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23 de junho de 2022

*Por Danilo Vital

A ação de reparação de danos causados ao patrimônio de uma empresa por atos dos administradores deverá ser proposta, em regra, pela própria companhia diretamente lesada, pois ela é a titular do direito material. Apenas em caso de inércia dela confere-se aos acionistas a legitimidade para agir.

De repente, JBS ganhou sócios minoritários que se habilitaram a receber reparação por supostos danos cometidos por controladores
Divulgação

Com esse entendimento, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça declarou incompetente o tribunal arbitral instalado a pedido de acionistas minoritários da JBS na tentativa de responsabilizar os controladores da empresa, Wesley e Joesley Batista, pelos danos causados por ilícitos narrados em acordos com o Ministério Público Federal em 2017.

Nos termos da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976), essa responsabilização depende de prévia deliberação da assembleia-geral. O parágrafo 3º do artigo 159 prevê que qualquer acionista pode promover a ação, desde que a própria empresa não o faça no prazo de três meses depois da decisão assemblear.

No caso, foi o BNDES, como acionista da JBS, que requisitou a assembleia-geral. Dias antes da data prevista para sua realização, um grupo de pessoas adquiriu lotes ínfimos de ações. Segundo a empresa, elas usaram brechas da lei para se habilitar a receber os dividendos de eventual condenação dos irmãos Batista.

O artigo 256, parágrafo 2º, da LSA prevê que a empresa, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, deve pagar honorários advocatícios de 20% e prêmio de 5% ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização.

A assembleia-geral da JBS acabou adiada até outubro de 2020 porque, antes de sua realização, foi preciso instaurar outro tribunal arbitral para decidir se os irmãos Batista poderiam ou não exercer direito a voto, por motivo de conflito de interesses.

Segundo ministro Bellizze, sócios só podem ajuizar ação de reparação se houver demora de mais de três meses da própria empresa
Lucas Pricken/STJ

Foi assim que, antes mesmo da instauração da assembleia, em agosto de 2017, o grupo de sócios minoritários da JBS que adquirira ações meses antes requereu a instauração do procedimento arbitral para pedir a reparação dos danos causados à empresa, referente a período em que eles sequer figuravam no quadro social.

Por fim, só em fevereiro de 2020 o tribunal arbitral decidiu que os irmãos Batista não poderiam votar na assembleia-geral. Esta, por sua vez, foi feita em outubro daquele ano e aprovou o uso da ação de responsabilidade em face dos controladores da JBS. E em janeiro de 2021, portanto dentro dos três meses de prazo, a própria empresa solicitou a instauração do procedimento arbitral para cobrar os prejuízos.

Relator no STJ, o ministro Marco Aurélio Bellizze observou que, no conflito de competência entre esses dois tribunais arbitrais, deveria prevalecer o que foi aberto pela própria JBS, pois consentâneo com a lei de regência.

“Enquanto não superado o prazo legal para que a companhia promova a ação de responsabilidade social de administradores e de controladores (três meses contados da deliberação autorizativa), os acionistas minoritários ainda não ostentam legitimidade para promover a ação social ut singili (por acionistas)“, afirmou ele, ao interpretar a lei federal.

Assim, a arbitragem requerida pelos acionistas minoritários é ilegítima. O ministro destacou que não seria possível entender que a JBS, titular do direito supostamente lesado pelos seus controladores, fique impedida de prosseguir com a ação de responsabilização apenas porque determinados acionistas se anteciparam em solicitá-la. A votação na 2ª Seção foi unânime.


CC 185.702

*Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2022, 21h24

21/06/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o ajuizamento de ação de usucapião independe de pedido prévio na via extrajudicial. O relator do processo foi o ministro Villas Bôas Cueva.

A decisão veio no julgamento de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que, ao manter a sentença, entendeu que configura falta de interesse processual a proposição de ação de usucapião sem a demonstração de que tenha havido empecilho na via administrativa – posição alinhada ao Enunciado 108 do Centro de Estudos e Debates (Cedes-RJ), segundo o qual “a ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial”.

No STJ, a autora da ação sustentou que o acórdão violou o artigo 216-A da Lei 6.015/1973, o qual dispõe que, “sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado”.

