LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Identificando conluio entre o autor da ação e duas empresas reclamadas, a juíza Fernanda Hilzendeger Marcon, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, condenou um empresário, uma transportadora de cargas e um atacadista de bebidas por litigância de má-fé em um processo contra a a fabricante de bebidas Ambev. O trio deverá indenizar a empresa em R$ 1,058 milhão por litigância de má-fé.

24 de maio de 2023

Ambev indicou que a transportadora e a atacadista promoveram “perseguição” – Ambev/Divulgação

O autor da ação pedia o reconhecimento do vínculo empregatício com as empresas e a anotação em sua CTPS. Ele afirmou que foi admitido pela transportadora de cargas em junho de 2012 para exercer a função de coordenador operacional, com salário mensal de R$ 27,8 mil, mais gratificação de R$ 6 mil. A atacadista, por sua vez, também era responsável por R$ 4 mil mensais em gratificação a ele. A transportadora e a atacadista alegaram que o autor era prestador de serviços, não subordinado. Sustentaram a responsabilidade solidária da Ambev, por ilicitude do contrato de prestação de serviços.

A fabricante de bebidas sustentou haver conluio entre o autor e as empresas, que apresentaram defesa genérica. A Ambev explicou que extinguiu o contrato de prestação de serviços com as demais empresas porque não houve cumprimento das relações trabalhistas. Alegou que, ao lado de outras empresas, foi incluída pela transportadora e a atacadista em outros processos em que não participou da fase de conhecimento, apontando “evidente perseguição”.

A Ambev afirmou também que o autor continua à frente da transportadora, tendo negociado aditivo contratual do aluguel do terreno de propriedade dela. Apontou também que o autor comanda a transportadora, tratando-se de sócio oculto, sem qualquer traço de subordinação jurídica.

Na decisão, a magistrada indicou que os e-mails apresentados e os depoimentos dados ao longo do processo dão conta de que o autor jamais esteve subordinado às empresas. “No depoimento da primeira reclamada, é interessante destacar que, apesar de existirem falas sobre a prestação autônoma de serviços, há clara tentativa de reduzir a importância do papel do reclamante nos rumos da empresa, em contraposição à prova documental produzida pelo próprio trabalhador”, diz a juíza.

Uma das testemunhas, segundo a magistrada, declarou fatos que atribuem ao autor um papel de menor importância, contrariando as provas apresentadas. “Isso sem mencionar que, na parte final, o depoente não soube explicar o porquê de ele ter continuado trabalhando depois que a primeira reclamada encerrou sua atividade, já que, em sua fala, atuava apenas como coordenador de pátio”, acrescentou.

A juíza destacou que a pessoalidade também não ficou caracterizada, já que parte dos pagamentos das empresas ao autor foi feita por meio de transferências à conta corrente da esposa dele.

Segundo a juíza, as provas revelaram que a transportadora e o atacadista estão inativas e que o contrato com a Ambev foi rompido em julho de 2015, um mês depois do ajuizamento da ação. A magistrada destacou que as empresas enfrentavam uma crise financeira por alguns anos quando o processo foi instaurado.

Além disso, pontuou que o autor manteve gestão empresarial até dezembro de 2015, mesmo após as reclamadas encerrarem as atividades. “Isso causa estranheza, devido à confiança necessariamente depositada em quem comanda o negócio e à circunstância de que o acolhimento dos pedidos formulados neste processo poderia tornar as reclamadas, definitivamente, à bancarrota.”

“Ressalto que a notificação de rescisão do contrato firmado entre o reclamante e a primeira reclamada, datada de 28/12/2015, parece forjada. Primeiro, porque se trata de documento particular com firma reconhecida somente em 4/5/2016, depois que a terceira reclamada (Ambev) levantou a hipótese de fraude processual. Segundo, porque seu conteúdo afronta as declarações do próprio reclamante, que em depoimento mencionou fim anterior. Terceiro, porque não faz sentido realizar o encerramento formal de um contrato dito informal”, reforçou a magistrada.

A juíza pontou que “causa perplexidade que um profissional do gabarito do reclamante, sócio de empresa de consultoria constituída há mais de uma década, tenha se prestado a dar consultoria que lhe rendeu/renderia quase R$ 40 mil mensais sem amparo em contrato escrito ou qualquer contabilização de ganhos”.

“Apesar da complexidade da causa e do risco de condenação, a primeira e a segunda reclamadas apresentaram defesa bastante genérica, sem detalhes na negociação estabelecida com o reclamante, sua efetiva atuação, impugnação de valores contratados e das jornadas, sendo os pedidos negados sob o argumento simples da autonomia dos serviços e da ausência de controle de ponto”, destacou a juíza.

Segundo a magistrada, os fatos apontados não mantêm coerência com a causa de pedir e com o teor da defesa apresentada pelas empresas. “Neste contexto é preciso considerar a hipótese de uso indevido do processo para ocultação do patrimônio das referidas empresas, por transferência a quem seria declarado empregado, bem como a afetação da terceira reclamada, já que em alguns precedentes foi reconhecida sua responsabilidade solidária pelo pagamento da dívida trabalhista daquelas.”

A Ambev foi representada na ação pelos advogados Matheus Schier Brock, Eduardo Ruthier Bilobram e Tobias de Macedo.


0001123-25.2015.5.09.0004

*Por Renan Xavier – repórter da revista Consultor Jurídico.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2023, 11h47