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PRECEDENTES QUALIFICADOS
01/08/2025

​Sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.248), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que as execuções fiscais baseadas em uma única Certidão de Dívida Ativa (CDA) composta por débitos de diferentes exercícios do mesmo tributo devem ter a alçada calculada pelo valor total da dívida, e não pelos débitos individualizados. Segundo o colegiado, esse montante é o critério adequado para saber se é cabível apelação no processo, tendo em vista o que determina o artigo 34, caput e parágrafo 1º, da Lei 6.830/1980.

Na avaliação da relatora do repetitivo, ministra Regina Helena Costa, a adoção de débitos individualizados para determinar a alçada viola o direito de defesa do devedor, além dos princípios da unirrecorribilidade das decisões judiciais e da segurança jurídica.

“Sendo legítima a reunião de débitos fiscais em uma única CDA – da qual se extrai o valor da causa da execução –, não é válido que, em momento posterior, quando já sentenciado o feito, se pretenda cindir o montante global a pretexto de determinar a espécie recursal cabível”, destacou a ministra.

Com a definição da tese, podem voltar a tramitar todos os recursos especiais e agravos em recurso especial sobre o mesmo assunto, na segunda instância ou no STJ, que estavam suspensos à espera do precedente.

Eficiência e racionalidade na consolidação dos débitos fiscais

Regina Helena Costa explicou que a CDA representa a formalização do crédito tributário consolidado, abrangendo tributos, multas, juros e encargos. Dessa forma, prosseguiu, ainda que o valor cobrado se refira a exercícios distintos do mesmo tributo, a inscrição dá origem a um único título, cuja integridade é pressuposto do processo executivo.

A ministra acrescentou que nada impede a inclusão, em uma única CDA, de débitos referentes ao mesmo tributo, ainda que correspondam a exercícios diferentes, desde que atendidos os requisitos de validade do título e assegurado à parte executada o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.

De acordo com a relatora, a legislação sobre execução fiscal busca exatamente dar mais eficiência e racionalidade ao procedimento, permitindo, sempre que possível, a consolidação dos débitos do contribuinte em um único título executivo.

“Portanto, indexar o cálculo da alçada aos montantes individualizados de cada exercício fiscal relativo ao tributo cobrado promove a insegurança jurídica e compromete a sistemática da execução fiscal, cuja racionalidade repousa na clareza, previsibilidade e integridade do título que a embasa”, avaliou a ministra.

Posição adotada pelo TJRJ contraria jurisprudência sobre o tema

Em um dos recursos representativos da controvérsia (REsp 2.077.135), o município de Magé (RJ) promoveu execução fiscal contra um contribuinte para cobrar dívida de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) referente a diversos exercícios.

Em primeiro grau, o processo foi extinto sem resolução do mérito, e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) não conheceu da apelação por entender que, embora a dívida total executada superasse o valor de alçada, o montante a ser considerado para definir o cabimento ou não do recurso deveria ser relativo a cada crédito tributário perseguido, individualmente, pela fazenda municipal.

“A fundamentação adotada pela instância ordinária destoa da tese ora proposta e da jurisprudência deste superior tribunal, motivo pelo qual, nos termos do artigo 255, parágrafo 5º, do Regimento Interno do STJ, impõe-se a cassação do acórdão recorrido”, concluiu a relatora ao dar provimento ao recurso especial e determinar o recebimento da apelação pelo TJRJ.

Leia o acórdão no REsp 2.077.135.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2077135REsp 2077138REsp 2077319REsp 2077461
Fonte: STJ
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.203), fixou a tese de que “o oferecimento de fiança bancária ou de seguro-garantia, desde que corresponda ao valor atualizado do débito, acrescido de 30%, tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito não tributário, não podendo o credor rejeitá-lo, salvo se demonstrar insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da garantia oferecida”.
30/07/2025

Com a definição da tese – adotada por unanimidade –, podem voltar a tramitar os processos que estavam suspensos à espera da fixação do precedente qualificado. O entendimento deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

Em seu voto, o relator, ministro Afrânio Vilela, ressaltou que a decisão reforça a jurisprudência do STJ, no sentido de admitir a suspensão da exigibilidade de créditos não tributários, e afasta a aplicação da Súmula 112 do tribunal e da tese fixada no Tema Repetitivo 378, ambas restritas à suspensão no âmbito dos créditos tributários.

