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3 de fevereiro de 2022

A revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade, antes prevista no artigo 65 do Lei das Contravenções Penais, não significa que tenha ocorrido a abolitio criminis (extinção do delito) em relação a todos os fatos que estavam enquadrados na referida infração penal.

Lei que criou crime de stalking revogou a norma que tipificava a contravenção de perturbação da tranquilidade alheia

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de um homem que foi processado pela perseguição acintosa que praticou contra outra pessoa, de forma reiterada.

Esse foi o segundo processo a que o réu respondeu. No primeiro, foi condenado com base no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais (Decreto Lei 3.688/1941), que tipificava a conduta de “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável”.

Depois disso, insistiu em tentar contato com a vítima ao lhe enviar três e-mails e um presente. Durante o segundo processo, entrou em vigor a Lei 14.132/2021, que tipificou o crime de stalking e, com isso, revogou o artigo 65 do Decreto Lei 3.688/1941.

A nova lei acrescentou o artigo 147-A no Código Penal, tipificando a conduta de “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

A defesa foi ao STJ pedir o reconhecimento da abolitio criminis: com a revogação da normal pela qual o réu foi acusado, a conduta deixou de existir e se tornou, portanto, atípica.

Relatora, a ministra Laurita Vaz não concordou com a tese. Para ela, a ocorrência da abolitio criminis não é automática. E como o comportamento do réu é reiterado, a conduta praticada por ele está contida no novo artigo 147-A do Código Penal.

“Com efeito, a revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade — art. 65 do Decreto Lei 3.688/1941 — pela Lei 14.132/2021, não significa, a meu juízo, que tenha ocorrido abolitio criminis em relação a todos os fatos que estavam enquadrados na referida infração penal”, explicou a relatora.

Com isso, manteve a tramitação do processo, considerando a incidência da lei anterior, por ser mais benéfica ao réu. A votação na 6ª Turma foi unânime. Acompanharam a ministra Laurita Vaz os ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro, e o desembargador convocado Olindo Menezes.

REsp 1.863.977

Fonte: STJ

DECISÃO 02/02/2022

Os contratos de seguro de saúde internacional, ainda que firmados no Brasil, não estão submetidos às normas de reajuste estabelecidas anualmente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), pois esse tipo de contrato é regido por bases atuariais de nível global, sendo inapropriada a imposição dos parâmetros da agência reguladora brasileira para uma modalidade vinculada ao mercado internacional.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial por meio do qual uma beneficiária pleiteou a revisão do reajuste do seguro de saúde que ela contratou com uma empresa estrangeira e que, segundo disse, não observou os índices da ANS para planos individuais de assistência médica no Brasil.

Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente, sob o fundamento de que o seguro contratado tinha características diferentes dos planos nacionais. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença por considerar que os índices da ANS não poderiam ser aplicados a contrato sujeito a variações cambiais.

Ao STJ, a beneficiária alegou que o seguro foi comercializado e contratado no Brasil, de modo que incidiriam as normas brasileiras, a exemplo das disposições da ANS sobre reajuste.

Requisitos legais para planos de saúde brasileiros

O ministro Villas Bôas Cueva, relator, explicou que, para uma empresa operar planos privados de saúde no Brasil, ela deve ser constituída segundo as leis locais ou, ao menos, deve participar do capital social de empresa nacional, não sendo exceção as pessoas jurídicas estrangeiras, como estabelecido no artigo 1º, parágrafo 3º, da Lei 9.656/1998.

Ele destacou que, no caso dos autos, o contrato foi firmado em inglês, com o prêmio pactuado em moeda estrangeira, e tinha como finalidade o reembolso de despesas médicas em nível global. Além disso, apontou o magistrado, o contrato é regido pela lei da Dinamarca e tem cláusula de foro que prevê a solução de litígios na capital daquele país, Copenhague. 

“Nesse cenário, constata-se que a recorrida é empresa estrangeira, constituída sob as leis dinamarquesas, isto é, não é operadora de plano de saúde, conforme definição da legislação brasileira, nem possui produto registrado na ANS, sendo o contrato firmado de cunho internacional, regido por grandezas globais”, afirmou o ministro.

