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12/07/2022
Fachada do edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juiz que conduz o inventário só pode exigir que o inventariante preste contas até o momento de sua remoção do processo, sendo vedado ao magistrado, por consequência, determinar a prestação incidental depois da retirada do inventariante.

Após o ato de remoção, contudo, ainda é possível a propositura de ação autônoma de exigir contas por qualquer dos legitimados contra o inventariante removido – observado, nesse caso, o prazo prescricional de dez anos previsto pelo artigo 205 do Código Civil de 2002.

Com base nesse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso especial de uma idosa de 98 anos – única herdeira da irmã, que faleceu em 2006 –, por meio do qual se buscava o reconhecimento da prescrição do prazo de prestação de contas referente à época em que ela era a inventariante.

Em 2019, juiz pediu esclarecimentos sobre alvará judicial expedido em 2006
De acordo com os autos, ainda em 2006, o juízo atendeu ao pedido da inventariante para vender o único imóvel de sua irmã, com a finalidade de quitar as dívidas da falecida. A venda do bem foi concretizada em 2007.

A idosa foi removida da inventariança em 2016, tendo sido nomeado novo inventariante no processo. Em 2019, o juízo determinou que a inventariante removida prestasse contas, especialmente sobre o alvará judicial que autorizou a venda do imóvel.

A decisão de primeira instância foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sob o fundamento de que, nos termos do artigo 618, inciso VII, do Código de Processo Civil, incumbe ao inventariante prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz ordenar.

Expressão “sempre que o juiz determinar” não é irrestrita
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, apontou que, consoante o artigo 618, inciso VII, do Código de Processo Civil, na ação de inventário, existe o dever legal do inventariante de demonstrar precisamente a destinação dos bens e direitos sob a sua administração.

Desse modo, a ministra afirmou que o juiz pode, de fato, determinar a prestação de contas da gestão do inventário sempre que verificar a necessidade de examinar os atos praticados ou quando o inventariante deixar o cargo.

Contudo, Nancy Andrighi destacou que a expressão “sempre que o juiz determinar”, contida no artigo 618 do CPC/2015, faz referência somente a períodos anteriores à remoção do inventariante. É vedado ao juiz exigir a prestação de contas incidentalmente no inventário em momento posterior à remoção – inclusive porque, segundo a relatora, uma das consequências da ausência de prestação de contas é, justamente, a remoção do inventariante.

“Desde logo parece não haver dúvida que, de acordo com o legislador processual, é mais adequado que o inventariante preste contas da inventariança exercida no exato momento em que ‘deixar o cargo’, isto é, ao tempo de sua remoção”, ressaltou a ministra.

Ação autônoma de exigir contas ainda é possível
De acordo com a relatora, embora seja inadmissível a exigência de prestação de contas após a remoção do inventariante incidentalmente na ação de inventário, ainda é possível que qualquer dos legitimados em desfavor do inventariante removido proponha de ação autônoma de exigir contas, observado o prazo prescricional decenal previsto no artigo 205 do Código Civil.

“Não se deve confundir a pretensão de prestação de contas, a ser exercida em face de quem administra patrimônio alheio ou comum, a fim de que demonstre a destinação dos bens e direitos, da prestação de contas exigível em virtude de relação de inventariança”, declarou Nancy.

Ao dar provimento ao recurso, Nancy Andrighi apontou que a ordem judicial de prestação de contas foi proferida quase 12 anos após a concretização da venda do imóvel e mais de três anos após a remoção da inventariante.

REsp 1941686

Fonte: STJ

08/07/2022

No julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 9, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que “a apresentação de resultado negativo em exame toxicológico de larga janela de detecção é obrigatória para a habilitação e a renovação da Carteira Nacional de Habilitação do motorista autônomo de transporte coletivo escolar, nos termos do artigo 148-A da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB)”.

A relatora, ministra Regina Helena Costa, explicou que a exigência legal da realização do exame foi trazida pela Lei 13.103/2015, a qual, “embora mirasse, mais detidamente, disciplinar as condições laborais de motoristas profissionais rodoviários de passageiros e de carga, teve por intuito diminuir a violência no trânsito, por intermédio, também, da melhoria das condições de trabalho dos condutores de veículos pesados e de maior porte, categoria na qual se incluem os motoristas de transporte coletivo escolar”.