CPC reforçou a equivalência entre dinheiro, fiança bancária e seguro-garantia

O relator explicou que, originalmente, a sistemática da Lei de Execução Fiscal (LEF) previa apenas três formas de garantia da execução: o depósito em dinheiro, a fiança bancária (artigos 7º, inciso II, e 9º, incisos I e II) e a penhora de bens (artigo 9º, incisos III e IV). Contudo, ele apontou que, com a edição da Lei 11.382/2006, passou-se a admitir, no Código de Processo Civil (CPC) de 1973, a substituição da penhora pelo seguro-garantia judicial, desde que o valor da apólice fosse 30% maior.

Segundo destacou Afrânio Vilela, embora fosse possível aplicar subsidiariamente as normas do CPC às execuções fiscais, parte da jurisprudência resistia à aceitação do seguro-garantia, sob o argumento de que a execução fiscal seria regida exclusivamente pela LEF. O ministro comentou que essa controvérsia começou a se dissipar apenas a partir da edição da Lei 13.043/2014, que passou a prever expressamente o seguro-garantia como forma legítima de caução, conferindo-lhe o mesmo tratamento da fiança bancária.

De acordo com o relator, o CPC de 2015 não apenas manteve esse entendimento, ao reproduzir o antigo artigo 656, parágrafo 2º (atual artigo 848, parágrafo único), como também reforçou a equivalência entre o dinheiro, a fiança bancária e o seguro-garantia judicial. Para Vilela, tal equiparação traduz a opção legislativa clara de valorizar essas modalidades de caução como instrumentos eficazes de garantia do juízo, desde que acrescidas de 30% sobre o valor do débito.

Garantia do juízo permite a suspensão da exigibilidade do crédito

O magistrado observou ainda que, a despeito da expressão “substituição da penhora”, a doutrina reconhece que a fiança bancária e o seguro-garantia produzem efeitos jurídicos equivalentes ao depósito em dinheiro. Assim, explicou, tais garantias se prestam a assegurar o juízo e a permitir, de forma legítima, a suspensão da exigibilidade do crédito não tributário.

No voto, o ministro relator lembrou que a Primeira Seção do STJ, especialmente após o julgamento do EREsp 1.381.254, consolidou o entendimento de que a apresentação de fiança bancária ou seguro-garantia, suficientes para cobrir o valor atualizado da dívida acrescido de 30%, é apta a suspender a exigibilidade do crédito não tributário. Conforme destacou, essa jurisprudência também se estende à Segunda Seção, que já reconheceu, no âmbito das execuções civis, a eficácia dessas garantias, salvo quando se demonstrar sua inidoneidade, insuficiência ou vício formal.

“Essa diretriz normativa justifica, portanto, a aceitação da fiança bancária e do seguro-garantia judicial como formas legítimas de caução para fins de suspensão da exigibilidade do crédito não tributário, especialmente quando sua utilização se mostra menos onerosa ao devedor do que a constrição direta de valores em espécie”, concluiu.

REsp 2.007.865.

Fonte: STJ

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.311), definiu que “o curso do prazo prescricional da obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública não é suspenso durante o cumprimento da obrigação de implantar em folha de pagamento imposta na mesma sentença“.
28/07/2025

Com a definição da tese – adotada por unanimidade –, podem voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos à espera da fixação do precedente qualificado. O entendimento deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

A relatora dos recursos repetitivos, ministra Maria Thereza de Assis Moura, reafirmou o entendimento consolidado pela Corte Especial no julgamento do REsp 1.340.444 e do EREsp 1.169.126, de que o prazo prescricional da obrigação de pagar quantia certa continua correndo mesmo durante o período de cumprimento da obrigação de implantação em folha.