Natureza jurídica de contrato internacional

Segundo o relator, a natureza internacional do contrato analisado decorre da sua conexão com mais de um ordenamento jurídico, admitindo-se a eleição da legislação aplicável, de forma que, em princípio, não se aplicariam ao caso as leis brasileiras.

Por outro lado, o ministro registrou que a pretensão da segurada, de fazer incidirem critérios nacionais de reajuste em seguro médico internacional, também não prosperaria à luz do artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que dispõe que as obrigações são regidas pela lei do país em que se constituíram.

Isso porque, de acordo com o magistrado, a apólice é internacional, com rede assistencial no exterior, não limitada ao rol de procedimentos da ANS, de forma que os reajustes são definidos a partir de cálculos que mantenham o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de âmbito mundial, tornando-o “incompatível com os índices de reajustes nacionais, definidos com base em processo inflacionário local e nos produtos de abrangência interna”.

Ao manter o acórdão do TJSP, Villas Bôas Cueva lembrou que, para pessoas que viajam ao exterior com frequência, também existem produtos internos, como planos de saúde nacionais com o adicional de assistência internacional.

“Desde que não fujam ao objeto contratual e não contrariem a legislação pátria, os contratos de plano de saúde podem conter cláusulas de serviços e coberturas adicionais de assistência à saúde não previstas na Lei 9.656/1998“, finalizou.

REsp 1.850.781.

Fonte: STJ

2 de fevereiro de 2022

O Ministério Público não tem legitimidade para promover a execução de sentença coletiva prevista no artigo 98 do Código de Defesa do Consumidor. Nessa fase do processo, não existe interesse público ou social para justificar a atuação do parquet.

Sentença limitou retenção de parcelas pagas na compra de imóvel, após desistência, a 25%, conforme jurisprudência do STJ

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por uma incorporadora imobiliária que foi alvo de ação civil pública ajuizada pelo MP do Rio de Janeiro com objetivo de reduzir percentual de retenção de parcelas pagas fixada em contrato.

Trata-se do quanto a incorporadora pode reter em relação às parcelas já quitadas no caso de um comprador desistir do negócio. O contrato trazia pactuação entre 75% e 90%. A jurisprudência do STJ tem como padrão o percentual máximo de 25%.

A sentença deu razão ao MP-RJ e condenou a empresa a devolver em dobro toda e qualquer quantia cobrada indevidamente dos consumidores que tenha ultrapassado os 25%, mediante depósito em sua conta corrente.

Após o trânsito em julgado, o Ministério Público fluminense pediu que a incorporadora fosse intimada a cumprir a sentença coletiva, por meio da comprovação da restituição, sob pena de multa por descumprimento calculada em R$ 10 mil por dia.

Ao STJ, a empresa afirmou que o MP não tem legitimidade para tanto. Relator, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino concordou.

Ele explicou que, embora o artigo 98 do Código de Defesa do Consumidor admita a execução coletiva pelos entes legitimados no artigo 82 — dentre os quais está o Ministério Público —, na fase de execução não há interesse social a justificar a atuação ministerial.

Isso porque a controvérsia sobre núcleo de homogeneidade do direito já se encontra encerrada. A execução da sentença coletiva consumerista consiste em: identificar o beneficiário do direito reconhecido e descobrir a quantia devida a ele.

“Essa particularidade da fase de execução constitui óbice à atuação do Ministério Público na promoção da execução coletiva, pois o interesse social, que justificaria a atuação do parquet, à luz do artigo 129, inciso III, da Constituição, está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito, sobre o qual não se controverte na fase de execução”, explicou.

A conclusão foi unânime na 3ª Turma. Votaram com o relator os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi.


REsp 1.801.518

Fonte: STJ

Testemunho indireto não serve para condenar.

Postado em 01 de Fevereiro de 2022

​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a teoria da perda de uma chance para absolver um adolescente acusado de ato infracional análogo ao crime de homicídio tentado. As instâncias ordinárias haviam imposto ao menor a medida socioeducativa mais grave prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com base apenas em depoimentos indiretos, pois, além do próprio acusado, não foram ouvidas as testemunhas oculares nem as pessoas diretamente envolvidas no fato, e não foi realizado o exame de corpo de delito na vítima.