Assim, afirmou a ministra, ao inserir o artigo 148-A no CTB, a lei não condicionou – tampouco ressalvou – sua aplicação unicamente à classe profissional de condutores rodoviários.

Demonstração de aptidões físicas e mentais compatíveis com a atividade

Segundo a relatora, a obrigatoriedade de apresentação de resultado negativo no exame toxicológico está vinculada às categorias de habilitação, e não a parâmetros associados à atividade profissional, porque nas graduações “C”, “D” e “E” estão inseridas exigências justificadamente maiores em relação às categorias precedentes, em razão das características físicas e das finalidades dos veículos envolvidos.

Regina Helena Costa destacou que as dificuldades inerentes ao transporte coletivo escolar levaram o legislador a impor, ao postulante à prestação de tal serviço, a demonstração de aptidões físicas e mentais compatíveis com o nível de exigência da atividade, como a necessidade de habilitação, ao menos, em categoria “D”, além de idade mínima de 21 anos, histórico negativo de infrações gravíssimas e aprovação em curso especializado.

Com a Lei 13.103/2015, somou-se a obrigatoriedade de apresentação de resultado negativo do exame toxicológico de larga janela de detecção – o qual é realizado somente por laboratórios credenciados pelo Contran, mediante análise de material biológico queratínico fornecido pelo doador (cabelos, pelos ou unhas), para detectar o uso de substâncias psicoativas que comprometam a capacidade de direção, com retrospectiva mínima de 90 dias, contados da coleta.

Ao citar alguns estudos e análises da regra, a ministra verificou que “os efeitos positivos da exigência estão sendo observados nos índices de sinistralidade no trânsito pela ação de condutores de transporte de passageiros e de carga, pois, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal, o exame toxicológico tem reduzido os acidentes envolvendo caminhões em 35%, e os relacionados a ônibus em 45%, apontando ser um forte instrumento de segurança no trânsito”.

Segurança cotidiana de crianças e adolescentes

“Cuida-se de questão essencialmente atrelada à qualificação e ao preparo de agentes diretamente envolvidos no deslocamento e na segurança cotidiana de milhares de crianças e/ou adolescentes, cuja atividade, por óbvio, é incompatível com o consumo de substâncias estupefacientes”, disse a magistrada.

Para ela, o qualificativo “transporte rodoviário” para a incidência da previsão legal não tem o efeito de excluir os transportadores de escolares do âmbito da norma, pois o transporte rodoviário é o realizado “em vias públicas” (artigo 1º da Lei 11.442/2007), o qual tem lugar em rodovias, estradas, ruas, avenidas e logradouros (artigo 2º do CTB), locais de operação da categoria.

A ministra ponderou também que admitir a dispensa dos motoristas de transporte coletivo escolar de realizarem o exame toxicológico equivaleria a lhes conferir tratamento privilegiado, não previsto em lei, em detrimento dos demais interessados em obter ou renovar a habilitação na mesma categoria “D”, contrariando, desse modo, o disposto nos artigos 138, II, e 145, caput, do CTB.

REsp 1.834.896.

Fonte: STJ


Não cabe recurso especial contra acórdão que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento de IRDR, por ausência do requisito constitucional de cabimento de “causa decidida”. O cabimento depende de caso concreto que aplique a tese fixada e resolva a lide, observados os demais requisitos constitucionais que autorizam o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça.

8 de julho de 2022

Para a Corte Especial do STJ, cabimento do REsp contra IRDR deve privilegiar regras do artigo 105 da Constituição Federal
Divulgação

Essa foi a tese fixada por unanimidade de votos pela Corte Especial do STJ, com o objetivo de pacificar as hipóteses de cabimento de recurso ajuizado contra acórdãos dos tribunais de segundo grau que resolvam questões em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).

O IRDR é um instrumento criado pelo Código de Processo Civil de 2015 para proporcionar isonomia e segurança jurídica nas cortes de apelação, em temas que gerem alto volume de recursos. Quando as teses fixadas são alvo de recurso, geram precedentes qualificados nas cortes superiores: são julgadas na sistemática dos repetitivos no STJ ou da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal.

A dúvida que resta quanto ao cabimento desses recursos se baseia no fato de que, nem sempre, um IRDR resolverá um caso concreto.