Lei é expressa quanto ao cabimento do pedido diretamente na via judicial
Ao proferir seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que a questão é definir se o artigo 216-A da Lei 6.015/1973 – com a redação dada pelo artigo 1.071 do Código de Processo Civil de 2015, que criou a figura da usucapião extrajudicial – passou a exigir, como pré-requisito para a propositura da ação judicial, o esgotamento da via administrativa.

Ele ressaltou que a Terceira Turma, no REsp 1.824.133, decidiu pela existência de interesse jurídico no ajuizamento direto da ação de usucapião, independentemente de prévio pedido extrajudicial. Naquele caso, o acórdão impugnado havia baseado sua decisão exatamente no Enunciado 108 do Cedes-RJ, mas a Terceira Turma entendeu que, apesar de louvável a intenção de desjudicialização de conflitos, não é possível relativizar a regra legal do caput do artigo 216-A da Lei 6.015/1973, que faz expressa ressalva quanto ao cabimento direto da via jurisdicional.

“Nota-se que o novel procedimento extrajudicial foi disciplinado ‘sem prejuízo da via jurisdicional’, de modo que a conclusão das instâncias ordinárias – que entenderam necessário o esgotamento da via administrativa – está em confronto com a legislação de regência”, concluiu Villas Bôas Cueva.

REsp 1.796.394.

Fonte: STJ

20 de junho de 2022

*Por Danilo Vital

Não é possível a penhora integral dos valores depositados em conta bancária conjunta solidária na hipótese de apenas um dos titulares ser o sujeito passivo do processo de execução em que se admitiu a constrição.

Se não houver prova em contrário, valores em conta conjunta pertencem a cada um dos co-titulares em partes exatamente iguais
Reprodução

Esse foi o entendimento firmado por unanimidade pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça na tarde desta quarta-feira (15/6). O colegiado fixou tese, cuja redação ainda será ajustada pelo relator, ministro Luis Felipe Salomão.

A ação chegou ao STJ em incidente de assunção de competência (IAC). Nele, tribunais de segundo grau afetam um recursos que envolvam relevante questão de direito e repercussão social, para fixação de precedente qualificado.

O processo em questão foi julgado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, que entendeu cabível que a penhora determinada contra um devedor alcançasse todo o saldo presente em uma conta bancária conjunta que ele mantinha.

O assunto divide opiniões no STJ. Os colegiados da 1ª Seção (Direito Público) entendem que, nessas hipóteses, se não houver prova da titularidade exclusiva ou parcial de valores, a penhora pode atingir o valor completo da conta conjunta.

Já os colegiados da 2ª Seção (Direito Privado) entendiam que, sem essa prova da titularidade, a presunção é da divisão do saldo por partes iguais, motivo pelo qual a penhora só pode atingir o montante que pertence ao devedor alvo da execução.

Na Corte Especial, o ministro Luis Felipe Salomão refinou essa posição. Explicou que a obrigação assumida por apenas um dos cotitulares da conta conjunta perante terceiros não pode repercutir na esfera patrimonial dos demais, a não ser que exista previsão contratual atribuindo a responsabilidade solidária pelo pagamento da dívida.

Assim, a presunção é de que os valores depositados em conta corrente conjunta solidária pertencem a cada um dos titulares em partes iguais. Caberá ao cotitular que não é alvo da execução comprovar que sua parte exclusiva ultrapassa o quantum presumido.

Por outro lado, o autor da execução também tem o direito de demonstrar que o executado é quem detém todo ou a maior parte do valor depositado. A votação foi unânime. “O STJ está encontrando uma solução de equilíbrio”, elogiou o ministro Herman Benjamin.

O ministro Raul Araújo também exaltou a proposta e destacou que a Receita Federal tem a mesma postura quando taxa valores decorrentes de inventário depositados em conta conjunta em nome dos herdeiros. “Quando ocorre o falecimento de um dos titulares, o imposto incide sobre a metade do valor existente”, disse.

IAC 12
REsp 1.610.844

*Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de junho de 2022, 7h32

17/06/2022

Fachada do edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o fato de um dos ex-companheiros residir com os filhos no antigo imóvel do casal, por si só, não é causa suficiente para afastar o direito do outro à extinção do condomínio.