“O caso destes autos demonstra, claramente, a perda da chance probatória”, afirmou o relator do recurso da defesa, ministro Ribeiro Dantas, para quem a investigação falha “extirpou a chance da produção de provas fundamentais para a elucidação da controvérsia” – postura que viola o artigo 6º, III, do Código de Processo Penal (CPP), o qual impõe à autoridade policial a obrigação de “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”.

Criada pelo direito francês no âmbito da responsabilidade civil, a teoria da perda de uma chance, segundo o magistrado, foi transportada para o processo penal pelos juristas Alexandre Morais da Rosa e Fernanda Mambrini Rudolfo. “Quando o Ministério Público se satisfaz em produzir o mínimo de prova possível – por exemplo, arrolando como testemunhas somente os policiais que prenderam o réu em flagrante –, é, na prática, tirada da defesa a possibilidade de questionar a denúncia”, explicou Ribeiro Dantas.

Testemunho indireto não serve para condenar

De acordo com o processo, o menor, morador de rua, golpeou a vítima com um paralelepípedo porque ela teria agredido sua namorada, grávida, e um amigo, mas a tese de legítima defesa não foi aceita.

As instâncias ordinárias entenderam que houve excesso na legítima defesa, tendo em vista depoimentos do bombeiro e da policial militar que atenderam a ocorrência quando a briga já havia terminado. Os depoentes, por sua vez, basearam seus relatos em informações de pessoas que estavam no local – testemunhas oculares –, mas que, por não terem sido identificadas, não foram formalmente ouvidas pela polícia, nem em juízo.

Seguindo o voto do relator, a Quinta Turma fixou o entendimento de que o testemunho indireto (também conhecido como testemunho por “ouvir dizer” ou hearsay testimony) “não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu”. A utilidade desse tipo de depoimento – acrescentou o ministro – é apenas indicar ao juízo testemunhas efetivas que possam vir a ser ouvidas na instrução criminal, na forma do artigo 209, parágrafo 1º, do CPP.

Ao apresentar diversos entendimentos sobre o hearsay testimony no direito comparado, Ribeiro Dantas ressaltou que o fato efetivamente ocorrido não corresponde, necessariamente, à percepção da testemunha – percepção esta que ainda pode se alterar com o passar do tempo. Esses limites da prova testemunhal, segundo o relator, crescem exponencialmente quando se adiciona um intermediário, no caso do depoimento por “ouvir dizer”.

Para o magistrado, procedimentos comuns que podem ser realizados pelo juízo para verificar a credibilidade e a solidez da narrativa do depoente ficam inviabilizados quando se trata de testemunho indireto, o qual subtrai das partes a prerrogativa – garantida pelo artigo 212 do CPP – de inquirir a testemunha e apontar eventuais inconsistências de seu relato.

Provar a dinâmica dos fatos é ônus da acusação

De acordo com o ministro, não há explicação no processo para o fato de as várias pessoas que presenciaram a briga não terem sido identificadas pela polícia para posterior depoimento – segundo ele, uma “gravíssima omissão”.

Quanto à namorada, ao amigo e à vítima, Ribeiro Dantas observou que o Ministério Público desistiu de ouvi-los por serem pessoas em situação de rua, sem endereço para intimação, “mas não demonstrou ter envidado nenhum esforço para localizá-los”. Mesmo assim, “a única pessoa ouvida em juízo e que realmente presenciou os fatos – o representado – teve sua justificativa completamente descartada pelo Estado, sem a apresentação de motivação válida para tanto, até porque não se produziu prova direta a esse respeito”.

Para o relator, o ônus de produzir as provas que expliquem a dinâmica dos fatos narrados na denúncia é da acusação, e não do réu. “Quando a acusação não produzir todas as provas possíveis e essenciais para a elucidação dos fatos – capazes de, em tese, levar à absolvição do réu ou confirmar a narrativa acusatória caso produzidas –, a condenação será inviável, não podendo o magistrado condenar com fundamento nas provas remanescentes”, concluiu Ribeiro Dantas.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

27 de janeiro de 2022

Seria um contrassenso o Estado, que age em nome da coletividade no papel de guardião do meio-ambiente ecologicamente equilibrado, brindar com contratos, incentivos fiscais, registro, licença e autorização a pessoa física ou jurídica que contamina ou degrada a natureza.

