Visa
– Mastercard
– American Express
– Elo (em alguns casos, por parcerias com emissores internacionais)
Isso decorre da exigência legal que essas empresas têm de não transacionar com indivíduos sancionados.
Restrições ao uso de plataformas de câmbio digital ou bancos com correspondentes nos EUA, inclusive corretoras de criptomoedas que operam com dólares via instituições norte-americanas.
7.4. Bancos e corretoras no Brasil.
Embora a sanção não obrigue instituições brasileiras a agir, muitas evitam relações com pessoas sancionadas para não sofrerem retaliações do sistema financeiro internacional (como perder acesso à compensação em dólar ou serem alvo de investigações secundárias). Assim, o sancionado pode:
Ter contas bancárias encerradas por “compliance” interno;
Ser bloqueado de comprar moeda estrangeira (mesmo para viagens ou negócios);
Ser impedido de fazer transferências internacionais, especialmente em dólar.
7.5. Reputação e barreiras comerciais.
Empresas brasileiras que operam com os EUA ou que dependem de tecnologia americana podem se recusar a contratar ou manter relações comerciais com o sancionado, por receio de “sanções secundárias” (o chamado “efeito reflexo”).
Isso inclui escritórios de advocacia, auditorias, multinacionais, e-commerce, empresas de transporte internacional, seguradoras, operadoras de turismo e muito mais.
7.6. Restrições diplomáticas e de mobilidade.
O brasileiro sancionado não poderá obter visto para os EUA, nem fazer escala aérea em território americano.
Pode haver dificuldade em obter vistos para países aliados dos EUA, como Reino Unido, Canadá, Austrália e União Europeia, caso eles reconheçam ou adotem medidas semelhantes.
8. Considerações finais.
A Lei Magnitski, embora não tenha força vinculante no Brasil, alcança de forma concreta cidadãos brasileiros quando envolve empresas ou fluxos financeiros com conexão direta ou indireta aos Estados Unidos. Na prática, isso pode resultar em exclusão digital, financeira, comercial e até social, mesmo sem qualquer processo judicial no Brasil.
O impacto é potencializado pela interdependência global dos sistemas de pagamentos, tecnologia e comunicação, hoje fortemente ancorados em infraestrutura norte-americana.
Julho de 2.025.