Com esse entendimento, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) para permitir que o autor da ação venda o imóvel comum que possuía com a ex-companheira, adquirido mediante alienação fiduciária. Após a separação, ela ficou responsável pelo pagamento das prestações do financiamento e continuou residindo no imóvel com as duas filhas comuns.

O autor ajuizou a ação para vender o imóvel e para receber da antiga companheira os aluguéis pelo uso exclusivo do bem. O juízo de primeiro grau determinou a alienação, cujo produto deveria ser dividido igualmente entre os dois, e condenou a mulher a pagar os aluguéis referentes à fração do imóvel pertencente ao ex-companheiro.

No entanto, o TJPR, em nome do direito constitucional à moradia, afastou a possibilidade de alienação dos direitos relativos ao imóvel.

Separação impõe perda de padrão de vida

O relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que o TJPR concluiu pela prevalência dos interesses sociais advindos do direito de família, notadamente o direito constitucional à moradia, em relação ao direito de extinção do condomínio. Na sua avaliação, contudo, o acórdão merece reforma nesse ponto.

Segundo o ministro, o tribunal estadual entendeu que a ex-companheira teria prejuízos com a alienação, uma vez que é titular de apenas 50% dos direitos do imóvel e não conseguiria comprar outro do mesmo padrão apenas com os recursos da venda. “Constitui fato notório que, nos processos de separação ou divórcio, há uma natural perda do padrão de vida para todos os membros da família, procurando-se apenas estabelecer paliativos para equalizar essas perdas”, disse.

Direito de dispor do bem é inerente à propriedade

O ministro lembrou o entendimento do STJ segundo o qual é direito potestativo do condômino promover a extinção do condomínio sobre bem imóvel indivisível, mediante alienação judicial. Aliado a isso, ele ressaltou que o Código Civil, em seu artigo 1.320, estabelece que é lícito ao condômino, a qualquer tempo, exigir a divisão da coisa comum.

O relator também verificou nos autos que o bem está na posse da ex-companheira há mais de quatro anos e, mesmo sendo anunciado para venda durante todo esse período, por motivos não esclarecidos no processo, não foi fechado nenhum negócio.

Em razão do tempo decorrido, Sanseverino considerou não ser razoável indeferir o pedido de alienação judicial, tendo em vista que a utilização exclusiva por parte da mulher impede seu ex-companheiro de dispor do imóvel. O entendimento adotado pelo TJPR – avaliou o ministro – retirou do autor da ação um dos atributos inerentes ao direito de propriedade, privando-o da possibilidade de dispor do bem que lhe pertence.

Cada condômino responde aos outros pelos frutos que recebeu do bem

Em relação ao aluguel que seria devido pela moradora do imóvel, o relator ressaltou que a jurisprudência do STJ se orienta no sentido de que, enquanto não dividido o imóvel, a propriedade do casal sobre o bem remanesce, sob as regras que regem o instituto do condomínio, notadamente aquela que estabelece que cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa, nos termos do artigo 1.319 do Código Civil.

“Se apenas um dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização, mediante o pagamento de alugueres, àquele que se encontra privado da fruição da coisa”, destacou.

Na hipótese em análise, contudo, no momento da dissolução da união estável foi combinado que a mulher ficaria residindo no imóvel, sem a necessidade de pagar por isso, até a venda do bem – o que, segundo o ministro, impede a cobrança de aluguel.

REsp 1852807

Fonte: STJ

16 de junho de 2022

A inatividade da empresa que fez a contratação do plano de saúde coletivo empresarial autoriza a exclusão unilateral ou a suspensão da assistência à saúde dos beneficiários, ainda que ela ocorra após alongado espaço de tempo.

Plano empresarial seguiu válido por 12 anos porque empresa contratante não informou a operadora de seu fechamento
Reprodução

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao recurso especial de uma operadora de plano de saúde para permitir a rescisão do contrato coletivo com uma empresa que se encontra inativa há 12 anos.

A rescisão unilateral fora afastada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo porque o plano de saúde teria criado a legítima expectativa de manutenção do contrato, por ter emitido boletos de mensalidades referentes a período posterior à declaração de inaptidão da empresa.