Pesca predatória com uso de redes de arrasto geral dano ambiental indenizável

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado pelo Ibama para determinar sanções extras a uma empresa e seu sócio, ambos condenados a indenizar o Estado brasileiro por praticar a pesca de arrasto.

O caso ocorreu no litoral do Rio Grande do Sul, onde agentes do Ibama flagraram e reportaram o dano ambiental. Na pesca de arrasto, embarcações usam grandes e pesadas redes para, em movimento, exatamente arrastá-la pelo fundo do oceano, trazendo com si espécies não visadas e outras estruturas, como corais.

Em primeiro grau, o juízo identificou o dano ambiental e condenou a empresa a pagar R$ 200 mil por danos materiais e outros R$ 20 mil em danos morais coletivos, com a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica no momento da execução da pena, para alcançar os sócios.

O Ibama recorreu para que fosse cancelado o registro da empresa e cassadas a licença e incentivos fiscais. Elas estão previstas no artigo 14, incisos II a IV da Lei 6.938/1981 e no artigo 72, incisos IV a XI da Lei 9.605/1998.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região registrou que a sanção é possível, mas entendeu que, no caso concreto, não seriam aplicável. E acrescentou que as mesmas medidas poderiam ser buscadas na seara administrativa.

Para o ministro Herman Benjamin, seria contrassenso manter registro e benefícios à empresa que degrada o meio ambiente

“Não se está aqui a dizer que as esferas cível e administrativa dependam uma da outra, mas sim de concluir, conforme a situação trazida aos autos e de acordo com o entendimento dos julgadores, com base no livre convencimento”, disse o desembargador Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, relator do caso no TRF-4, ao julgar os embargos de declaração.

Relator no STJ, o ministro Herman Benjamin reformou essa parte do acórdão. Destacou que tais sanções se encaixam no vasto leque do poder geral do juiz em demandas de responsabilidade civil ambiental. São diligências acessórias, saneadoras e pedagógicas.

“Até porque representaria contrassenso o Estado — que age em nome da coletividade atual e vindoura, no seu papel de guardião do meio ambiente ecologicamente equilibrado — brindar com contratos, incentivos fiscais ou creditícios, e preservar registro, licença ou autorização, em benefício de pessoa física ou jurídica que contamina ou degrada a natureza”, pontuou.

Apontou que o artigo 12 da Lei 6.938/1981 fixa que entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais devem condicionar a concessão desses benefícios ao licenciamento e ao cumprimento das normas fixadas por órgãos ambientais e pelo próprio legislador ordinário.

“No caso em tela, foi reconhecido, expressamente, pelo Tribunal a quo o dano ambiental. Portanto, é pertinente e adequada a pretensão recursal quanto ao cálculo corrigido do dano e à imposição de medidas complementares à empresa-ré”, concluiu o ministro Herman Benjamin.


REsp 1.745.033

Fonte: STJ

27 de janeiro de 2022

Apesar de a Lei 11.101/2005 expressamente excluir de sua aplicação as cooperativas de crédito, ainda assim é possível a decretação da falência das mesmas, tendo em vista que essa é uma hipótese prevista na Lei 6.024/1974, após liquidação extrajudicial pelo Banco Central.

Para ministro Sanseverino destacou que lei que trata da liquidação extrajudicial de instituições financeiras prevê a falência

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso especial para manter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de admitir a falência de uma cooperativa de crédito rural.

Por se equiparar a instituição financeira, essa cooperativa se sujeita ao regime de liquidação especial previsto na Lei 6.024/1974.

E durante esse processo, o liquidante apurou que o ativo da cooperativa não seria suficiente para cobrir sequer a parcela de 50% dos créditos quirografários, além de identificar indícios de crimes falimentares.

Com isso, o Banco Central autorizou o liquidante a requerer a autofalência da cooperativa. Esse procedimento é previsto no artigo 21, alínea “b” da Lei 6.024/1974.