Sua instauração sempre depende de ao menos um processo que trate da questão controvertida. Ainda assim, quando as partes desistem da ação, é possível que o tribunal siga com o julgamento e fixe a tese em abstrato, a qual será aplicada aos demais processos sobrestados, mas não ao recurso que motivou a instauração do IRDR.

Há, ainda, a hipótese da revisão da tese jurídica, na qual o órgão julgador analisa a manutenção ou não dos enunciados aprovados de forma abstrata, sem qualquer vinculação a algum processo específico.

Nessas hipóteses, deve o Superior Tribunal de Justiça admitir o recurso especial? A jurisprudência da corte mostra decisões divergentes nesse sentido.

Tese fixada em abstrato em IRDR não pode ser considerada causa julgada, segundo o relator, ministro Mauro Campbell
Rafael Luz

Causa decidida?
O artigo 105 da Constituição Federal, que traz as hipóteses de atuação do STJ, inclui no inciso III que compete “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância” pelos tribunais de segunda instância.

Relator na Corte Especial, o ministro Mauro Campbell, apontou que o simples fato de existir acórdão de mérito proferido em IRDR não significa dizer que cabe recurso especial sem a necessidade de observância dos requisitos constitucionais.

Para ele, os requisitos de cabimento do REsp não podem ser mitigados pela legislação infraconstitucional (Código de Processo Civil), sob pena de eventual interpretação inconstitucional da norma.

Assim, se um pronunciamento em IRDR não gerou “causa decidida” — a efetiva emissão de juízo de valor pelo Tribunal de origem sobre o tema de lei federal no julgamento de um caso concreto — não cabe ao STJ admitir a discussão em recurso especial.

O ministro Campbell entende razoável pressupor que o IRDR não é um recurso, mas um incidente no processo que adota técnica de julgamento.

“A tese jurídica fixada em abstrato no julgamento do IRDR, ainda que no âmbito da interpretação de norma infraconstitucional federal, não pode ser considerada como causa decidida sob a ótica constitucional, o que somente ocorreria com a aplicação da referida tese jurídica ao caso selecionado para o julgamento ou na aplicação nas causas em andamento/sobrestadas (caso concreto) que versem sobre o tema repetitivo julgado no referido incidente”, afirmou.

TJ-DF negou revisão de tese de IRDR, e recurso subiu ao STJ sem caso concreto
Wikimedia Commons

Caso concreto sem caso concreto
No caso concreto, a Defensoria Pública do DF se insurgiu contra a decisão do TJ-DF de não revisar uma tese de IRDR sobre os critérios para aferir a competência para o processamento das ações envolvendo internação em leitos de UTI e fornecimento de medicamentos no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública ajuizadas por pessoa incapaz.

Ou seja, não há caso concreto a discutir, nem parte contrária ou qualquer espécie de contraditório. Mesmo o interesse recursal é discutível. Para o relator, ampliar os conceitos de interesse e de causa decidida extrapolaria os limites constitucionais de cabimento do recurso especial.

“Admitir a competência para analisar teses em abstrato, sem uma profunda e cuidadosa reflexão sobre os impactos que tal opção possa causar, é potencialmente capaz de gerar resultados não esperados pela comunidade jurídica e pelo próprio Superior Tribunal de Justiça”, concluiu.


REsp 1.798.374
(STJ)

Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de julho de 2022, 8h49

7 de julho de 2022

A condenação imposta ao estado do Ceará de pagar R$ 60 mil a título de danos morais à família de uma criança que morreu vítima de bala perdida disparada por policiais não pode ser considerada exorbitante. E isso não significa dizer que sua manutenção a torne proporcional.

Família vai receber R$ 60 mil pela morte de uma criança vítima de bala perdida disparada por policiais durante confronto
Divulgação/Polícia Civil-RJ

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial do estado, que visava reduzir o valor da condenação com base em precedentes da corte sobre mortes causadas em hipótese de responsabilidade estatal.

O voto do relator, ministro Og Fernandes, buscou esclarecer e corrigir uma distorção observada na análise da proporcionalidade do valor imposto em condenações desse tipo.

Como o STJ não pode rever fatos e provas em sede de recurso especial, pelo óbice da Súmula 7, a análise da corte se resume a definir se os valores arbitrados para a indenização são exorbitantes ou irrisórios. Esse cotejo é feito pela indicação de outros julgados, de modo a manter uma coerência em situações jurídicas semelhantes.