Relatora no STJ, a ministra Nancy Andrighi observou que, nos termos da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), o vínculo com a pessoa jurídica contratante é condição sem a qual não se perfectibiliza o contrato coletivo.

Por isso, a inatividade da empresa rompe o vínculo entre os beneficiários do plano de saúde e a pessoa jurídica, o que faz com que não existam os requisitos para celebração e manutenção do contrato de plano de saúde coletivo.

A relatora afastou a quebra da boa-fé pelo plano de saúde, pois ele nunca foi informado do fechamento da pessoa jurídica.

“Se, desde 2008, os recorridos – únicos sócios da pessoa jurídica contratante e exclusivos beneficiários do plano de saúde coletivo – tinham ciência da inatividade da empresa, não poderiam nutrir a expectativa ou a confiança de que o contrato, ainda assim, seria mantido, ao arrepio da lei e da norma regulamentar pertinentes”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.

“A atuação pautada pela boa-fé objetiva não tolera que se faça prevalecer uma situação gerada em contrariedade à lei ou às normas regulamentares, tampouco que se imponha à outra parte aceitar a manutenção de uma situação resultante de violação anterior”, acrescentou.

Notificação necessária
O provimento do recurso especial foi parcial porque, apesar de a rescisão ser legítima, nos termos da lei e das resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ela deve ser precedida de notificação.

No caso, a operadora publicou essa notificação em jornal de grande circulação, abrindo prazo de 60 dias para que a empresa comprovasse e seu registro nos órgãos competentes. Para a ministra Nancy Andrighi, essa medida é insuficiente.

“Considerando que se está diante de contrato de plano de saúde coletivo com menos de 30 beneficiários e que a inatividade da empresa é motivo apto a justificar a resilição unilateral, devem ser os beneficiários efetivamente comunicados sobre o cancelamento do contrato e sobre o direito de optar por outro plano da mesma operadora ou de realizar a portabilidade de carências”, concluiu. A votação na 3ª Turma foi unânime.


REsp 1.988.124

STJ

*Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2022, 8h44

15.06.2022

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deve ser contado em dias corridos o prazo de dez dias previsto pelo artigo 8º da Lei 11.101/2005 para apresentar impugnação à habilitação de crédito na recuperação judicial.

O entendimento foi estabelecido ao negar recurso em que a parte defendia que a leitura conjugada do artigo 8º da Lei de Recuperações e Falências e do artigo 219, parágrafo único, do Código de Processo Civil levava à conclusão de que o prazo para impugnação não deveria ser contado em dias corridos, mas sim em dias úteis.

Relator do recurso, o ministro Antonio Carlos Ferreira explicou que a aplicação do CPC/2015 à relação processual da falência e da recuperação judicial ou extrajudicial ocorre apenas de forma subsidiária, nos termos do artigo 189 da Lei 11.101/2005.

O ministro também citou precedentes do STJ no sentido de que a Lei de Recuperações e Falências prevê um microssistema próprio pautado pela celeridade e a efetividade, impondo prazos específicos, breves e contados de forma contínua.

Lei 14.112/2020 definiu a imposição dos dias corridos na recuperação
Segundo Antonio Carlos Ferreira, a inaplicabilidade da contagem de prazos processuais em dias úteis na Lei 11.101/2005 não se estende apenas aos períodos relacionados ao stay period previsto pelo artigo 6º, parágrafo 4º, da lei – o prazo de 180 dias, prorrogável por igual período, no qual ficam suspensas a prescrição das obrigações do devedor, a execução contra ele e as ordens de penhora de bens –, mas também aos demais prazos, tendo em vista a lógica implementada pela lei especial.

“A questão foi, inclusive, posteriormente resolvida pela Lei 14.112/2020, a qual alterou o disposto no art. 189 da Lei 11.101/2005, trazendo a previsão de que ‘todos os prazos nela previstos ou que dela decorram serão contados em dias corridos'”, concluiu o ministro.

Leia o acórdão no REsp 1.830.738.

Fonte: STJ

RECURSO REPETITIVO

13/06/2022

​No julgamento no Tema 1.108, sob o rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que “a contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no artigo 11 da Lei 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública”.