O autor do recurso especial no STJ é ex-cooperado e administrador da cooperativa. Ele defendeu que a falência não é aplicável nesse caso, pois o artigo 2º, inciso II da Lei de Falências (Lei 11.101/2005) expressamente diz que a norma não se aplica às cooperativas de crédito.

Relator, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino usou o princípio da especialidade para definir esse conflito de normas. Para ele, a Lei 6.024/1974 é mais específica, por tratar da liquidação extrajudicial de instituições financeiras — dentre as quais se inserem as cooperativas de crédito rural.

Instituições financeiras estão apenas parcialmente excluídas da Lei 11.101/2005, segundo a ministra Nancy Andrighi

Exclusão parcial
Em voto-vista, a ministra Nancy Andrighi concordou e acrescentou o entendimento da doutrina especializada segundo o qual a Lei 11.101/2005 impõe duas espécies de exclusão do regime falimentar: total ou parcial.

No caso das instituições financeiras, a exclusão seria parcial, justamente porque a Lei 6.024/1974 prevê a decretação da falência da instituição como forma de encerramento do procedimento de liquidação extrajudicial.

“Nesses casos — em que houve prévia intervenção ou liquidação extrajudicial —, a falência, segundo a doutrina majoritária, poderá ser decretada, mas tão somente se houver requerimento nesse sentido, devidamente autorizado pelo Banco Central, feito pelo interventor ou pelo liquidante”, afirmou.

O doutrinador citado é Fábio Ulhoa Coelho. A ministra Nancy também fez referência à doutrina de Mário Penteado, no que destaca que a falência é sim aplicável a algumas das entidades excluídas da Lei 11.101/2005, motivo pelo qual o objetivo da lei seria impedir o ingresso imediato delas no processo judicial de execução coletiva empresarial, passando antes por intervenção e liquidação extrajudicial.

A conclusão na 3ª Turma foi unânime. Votaram com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, além da ministra Nancy Andrighi, os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze.


REsp 1.878.653

Fonte: STJ

27 de janeiro de 2022

 A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento a um recurso da Fazenda Nacional para reconhecer que a revisão aduaneira de Declarações de Importação (DI) pode ser feita pela Receita em qualquer um dos quatro canais de parametrização existentes para a importação: verde, amarelo, vermelho e cinza.

Gurgel de Faria foi o relator do recurso especial

Assim, a Turma alinhou-se a entendimento já firmado na 2ª Turma, no sentido de que a primeira oportunidade (conferência) não ilide a segunda (revisão) — que surge após o desembaraço aduaneiro —, na qual o Fisco revisitará todos os atos praticados no primeiro procedimento.

Segundo as normas da Receita Federal, uma das etapas do desembaraço aduaneiro é chamada de parametrização, procedimento criado para conferência e verificação por amostragem.

Os canais recebem nomes de cores que identificam o grau de exame feito para o desembaraço, desde o automático (verde), passando pelo documental (amarelo), pela verificação física da mercadoria (vermelho) até o procedimento especial de controle aduaneiro (cinza), para verificar indícios de fraude.

O caso
O recurso julgado teve origem em uma ação ajuizada pelo importador contribuinte, que objetivava a anulação de auto de infração aduaneiro, bem como o afastamento de multas impostas pelo fisco. Havia mercadorias parametrizadas para os canais verde, amarelo e vermelho. Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) considerou possível a revisão aduaneira apenas na hipótese de mercadora importada direcionada para o “canal verde”, oportunidade em que a mercadoria é desembaraçada automaticamente, sem qualquer verificação.

Para o TRF4, nesse caso, como a autoridade fiscal não desenvolveu qualquer procedimento de conferência dos documentos e das informações da DI (o que só acontece nos canais amarelo, vermelho e cinza), seria permitida a revisão aduaneira, mesmo sem a constatação de alguma fraude. 

Recurso especial
No STJ, o relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, afirmou que a parametrização para o canal vermelho ou amarelo de conferência aduaneira (como no caso analisado) em nada afeta a possibilidade de revisão aduaneira.

Ele destacou o conceito do artigo 638 do Decreto 6.759/2009 (Regulamento aduaneiro), segundo o qual a “revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação”.