No caso, a criança estava na rua acompanhando um incêndio quando foi atingida na cabeça por um tiro disparado por policiais, os quais perseguiam criminosos em local próximo. As instâncias ordinárias determinaram pagamento de pensão mensal à família, além de R$ 60 mil de indenização.

Ministro Og Fernandes fez considerações sobre a configuração da exorbitância da indenização em casos julgados pelo STJ
Wikimedia Commons

O estado do Ceará apresentou acórdãos como paradigmas em que o valor arbitrado foi menor, mas que tratavam de outras hipóteses de responsabilidade estatal: acidente de trânsito por buraco na pista, erro médico, estabelecimento prisional e obra pública.

Em todos esses precedentes, o recurso foi interposto pelo ente estatal. E em nenhum deles o valor indenizatório foi reduzido. Ou seja, nesses casos não poderia haver a majoração do valor, pois não houve recurso por parte das famílias das vítimas.

“Tampouco se pode tomar tais precedentes como chanceladores da razoabilidade dos valores ali mantidos. Dizer que um valor não pode ser minorado sem violar a razoabilidade não corresponde a afirmar que não pudesse ser majorado com base no mesmo princípio, se tivesse havido recurso da parte interessada”, pontuou o ministro Og Fernandes.

Ou seja: tais precedentes não servem para mostrar que R$ 60 mil de danos morais pela morte de uma criança por atuação policial desastrosa é valor desproporcional. “Ao contrário, a jurisprudência desta Corte tem fixado como balizas valores significativamente mais elevados”, observou o relator.

O acórdão traz dezenas de precedentes em que a indenização fixada a título de danos morais varia de 300 a 500 salários mínimos. Por isso, votou por negar provimento ao recurso especial do estado.

“Não se estará, neste caso, afirmando a proporcionalidade da condenação imposta na origem, em valor equivalente a cerca de 20% (R$ 60 mil) do valor mínimo considerado como razoável por esta Corte (300 salários); apenas se estará dizendo que o valor de R$ 60 mil não é exorbitante, o que, como se verifica, é uma assertiva significativamente distinta”, complementou. A votação foi unânime.


REsp 1.990.290
(STJ)

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de julho de 2022, 8h47

Recurso foi apresentado pela União em defesa do CTB

Publicado em 06/07/2022

Nova Carteira Nacional de Habilitação – Foto por: Lidiana Cuiabano/Detran-MT

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a regra do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que exige a comprovação de exame toxicológico negativo para obtenção e renovação das categorias  C, D e E  da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

O julgamento foi realizado em 8 de junho pela Primeira Seção do STJ. O acórdão da decisão foi publicado no dia 15 de junho.

Os ministros atenderam um recurso apresentado pela União em defesa do CTB e derrubaram decisões da Justiça Federal que suspenderam a exigência do exame negativo.

Pelo texto do acórdão do julgamento ficou definido que, “a obrigatoriedade de apresentação de resultado negativo no exame toxicológico de larga detecção está vinculada às categorias de habilitação, e não a parâmetros associados à atividade profissional do condutor”.

O entendimento deverá ser aplicado em outros casos semelhantes que estão em tramitação no Judiciário.

Por Agência Brasil – Brasília

06/07/2022

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que uma operadora de plano de saúde terá de ressarcir um cliente das despesas com cirurgia para colocação de marca-passo, realizada fora da rede credenciada depois que a cobertura pelo plano foi indevidamente negada. O colegiado, porém, limitou o ressarcimento aos valores da tabela de preços do plano de saúde contratado.

A decisão reformou parcialmente o acórdão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) que havia condenado a operadora a indenizar integralmente os custos da operação, bem como os gastos como hospedagem e alimentação. No entanto, foi mantida a indenização de R$ 10 mil por danos morais.

Após o plano negar a realização do procedimento, o consumidor, que mora em Vitória, se submeteu à cirurgia em um hospital renomado de São Paulo. A seguir, pediu em juízo o ressarcimento integral dos valores gastos (danos materiais), inclusive com acompanhante, e indenização por danos morais – o que foi julgado procedente em primeira e segunda instâncias.

Enfermidade causava risco de morte

Inicialmente, o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, em decisão monocrática, deu provimento ao recurso da operadora para julgar improcedentes os pedidos indenizatórios, sob o fundamento de que o consumidor pretendeu impor unilateralmente o pagamento de hospital de altíssimo custo, localizado em outra capital, em vez de ajuizar ação para obrigar o plano a cobrir o tratamento.

