Mesmo que tenha sido deferida judicialmente, a interceptação telefônica é ilegal se for derivada apenas de denúncia anônima, sem que tenham sido esgotadas diligências prévias a fim de justificar a quebra do sigilo dos investigados

21 de novembro de 2024

Ações envolveram suposto esquema de compra de vagas em curso de Medicina

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região manteve a nulidade de três ações penais por ausência de justa causa e determinou a exclusão de parte das provas de outros três processos envolvendo o mesmo caso.

As ações tratam de um suposto esquema de venda de vagas no curso de Medicina de uma universidade privada do interior de São Paulo. O Ministério Público Federal atribuía a um grupo de acusados a prática dos crimes de organização criminosa, falsidade ideológica, inserção de dados falsos em sistema de informações e estelionato majorado.

Ainda segundo o MPF, o grupo facilitava, mediante a cobrança de propina e ao fazer uso de dados fraudulentos, o acesso de estudantes a recursos do Fies para que pudessem estudar Medicina na instituição, o que teria causado prejuízo à União estimado entre R$ 250 milhões e R$ 500 milhões.

Também mediante pagamento indevido, os acusados ainda teriam permitido a transferência de alunos vindos do exterior, em geral de faculdades do Paraguai e da Bolívia, para que fizessem um curto período de internato na universidade paulista e, assim, não precisassem se submeter ao exame Revalida para atuar no Brasil.

Parte das provas que fundamentaram as ações penais foi produzida por investigação iniciada pela Polícia Federal após ter recebido uma denúncia anônima sobre a suposta venda de vagas.

A denúncia era acompanhada de prints de conversas no WhatsApp, nas quais constavam menções a um suposto agenciador do esquema e ao “dono” da universidade, que também teria participação no caso.

A PF instaurou, então, um inquérito policial e, três dias depois, ajuizou um pedido de interceptação telefônica contra um grupo de suspeitos, o que foi autorizado e garantiu provas robustas.

Diligências prévias

Já no decorrer da tramitação penal, a interceptação foi declarada nula ao ser acolhido argumento da defesa do reitor da universidade, um dos acusados no episódio. Esse entendimento foi agora reafirmado pelo TRF-3.

Para o desembargador federal Paulo Fontes, relator do caso, a autoridade policial não adotou diligências prévias para averiguar se os fatos narrados na denúncia e os prints acostados a ela eram verídicos, como, por exemplo, colher o depoimento de um aluno ou de um empregado da universidade, o que justificaria a quebra de sigilo.

“Quando o início da investigação se dá a partir de denúncia anônima, a jurisprudência entende que devem existir outros elementos investigativos prévios para ser deferida a medida extrema da quebra de sigilo. Tais diligências preliminares visam demonstrar os indícios da prática criminosa, a verossimilhança da notitia criminis, bem como a indispensabilidade da interceptação telefônica”, sustentou o magistrado.

“Assim, entende-se que os prints, por ficarem no próprio âmbito da denúncia anônima, não foi um meio capaz de sair da mera informação, o que jamais poderá fundamentar restrições a direitos fundamentais”, acrescentou ele.

Ainda segundo o desembargador, considerando que a quebra do sigilo foi nula, todas as provas obtidas a partir das interceptações telefônicas e produzidas posteriormente em razão delas também são inválidas.

O TRF-3 deu parcial provimento, ainda assim, a um recurso do MPF contra a decisão de primeiro grau. Dessa maneira, três da ações antes trancadas foram consideradas válidas, desde que sejam excluídas as provas obtidas a partir das interceptações. O juízo de origem agora terá de decidir se as provas restantes são suficientes para prosseguir com essas ações penais.

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Processo 5001113-73.2019.4.03.6124