O relator, ministro Gurgel de Faria, lembrou que, em razão dos princípios a que está submetida a administração pública (artigo 37 da Constituição Federal), o legislador ordinário quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, além de eventuais perseguições políticas e do descrédito social de atos legítimos, a punição de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o erário ou de enriquecimento.

“Essa intenção foi reforçada pelo pacífico posicionamento jurisprudencial do STJ, segundo o qual não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade, porquanto a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, sendo indispensável para sua caracterização o dolo, para a tipificação das práticas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/1992, ou que, pelo menos, seja essa conduta eivada de culpa grave”, disse.

O relator destacou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes também entende que a Lei de Improbidade Administrativa afastou “a responsabilização objetiva do servidor público, pois a finalidade da lei é responsabilizar e punir o administrador desonesto, que, deliberadamente, pratique condutas direcionadas à corrupção”.

Necessidade de aferir a intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado

Gurgel de Faria observou que esse entendimento recebeu tratamento especial – e mais restritivo – na recente alteração da Lei 8.429/1992 pela Lei 14.230/2021, que estabeleceu o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, sendo necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado.

De acordo com a jurisprudência do tribunal, ressaltou, a contratação de servidores temporários sem concurso, baseada em legislação local, afasta a caracterização do dolo genérico para a configuração de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública.

REsp 1.926.832.

REsp 1930054

REsp 1913638

Fonte: STJ

10/06/2022

​A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que os proventos de aposentadoria ou reforma recebidos por pessoa diagnosticada como soropositiva para HIV, mesmo quando não tiver sintomas da síndrome da imunodeficiência adquirida (Sida, ou, em inglês, aids), estão abrangidos pela isenção do imposto sobre a renda da pessoa física (IRPF), nos termos do artigo 6º da Lei 7.713/1988.

Para o colegiado, não há justificativa plausível para que seja dado tratamento jurídico distinto entre as pessoas que possuem a aids e aquelas soropositivas para HIV que não manifestam sintomas.

A decisão teve origem em ação declaratória de isenção ao IRPF cumulada com pedido de repetição de indébito ajuizada por um policial reformado, sob a alegação de ter direito ao benefício por possuir diagnóstico positivo de HIV.

Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, decisão que foi mantida em segundo grau. O tribunal consignou que, conforme o artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN), a legislação tributária que concede isenção deve ser interpretada de modo literal. Dessa forma, só seria admissível isenção do IRPF nas hipóteses das moléstias graves taxativamente previstas no artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/1988, o qual prevê o benefício apenas para as pessoas que efetivamente tenham aids, não bastando, como no caso dos autos, o diagnóstico de infecção por HIV.

Isenção de imposto envolve análise de requisitos cumulativos

Relator do processo no STJ, o ministro Francisco Falcão lembrou que a regra de isenção do imposto sobre a renda em relação à doenças graves impõe a presença de dois requisitos cumulativos: que os rendimentos sejam relativos a aposentadoria, pensão ou reforma; e que a pessoa seja acometida de uma das doenças referidas no dispositivo legal.

Ele destacou que o debate dos autos envolve a aplicação do princípio da isonomia – o qual, em matéria de imposto de renda, implica a verificação das condições para estabelecimento de distinção comparativa entre os contribuintes.

“Segundo a doutrina, para a compreensão dessa distinção comparativa, são aferidos os seguintes elementos estruturais na aplicação concreta do princípio da isonomia tributária: os sujeitos; a medida de comparação; o elemento indicativo da medida de comparação; e a finalidade da comparação”, apontou o magistrado.

Nesse caso, Falcão ressaltou que os sujeitos são os contribuintes do IRPF sobre aposentadoria, reforma ou pensão. A medida de comparação seria a moléstia grave prevista em lei. O elemento indicativo de comparação seria a manifestação ou não dos sintomas da doença aids. Já finalidade da comparação seria verificar se há discriminação razoável, no caso, entre a pessoas que possuem a aids e aquelas soropositivas para HIV que não desenvolvem os sintomas da doença.