Contra essa decisão, o segurado interpôs agravo interno para a turma, que foi acolhido nos termos do voto do ministro Marco Buzzi. De acordo com o magistrado, depreende-se da sentença e do acórdão recorrido que a negativa de cobertura foi indevida, a colocação de marca-passo era imprescindível e havia urgência, pois o quadro de arritmias causava risco de morte.

Na avaliação do ministro, as alegações do plano de saúde – de que o tratamento não estaria coberto pelo contrato e de que a cirurgia foi realizada fora da rede credenciada e da área de abrangência – não podem ser analisadas, pois não foram debatidas nas instâncias ordinárias e porque seria necessário o revolvimento de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.

Limitação ao preço de tabela afasta enriquecimento indevido

Marco Buzzi lembrou que, conforme o entendimento da corte, o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas pelo beneficiário de plano de saúde fora da rede credenciada somente é admitido em hipóteses excepcionais, observadas as obrigações contratuais e excluídos os valores que excederem a tabela de preços praticada no respectivo produto (REsp 1.575.764).

No caso dos autos, afirmou, em razão de a operadora ter recusado indevidamente o tratamento, é cabível o reembolso pleiteado, no limite da tabela de preços do plano, excluídas as despesas que fogem à cobertura contratual, como hospedagem, transporte e alimentação.

“A limitação de reembolso ao valor de tabela afasta qualquer possibilidade de enriquecimento indevido do usuário ao se utilizar de profissional ou hospital de referência que, muitas vezes, demandam altas somas pelo trabalho desempenhado”, apontou.

O ministro também observou que o dano moral fixado em R$ 10 mil, em razão da negativa de cobertura do tratamento cirúrgico, “é absolutamente razoável frente ao abalo sofrido pelo autor e encontra-se nos limites da razoabilidade e da proporcionalidade”.

REsp 1.933.552.

Fonte: STJ

6 de julho de 2022

O advogado que, em uma ação de investigação de paternidade, reproduz o discurso do investigado com ofensas à mãe do interessado como argumento de defesa ataca a honra e a reputação da parte, em ato ilícito e danoso que é suscetível de reparação moral.

Advogado, ao defender o pai na ação de investigação, reproduziu argumentação dele
Tero Vesalainen

Com esse entendimento, e por maioria apertada de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou um advogado a pagar, junto com os irmãos, que foram parte da ação, R$ 20 mil a título de danos morais pelas ofensas proferidas durante a audiência de julgamento.

O caso trata de ação investigatória de paternidade inicialmente ajuizada em 1993 e que foi extinta sem resolução de mérito devido à desistência do autor. Nesse processo, o investigado, defendido pelo filho advogado, teceu considerações sobre a mãe do autor da ação.

Em 2011, uma nova ação foi ajuizada com o objetivo de descobrir se o investigado, já falecido, seria realmente o pai. Nessa ação, o advogado reproduziu o discurso feito pelo pai em 1993: o de que a mãe do autor da ação era uma prostituta, que manteve relações sexuais com diversas pessoas, além do investigado, e que qualquer uma delas poderia ser o seu pai, incluindo o delegado de polícia da localidade à época.

A paternidade foi confirmada por exame da DNA. Essa argumentação levou ao ajuizamento de queixa-crime, que tramitou no Juizado Especial Criminal de São Paulo e foi rejeitada. Depois disso, foi ajuizada a ação indenizatória por danos morais contra o advogado e seus irmãos.

O caso proporcionou à 3ª Turma a oportunidade rara de, em recurso especial, debater os limites da imunidade profissional do advogado e dividiu o colegiado. Prevaleceu o voto divergente da ministra Nancy Andrighi, seguido pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Aurélio Bellizze.

Segundo a ministra Nancy, advogado
deve filtrar as informações ofensivas
Gustavo Lima/STJ

Juridicamente irrelevante
Para a posição vencedora, é absolutamente irrelevante, em uma ação de investigação de paternidade, debater e investigar se a mãe era prostituta ou mantinha relações sexuais exclusivamente com o investigado. Isso porque há 30 anos se faz uso no Brasil da técnica da análise do DNA, o que torna inútil, inadequado e impróprio discutir questões relativas à moral e à conduta das partes.