Lei determina que inclusão em folha siga os moldes da execução por obrigação de fazer

Em seu voto, a ministra destacou que a obrigação de pagar diferenças remuneratórias ou benefícios previdenciários é uma obrigação de pagar quantia certa, enquanto a implantação em folha de pagamento deve ser tratada como uma obrigação de fazer, ainda que decorra de uma condenação pecuniária. Segundo ela, a prática e a legislação processual determinam que a inclusão em folha siga os moldes da execução por obrigação de fazer, nos termos dos artigos 536 e 537 do Código de Processo Civil (CPC), além do artigo 16 da Lei 10.259/2001 e do artigo 12 da Lei 12.153/2009.

Maria Thereza de Assis Moura esclareceu que as parcelas vencidas até a data da implantação em folha são cobradas como quantia certa, e, a partir da inclusão em folha, deixam de vencer novas parcelas. De acordo com a magistrada, as parcelas que vencem até a implantação em folha integram o cálculo que embasa a execução por quantia certa, e o valor mensal a ser pago serve tanto para definir o que será implantado em folha quanto para quantificar as parcelas em atraso.

Apesar dessa interdependência prática, a ministra frisou que as duas obrigações mantêm autonomia suficiente para que a implantação em folha não afete o curso do prazo prescricional da obrigação de pagar. Assim, apontou que, mesmo diante da pendência de providências administrativas, como a efetiva implantação em folha, a contagem da prescrição segue normalmente.

Cabe ao credor promover execução das parcelas vencidas para evitar prescrição

A ministra também recordou que, de acordo com o Decreto 20.910/1932, o prazo prescricional das dívidas da Fazenda Pública é de cinco anos, abrangendo parcelas remuneratórias e previdenciárias, com previsão de uma única interrupção e reinício da contagem após o fim do processo.

Com o trânsito em julgado da sentença condenatória – prosseguiu a relatora –, o prazo prescricional recomeça e só volta a ser suspenso com o requerimento de liquidação (artigo 509 do CPC) ou de cumprimento de sentença (artigo 534 do CPC). Ela reconheceu que, entre o fim da fase de conhecimento e o início da liquidação ou execução, pode haver um intervalo necessário para obtenção de documentos como contracheques e fichas financeiras – diligências que, mesmo quando realizadas extrajudicialmente, não suspendem automaticamente a prescrição.

A ministra observou que, embora a implantação em folha tenha impacto direto no valor da execução por quantia certa, isso não justifica a suspensão do prazo prescricional, razão pela qual cabe ao credor, diante do risco de prescrição, promover desde logo a execução das parcelas vencidas, podendo as vincendas ser incluídas posteriormente ou quitadas diretamente pela administração.

REsp 2.139.074.

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que o pagamento do legado de renda vitalícia pode ser exigido dos herdeiros instituídos pelo testador independentemente da conclusão do inventário. Como o testador não fixou outra data, o colegiado entendeu também que os pagamentos são devidos desde a abertura da sucessão.
24/07/2025

O falecido, casado pelo regime da separação convencional de bens, deixou testamento público beneficiando suas duas filhas com a parte disponível do patrimônio. A viúva foi instituída como sua legatária de renda vitalícia, cujo pagamento ficou sob a responsabilidade das herdeiras.

Durante o inventário, o juízo deferiu o pagamento mensal da renda vitalícia à viúva. As herdeiras recorreram, e o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) determinou a suspensão do legado até a conclusão do inventário. No recurso ao STJ, a viúva requereu o pagamento do benefício a partir da abertura da sucessão, alegando que é idosa e precisa do dinheiro para se manter.

Sem decisão do testador, pagamento começa na abertura da sucessão

A relatora na Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, explicou que o testador pode atribuir fração do seu patrimônio – que é diferente da herança – ao legatário, que será sucessor de direito individualmente considerado, desvinculado do patrimônio deixado, cabendo aos herdeiros o seu pagamento.

“Os herdeiros, recebendo o benefício testamentário, terão o ônus de cumprir com o legado, realizando o pagamento das prestações periódicas conforme estipulado em testamento”, completou.

A ministra lembrou que o testador pode decidir quando será o termo inicial do pagamento do legado de renda vitalícia, mas, se nada for declarado, será considerado como data de início o dia da abertura da sucessão, de acordo com o artigo 1.926 do Código Civil.