Benefício tributário busca desonerar o paciente das despesas com o tratamento da doença

Francisco Falcão recordou que, a partir de vários precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ, a Primeira Seção editou a Súmula 627/STJ, segundo a qual o contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do IRPF, não sendo exigível a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.

Outro ponto destacado pelo relator é que a isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria ou reforma em razão de moléstia grave tem por objetivo desonerar quem se encontra em desvantagem face ao aumento de despesas com o tratamento da doença.

“No que diz respeito à contaminação pelo HIV, a literatura médica evidencia que o tempo de tratamento é vitalício (até surgimento de cura futura e incerta), com uso contínuo de antirretrovirais e/ou medicações profiláticas de acordo com a situação virológica (carga viral do HIV) e imunológica do paciente”, explicou o ministro.

STJ já definiu que militar com HIV tem direito à reforma de ofício

O ministro ressaltou, ainda, que o STJ já decidiu que o militar soropositivo para HIV, ainda que assintomático e independentemente do grau de desenvolvimento da aids, tem direito à reforma de ofício, por incapacidade definitiva.

Em outros precedentes, enfatizou, o STJ também definiu que a isenção do imposto sobre a renda decorrente de doença grave pode ser deferida independentemente de laudo pericial oficial, sendo que o termo inicial da isenção deve ser fixado na data em que a moléstia grave foi comprovada mediante diagnóstico médico.

“Da jurisprudência deste STJ se extrai que, independentemente de a pessoa diagnosticada como soropositiva para HIV ostentar sintomas da aids, deve o contribuinte ser abrangido pela isenção do IRPF”, concluiu o ministro.

O número deste processo não é divulgado para preservação da parte.

Fonte: STJ

8 de junho de 2022

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça irá retomar nesta quarta-feira (8/6), às 14h, o julgamento de dois embargos de divergência que discutem controvérsia sobre a natureza da lista de procedimentos de cobertura obrigatória instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) — se é taxativa ou exemplificativa.

Discussão sobre natureza da lista de procedimentos da ANS divide opiniões

A discussão deverá definir se os planos de saúde deverão cobrir procedimentos não incluídos na relação pela agência reguladora.

O julgamento volta à seção com voto-vista do ministro Villas Bôas Cueva. Antes dele, já votaram o relator dos embargos, ministro Luis Felipe Salomão, para quem o rol é taxativo, mas admite exceções; e a ministra Nancy Andrighi, segundo a qual a lista da ANS é meramente exemplificativa.

Além do ministro Cueva, devem votar outros seis magistrados.

Bola dividida
As entidades que defendem empresas de saúde, como a Fenasaúde, afirmam que reconhecer que o rol da ANS é exemplificativo poderia inviabilizar a atividade de cerca de 129 mil estabelecimentos privados de saúde e 400 mil médicos que atendem os planos.

Segundo a entidade, a inclusão de novos procedimentos na lista da ANS é um dos processos mais rápidos do mundo. Também defende que esse processo de escolha para o rol da ANS tem participação de toda a sociedade, ao contrário do que aconteceria se o rol fosse exemplificativo.

Por outro lado, os argumentos de quem defende que o rol não se esgote em si mesmo são no sentido de que normas não podem criar limitações à garantia do direito à saúde, conforme afirma o constitucionalista Daniel Sarmento em parecer encaminhado à Corte.

O rol taxativo, aponta o parecer, “agrava ainda mais a condição de hipervulnerabilidade dos beneficiários-consumidores frente às operadoras, violando, assim, o princípio da proteção efetiva do consumidor”, que está previsto no CDC.

Taxativo ou exemplificativo?
A discussão no STJ teve início no dia 16 de setembro do ano passado, quando o ministro Salomão defendeu que a taxatividade do rol da ANS é necessária para proteger os próprios beneficiários de planos de saúde contra aumentos excessivos.

De acordo com o relator, o respeito à lista garante que a introdução de novos remédios seja precedida de avaliação criteriosa da ANS, especialmente em relação à eficácia dos tratamentos e à adoção de novas tecnologias em saúde.

Contudo, Salomão também destacou que, em diversas situações, é possível ao Judiciário determinar que o plano garanta ao beneficiário a cobertura de procedimento não previsto pela agência reguladora, a depender de critérios técnicos e da demonstração da necessidade e da pertinência do tratamento.