Assim, se as informações recebidas pelo advogado são ofensivas à parte adversária e irrelevantes no contexto da controvérsia, cabe a ele filtrá-las, pautando sua conduta a partir dos estreitos limites da técnica jurídica e da ética profissional.

“Não pode o advogado, com a mais respeitosa vênia, a pretexto de ser apenas o transmissor das informações e simplesmente o reprodutor e a voz de seu constituinte no processo, materializar as ofensas que lhe foram ditas em particular pela parte, sob pena de praticar, ele próprio, o ato ilícito ofensivo à reputação e à imagem da parte adversa”, disse a ministra Nancy.

Para ela, tal argumentação apenas revela ofensas gratuitas, que nada mais são do que resquícios de um discurso odioso, sexista, machista e misógino, que não pode mais ser aceito na sociedade brasileira.

“É verdadeiramente inadmissível que, no ano de 2022, ainda se possa reputar apenas como infeliz, grosseiro ou meramente deselegante o emprego de argumentos e de teses que somente servem à desqualificação das pessoas que se encontram no polo oposto de uma ação de família a partir de supostos critérios morais e de determinados padrões de conduta”.

A ministra Nancy ainda acrescentou que nos autos não há comprovação de que a mãe do autor da ação era, de fato, prostituta ou que mantinha relações sexuais com diversas pessoas.

“Em síntese, não é admissível, com a mais respeitosa vênia, que a dignidade, a honra, a respeitabilidade e a imagem das partes, sobretudo, nas ações de família, das mulheres e das mães, continuem sendo violadas e vilipendiadas, ao fundamento de imunidade profissional, sem que haja a devida responsabilização civil por quem as ofendeu”.

Para Moura Ribeiro, afirmações foram impróprias, mas com relação com o mérito
Paula Carrubba/Anuário da Justiça

Linha de defesa
Ficaram vencidos o relator, ministro Moura Ribeiro, e o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que votaram por negar provimento ao recurso especial. Para eles, a argumentação reproduzida, embora infeliz, imprópria e grosseira, guardava relação com o mérito da causa, pois embasava a tese de que o investigado não seria o pai do autor da ação.

O relator destacou que não há no processo a citação do nome da mulher. Portanto, tais ofensas, em ação que corria em segredo de Justiça, não poderiam chegar ao seu conhecimento, nem ao de terceiros. Por isso, não houve qualquer repercussão fora do processo.

Além disso, as ofensas partiram do próprio investigado na primeira ação, em 1993. Portanto, segundo o ministro Moura Ribeiro, a ação indenizatória deveria ter sido ajuizada contra ele, o que não aconteceu.

Portanto, não houve intensão de ofender, “mas, sim, apresentar, como linha de defesa, termos empregados na primeira ação de investigação de paternidade, em tese desconstitutivo do direito alegado e que guarda relação com o mérito da ação, não obstante, sejam eles deselegantes e grosseiros”.

“O advogado não pode se esquecer que a causa deve ser mantida com cortesia, elegância, lealdade e ética, evitando-se fazer alusões pessoais aos integrantes do feito ou terceiros, como recomenda o Código de Ética dos Advogados, de modo a se evitar o cometimento de ilícitos passíveis de indenização. De qualquer sorte, entendo que, no caso em análise, não existiu o propósito deliberado de ofender ou difamar”, concluiu o ministro.

REsp 1.761.369 (STJ)

*Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2022, 21h06

06/07/2022

A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a Proposta de Emenda à Constituição 39/2021 aprovou nesta segunda-feira (4) o relatório da deputada Bia Kicis (PL-DF) pela sua admissibilidade.

A PEC da Relevância, como ficou conhecida a proposta, altera a redação do artigo 105 da Constituição Federal, criando um filtro para os recursos especiais dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

De acordo com a proposta, a admissão do recurso especial ficará condicionada à demonstração da relevância da questão jurídica discutida, e só poderá ser rejeitada pela manifestação de dois terços dos integrantes do colegiado competente para o julgamento. O texto segue agora para apreciação e votação no plenário da Câmara.

Para o ministro Humberto Martins, as emendas do Senado aperfeiçoaram o texto, mantendo a essência da proposta.

Segundo o presidente do STJ, ministro Humberto Martins, a PEC é importante para que a corte possa se concentrar na sua missão constitucional de interpretar a legislação federal.