O magistrado observou que a legislação que rege a matéria “não vincula o direito do fisco de proceder à revisão da regularidade do pagamento dos impostos a determinado tipo de canal de conferência aduaneira ao qual a mercadoria foi submetida, quais sejam, canais de parametrização verde, amarelo, vermelho ou cinza”.

O ministro Gurgel de Faria também destacou precedente da 2ª Turma (REsp 1.201.845) em que foi abordada a necessária diferenciação dos processos de “conferência aduaneira”, “desembaraço aduaneiro” e “revisão aduaneira”. A conferência exige celeridade (tem prazo de cinco dias úteis), porque a mercadoria está em depósito por conta do contribuinte, e quanto mais tempo levar, mais demorará o desembaraço aduaneiro.

De acordo com o relator, o precedente corroborou o entendimento de inexistência de óbice à revisão aduaneira de mercadorias importadas e parametrizadas para os canais amarelo e vermelho na fase de conferência. Segundo o precedente, essa primeira oportunidade de fiscalização não impede a revisão de todos os atos que foram celeremente praticados.

No caso analisado, a 1ª Turma definiu o retorno do processo ao TRF-4, para que o mérito da declaração de importação questionada seja analisado, bem como as questões remanescentes. 

REsp 1.826.124

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Por unanimidade, o colegiado considerou que o ajuizamento da demanda no juízo cível não dependia do desfecho do caso na área criminal.

Postado em 25 de Janeiro de 2022

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a prescrição de ação indenizatória proposta por um auditor fiscal da Receita Federal que pretendia ser compensado pelo suposto dano moral decorrente da instauração de inquérito policial contra ele. Por unanimidade, o colegiado considerou que o ajuizamento da demanda no juízo cível não dependia do desfecho do caso na área criminal.

Relator do recurso especial, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que o artigo 200 do Código Civil – segundo o qual a prescrição civil não começa antes de sentença definitiva no juízo criminal – não se aplica ao caso analisado, pois a ação indenizatória estava fundada em uma série de atos, a maioria praticada na esfera administrativa, que teriam prejudicado a honra pessoal e profissional do auditor.

De acordo com o relator, o prazo prescricional teve início com o evento danoso narrado na petição inicial, ou seja, aquele conjunto de atos praticados pelos réus com o suposto objetivo de colocar sob suspeita o trabalho do auditor fiscal.

Falsa imputação de crime

O servidor da Receita Federal ajuizou a ação indenizatória após o arquivamento de representações criminais e administrativas nas quais ele foi acusado do crime de excesso de exação. Contudo, as instâncias ordinárias entenderam que o pedido estaria prescrito, uma vez que foi apresentado cerca de dez anos após os fatos causadores do alegado dano moral.

Ao STJ, o auditor alegou que o prazo prescricional da ação indenizatória só deveria ser contado a partir da data do arquivamento do inquérito policial, porque somente após a apuração criminal seria possível dimensionar o dano.

Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, a regra geral é que o prazo prescricional seja contado a partir do momento em que se configurou a lesão – exceto quando a própria lei estabelece um marco inicial distinto, a exemplo das ações relacionadas a fatos que devam ser apurados no juízo criminal, como dispõe o artigo 200 do Código Civil.

Representações ilegítimas

Contudo, no caso em análise, o magistrado verificou que a ação indenizatória foi ajuizada com base em atos – tidos como desabonadores da conduta do auditor – perfeitamente delimitados no tempo, e que os réus já eram identificáveis desde o momento em que ofereceram as representações apontadas como ilegítimas, de forma que o pedido indenizatório, calcado na ofensa à honra pessoal e profissional do auditor, não dependia da verificação de nenhum fato no âmbito criminal.

Ao manter a decisão de segunda instância, Villas Bôas Cueva afirmou que não houve causa impeditiva do prazo prescricional no âmbito cível e reconheceu o decurso da prescrição trienal.

Segundo o relator, a superveniência do arquivamento do inquérito instaurado contra o auditor até poderia reforçar uma eventual condenação com base no alegado abuso da representação criminal apresentada contra ele, mas não se pode considerar que a instauração da demanda no juízo cível dependesse disso.