O assunto divide opiniões. No dia 23 de fevereiro deste ano, a ministra Nancy Andrighi abriu divergência e se posicionou pelo caráter exemplificativo da lista da ANS.

A magistrada ressaltou a importância da lista para o setor de saúde suplementar, mas considerou que o rol não pode ser um obstáculo predeterminado ao acesso do consumidor aos procedimentos e eventos comprovadamente indispensáveis ao seu tratamento de saúde.

Andrighi afirmou que a ANS não tem atribuição para inovar a ordem jurídica, especialmente para impor restrições aos direitos garantidos pelo legislador, e destacou que é competência institucional da agência promover a eficácia da proteção e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde.

A ministra também ressaltou que, se a Lei 9.656/1998 (que regula as atividades privadas de saúde) estabelece que todas as doenças indicadas na Classificação Internacional de Doenças (CID) estão incluídas no chamado plano referência, só podem ser excluídos da cobertura dos planos aqueles procedimentos e eventos relacionados a segmentos não contratados pelo consumidor ou os elencados pelo próprio legislador.

A sessão de hoje poderá ser acompanhada pelo canal do STJ no YouTube

Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

07/06/2022

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que se admite a penhora do bem de família para saldar o débito originado de contrato de empreitada global celebrado para a construção do próprio imóvel.

A discussão surgiu na cobrança de dívida originada de contrato firmado para a construção do imóvel de residência dos devedores. O tribunal de segunda instância autorizou a penhora, entendendo que o caso se enquadra na exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, II, da Lei 8.009/1990 (dívida relacionada ao financiamento).

Os devedores alegaram que, sendo exceção à proteção legal da moradia, o dispositivo deveria ser interpretado restritivamente, alcançando apenas o titular do crédito decorrente do financiamento, ou seja, o agente financeiro. Isso excluiria o empreiteiro que fez a obra e ficou de receber diretamente do proprietário.

Proteção especial do bem de família não é absoluta

Relatora do processo no STJ, a ministra Nancy Andrighi lembrou que o bem de família recebe especial proteção do ordenamento jurídico. No entanto, ela observou que a impenhorabilidade não é absoluta, de forma que a própria lei estabeleceu diversas exceções a essa proteção – entre elas, a hipótese em que a ação é movida para cobrança de dívida decorrente de financiamento para construção ou compra de imóvel.

A magistrada destacou que as hipóteses de exceção, por restringirem a ampla proteção conferida ao imóvel familiar, devem ser interpretadas de forma restritiva, conforme entendimento já firmado pela Terceira e pela Quarta Turma do STJ.

“Não significa, todavia, que o julgador, no exercício de interpretação do texto, fica restrito à letra da lei. Ao interpretar a norma, incumbe ao intérprete identificar a mens legis, isto é, o que o legislador desejaria se estivesse vivenciando a situação analisada”, afirmou.

Legislador se preocupou em evitar deturpação do objetivo da Lei 8.009/1990

No caso analisado, a relatora ponderou que há a peculiaridade de ser a dívida relativa a contrato de empreitada global, segundo o qual o empreiteiro se obriga a construir a obra e a fornecer os materiais.

Nancy Andrighi salientou que o STJ já se manifestou no sentido de que a exceção do artigo 3º, II, da Lei 8.009/1990 se aplica à dívida oriunda do contrato de compra e venda do imóvel e à contraída para aquisição do terreno onde o devedor edificou, com recursos próprios, a casa que serve de residência da família.

Além disso, citou precedente em que a Quarta Turma, ao enfrentar questão semelhante (REsp 1.221.372), entendeu que a palavra “financiamento”, inserida no inciso II do artigo 3º da Lei 8.009/1990, não restringiu a impenhorabilidade às situações de compra ou construção com recursos de agentes financiadores.

“É nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros”, declarou a ministra.

“Portanto, a dívida relativa a contrato de empreitada global, porque viabiliza a construção do imóvel, está abrangida pela exceção prevista no artigo 3º, II, da Lei nº 8.009/1990”, concluiu.

REsp 1.976.743.

Fonte: STJ