“A aprovação da PEC contribui para a missão do tribunal e para todo o sistema de Justiça, pois possibilita ao STJ exercer de forma mais efetiva o seu verdadeiro papel de firmar teses jurídicas para uniformizar a aplicação das leis federais”, comentou.

Muitos recursos são restritos ao interesse da parte

O ministro elogiou o empenho do parlamento brasileiro na atual legislatura para a aprovação da medida. Em novembro de 2021, o Senado aprovou a PEC em dois turnos, mas, em razão de mudanças no texto, ele voltou à Câmara para nova apreciação.

“A proposta original é de 2012 e traz um mecanismo semelhante à exigência de repercussão geral existente no Supremo Tribunal Federal. No Senado, ela foi objeto de emendas que aperfeiçoaram o texto, mantendo a essência da proposta. Foram questões legitimamente discutidas com a participação da OAB e da sociedade”, afirmou o ministro.

Ao justificar a necessidade do filtro de relevância, Humberto Martins mencionou que, em meio ao grande número de recursos dirigidos ao STJ – foram mais de 400 mil em 2021 -, “muitos afetam apenas os interesses das partes, sem maior impacto na uniformização da jurisprudência”.

Para ele, tais questões devem ser resolvidas no âmbito dos tribunais estaduais e regionais federais, ficando para o STJ a tarefa – definida constitucionalmente – de dar a última palavra nas controvérsias jurídicas de grande relevância, as quais transcendem o direito subjetivo das partes do processo.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

05/07/2022

Em julgamento de Incidente de Assunção de Competência (IAC), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que “é indevida a cobrança promovida por concessionária de rodovia, em face de autarquia prestadora de serviços de saneamento básico, pelo uso da faixa de domínio da via pública concedida”.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso da administradora de uma rodovia para que a autarquia de saneamento tivesse de pagar pelo uso de parte da faixa de domínio, necessária à passagem de rede coletora de esgoto para atender uma universidade, um hospital estadual e uma unidade da Polícia Militar.

O colegiado acompanhou a relatora, ministra Regina Helena Costa, para quem não seria legítimo o poder concedente delegar a gestão da via a um particular e este cobrar do próprio poder público – mesmo que de outra esfera federativa – pelo uso do espaço. Se a rodovia estivesse fora do regime de concessão, ressaltou a ministra, essa cobrança não seria possível.

Uso da faixa de domínio por concessionária não retira a sua natureza pública

Em seu voto, a relatora lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 261, com repercussão geral, afastou a possibilidade de cobrança de tributo (taxa) pelo uso da faixa de domínio por concessionária de serviço público, quando a via é administrada pelo Estado.

Para a magistrada, ainda que o posicionamento do STF tenha sido extraído de hipótese distinta da que estava em análise no STJ, ele se assentou no fundamento de que a utilização da faixa de domínio para viabilizar a consecução de serviço público diverso da destinação ordinária do espaço não lhe retira a natureza de bem público de uso comum do povo.

Citando outros julgados da Suprema Corte, a ministra concluiu que, “embora cedido ao particular, o bem público de uso comum do povo, na ótica revelada pelo STF, não se desnatura, permanecendo, pois, afetado à destinação pública, motivo pelo qual se afigura ilegítimo exigir remuneração pela sua utilização, quando voltada a instrumentalizar a execução de serviço público, como ocorre na espécie”.

Natureza subjetiva das partes norteia a solução das controvérsias

Na jurisprudência do STJ, Regina Helena Costa verificou que a Primeira Seção adotou soluções jurídicas diversas conforme as partes presentes nas demandas, mas não chegou a discutir a situação em que uma empresa privada (concessionária da rodovia) exige de autarquia prestadora de serviço público o pagamento pelo uso da faixa de domínio.

Segundo a relatora, o STJ considera legítimo que a concessionária da rodovia exija o pagamento de outra concessionária (empresa privada contra empresa privada), desde que a cobrança esteja prevista no contrato de concessão, nos moldes do artigo 11 da Lei 8.987/1995.

Por outro lado, nos casos em que a rodovia é administrada por ente federado, de forma centralizada ou descentralizada, e a cobrança se dirige a concessionária de serviço público (Estado contra particular), “é assente a ilegalidade da exigência, seja porque não cabe a fixação de preço público, uma vez que o uso do espaço se reverte em favor da sociedade, seja porque a natureza do valor cobrado não é de taxa, porquanto ausentes a prestação de serviço público ou o exercício do poder de polícia”.