Fonte: STJ

25 de janeiro de 2022

Por não identificar risco iminente de dano grave ou de difícil reparação, o vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Jorge Mussi, no exercício da presidência, indeferiu tutela de urgência requerida pela Oi Móvel S.A. para suspender os efeitos de acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que manteve multa aplicada pelo Procon estadual no valor de cerca de R$ 2,2 milhões.

O Procon aplicou multa de R$ 2,2 milhões a empresa de telefonia 

A penalidade foi imposta em razão de suposta venda casada entre o serviço de comunicação multimídia oferecido pela Oi e o serviço de provedor de acesso à internet disponibilizado por outra empresa.

Na petição contra a execução da multa, a operadora alegou que o impacto financeiro gerado pela multa prejudicará o cumprimento do seu plano de recuperação judicial. Ainda de acordo com a empresa, a análise de eventuais medidas de constrição do seu patrimônio seria de competência exclusiva do juízo responsável pelo processo de recuperação judicial.

Ao negar o pedido da Oi, o vice-presidente do STJ entendeu que a operadora não demonstrou situação de risco capaz de causar danos graves e irreversíveis. “Com efeito, limitou-se a deduzir alegações genéricas, no sentido de que ‘a qualquer momento’ poderia ter início o cumprimento de sentença”, destacou Jorge Mussi.

O ministro disse, também, que não foi possível identificar as alegadas omissões na decisão do TJ-MG, já que a operadora não apresentou o inteiro teor do acórdão questionado. 

Pet 14.858

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

21 de janeiro de 2022

Se uma empresa deliberar por não pagar dividendos para, em vez disso, formar reserva financeira, essa decisão seria nula por ofensa à Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976), e não pelo fato de não ter sido confirmada por meio de assembleia especial.

Assembleia só seria necessária se houvesse mudança do estatuto da empresa

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pelo Banco do Nordeste, que, na qualidade de representante legal de um fundo de investimento, esperava receber dividendos de uma empresa de ligas à base de silício e magnésio.

O banco tem ações preferenciais na classe “A” da companhia. De acordo com assembleia de 2003, ficou determinado que essa classe teria prioridade na distribuição de dividendos mínimos de 6% ao ano, calculado sobre o capital representativo desse espécie e classe de ações.

Em 2009, no entanto, a empresa teve lucro, mas decidiu não distribui-lo aos acionistas, para formação de reserva. Com isso, o banco deixou de receber R$ 1,4 milhão. Para a instituição, a decisão de 2009 é nula, pois era preciso que fosse confirmada pela assembleia especial dos preferencialistas.

A decisão é realmente nula. A criação de reservas contingenciais é admitida no artigo 195 da LSA, mas o artigo 203 da mesma lei indica que isso não prejudicará o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade, inclusive os atrasados, se cumulativos.

Relator, ministro Villas Bôas Cueva manteve a conclusão do TJ-MG sobre o caso

“A questão que se põe a debate é a forma como o acionista prejudicado poderia receber os dividendos ilegalmente retidos”, indicou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do recurso especial na 3ª Turma.

Assim, indicou que o Banco do Nordeste escolheu a maneira errada para cobrar os dividendos. A instituição invocou violação ao artigo 163, inciso II, parágrafos 1º e 4º, normas que tratam da necessidade de realização de assembleia especial.

No entanto, essa exigência só cabe para eventual alteração das vantagens e preferências atribuídas a cada classe de ações, o que é fixado no estatuto da companhia.

“No caso dos autos, contudo, não houve proposta de alteração do estatuto, tendo a deliberação assemblear questionada se cingido a determinar a formação de reserva com o não pagamento dos dividendos prioritários, o que se mostra incompatível com o disposto no artigo 203 da LSA, mas não encontra equivalência com a hipótese em que se exige a realização de assembleia especial ratificadora”, disse o relator.

Em segundo grau, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que seria necessário anular a deliberação assemblear de 2009, que determinou o não pagamento de dividendos. Como não foi esse o pedido dos autos, a pretensão não poderia ser acolhida.

A votação na 3ª Turma foi unânime, conforme a posição do ministro Villas Bôas Cueva. Ele foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino.


REsp 1.844.748

Fonte: STJ