Impossibilidade de cobrança quando o Estado participa da relação

Regina Helena Costa ressaltou que a regra do artigo 11 da Lei 8.987/1995 abrange interações entre concessionárias, “sendo inapta para embasar cobrança pelo uso da faixa de domínio quando, sob regime de exploração direta ou indireta, o Estado participe da relação processual, seja na qualidade de gestor da rodovia e autor da cobrança, seja na condição de sujeito passivo, quando lhe é exigido o pagamento pela utilização do espaço por empresa privada administradora da via”.

Dessa forma, a ministra afirmou que o dispositivo legal não valida, em desfavor de autarquia prestadora de serviço de saneamento, a exigência de pagamento pelo uso da faixa de domínio, pois tal utilização é necessária à saúde coletiva. “Se da própria previsão legal não se pode extrair a anuência para a cobrança enfocada, não surtirá efeitos obrigacionais, por conseguinte, eventual cláusula do contrato de concessão que preveja a exigência em face de pessoa jurídica de direito público”, concluiu.

REsp 1.817.302.

Fonte: STJ

04/07/2022

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que, em ação civil pública ajuizada por associação privada, o réu pode ser condenado a arcar com as custas e os honorários advocatícios.

Para o colegiado, a tese fixada pela Corte Especial no EAREsp 962.250 somente se aplica à parte ré vencida em ação civil pública quando seu autor for pessoa jurídica de direito público. Naquele julgamento, a corte estabeleceu que, “em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do artigo 18 da Lei 7.347/1985“.

Na origem, a Associação Estadual de Amparo ao Consumidor e ao Cidadão e Defesa Contra as Práticas Abusivas (Aprodec) ingressou com ação civil pública contra a PepsiCo do Brasil, com o objetivo de obrigá-la a incluir determinadas informações na embalagem de um produto.

Diferenciação entre associações de natureza pública e privada

Em primeira instância, a PepsiCo deixou de ser condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários com fundamento no acórdão da Corte Especial no EAREsp 962.250, decisão que foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o qual consignou não ser aplicável a decisão do STJ às demandas propostas por associações e fundações privadas, de modo a não impedir o acesso à Justiça para a sociedade civil organizada.

Ao interpor recurso especial, a PepsiCo alegou que, se a associação de natureza privada não pode ser condenada ao pagamento de honorários, os advogados que a representam também não poderiam, pelo princípio da simetria, ser beneficiados com a verba sucumbencial.

A empresa sustentou que, na legislação de regência, não há diferenciação quanto à legitimidade entre a associação privada e a associação pública, até mesmo porque, independentemente de sua natureza, a autora deve revestir finalidades institucionais de interesse público.

Não basta o acesso à Justiça no plano formal

A relatora, ministra Nancy Andrighi, ao manter a decisão do TJRJ, destacou a peculiaridade do caso, visto que, nos processos em que foi aplicado o princípio da simetria pela Terceira ou pela Quarta Turma do STJ, o Ministério Público era o autor da ação.

Ela destacou que o argumento da corte estadual sobre o acesso à Justiça é essencial para a solução da controvérsia, pois tal acesso deve ser garantido não apenas de modo formal, mediante a possibilidade de ingresso em juízo, mas também no plano material. “Não é suficiente a mera possibilidade de propositura de demanda. Torna-se relevante garantir o acesso material à ordem jurídica”, declarou a magistrada, lembrando que um dos problemas do acesso à Justiça é exatamente o elevado custo do processo.

“Não seria razoável, sob o enfoque ético e político, equiparar ou tratar como simétricos grandes grupos econômicos/instituições do Estado com organizações não governamentais”, afirmou.

A ministra lembrou ainda que o STJ tem alguns precedentes esparsos no sentido de que o entendimento do EAREsp 962.250 não se aplica às ações civis públicas propostas por associações e fundações privadas, pois, do contrário, “barrado estaria, de fato, um dos objetivos mais nobres e festejados da Lei 7.347/1985, qual seja, viabilizar e ampliar o acesso à Justiça para a sociedade civil organizada”.

Leia o acórdão no REsp 1.974.436.

Fonte: STJ