Benefício que garante subsistência não pode aguardar fim do inventário

Nancy Andrighi comentou que, como regra, cabe ao legatário pedir aos herdeiros o benefício que lhe foi deixado no testamento, após o julgamento da partilha. Contudo, ela ressaltou que o recebedor de renda vitalícia que visa garantir sua subsistência não pode aguardar o término do inventário, processo normalmente demorado.

Nesse sentido, a ministra observou que o legado de renda vitalícia possui natureza assistencial, assim como o legado de alimentos, e é possível concluir que o seu pagamento deverá ser feito desde o falecimento do testador, visando garantir a natureza jurídica do próprio instituto.

Para a relatora, o testador procurou providenciar o suprimento das necessidades de pessoa que dele dependia economicamente, não sendo justo ela permanecer tanto tempo sem os recursos necessários à sua manutenção.

Por outro lado, a relatora observou que o legado não poderia ser pedido caso estivesse em curso uma ação sobre a validade do testamento, ou se o legado tivesse sido instituído com uma condição suspensiva ainda pendente ou com prazo ainda não vencido. Como nada disso foi verificado na situação em análise, a ministra deu provimento ao recurso da viúva e determinou o restabelecimento imediato do pagamento das prestações mensais, as quais são devidas desde o falecimento do testador, independentemente da conclusão do inventário.

REsp 2.163.919.

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou um acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) ao verificar que os advogados de uma das partes não foram intimados com a antecedência prevista em lei sobre a realização da sessão virtual de julgamento.
21/07/2025

O colegiado aplicou o entendimento segundo o qual a falta de intimação para a sessão de julgamento e, consequentemente, a inviabilização da sustentação oral não são questões meramente formais que se resolvem com a republicação do acórdão. Para a turma julgadora, os tribunais têm o dever de evitar essa irregularidade e proteger os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Na origem, um casal ajuizou ação por danos morais e materiais contra a construtora que lhes vendeu um apartamento. O TJSP, em julgamento de apelação, descartou a ocorrência de danos morais. Em embargos de declaração, os autores da ação apontaram que o julgamento – realizado em sessão virtual – deveria ser anulado por falta de intimação das partes.

Com a rejeição dos embargos, o casal reiterou a tese da nulidade em recurso ao STJ, argumentando que o julgamento ocorreu no dia seguinte à distribuição do processo, sem chance de manifestação. Citando regra prevista em resolução do próprio TJSP, os recorrentes afirmaram que o tribunal desrespeitou o prazo de cinco dias úteis, contados da publicação da distribuição, para que as partes pudessem se opor ao julgamento em sessão virtual.

Contraditório não pode ser afastado em nome da rapidez

O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, apontou dispositivos de resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, desde 2020, em razão da pandemia da Covid-19, ampliaram as hipóteses de julgamento por meio eletrônico e asseguraram a sustentação oral em sessões virtuais. Um exemplo citado foi o artigo 4º da Resolução CNJ 591/2024.

O ministro acrescentou que o artigo 935 do Código de Processo Civil estabelece o prazo mínimo de cinco dias entre a publicação da pauta e a realização da sessão de julgamento – regra que também se aplica ao julgamento virtual.

“Com efeito, conforme se colhe dos autos, o processo foi distribuído ao relator no tribunal de origem em 22/9/2020, e o recurso de apelação foi julgado em 23/9/2020, sem que tenha havido intimação das partes acerca da sessão de julgamento”, observou o relator. Segundo ele, as regras que garantem o direito ao contraditório não podem ser afastadas em nome da celeridade processual.

“Diversamente do afirmado pela corte de origem nos aclaratórios, não há como afastar a existência de prejuízo para os recorrentes, mormente tendo sido provido o recurso da recorrida, sem que lhes fossem oportunizadas a devida sustentação oral e a entrega de memoriais”, concluiu Villas Bôas Cueva ao prover o recurso especial, determinando a anulação do acórdão de segundo grau e a realização de novo julgamento.

 REsp 2.136.836.

Fonte: STJ

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos de adesão pode ser considerada nula quando representa obstáculo ao acesso do consumidor brasileiro à Justiça. Segundo o colegiado, obrigar o consumidor a buscar seus direitos em tribunais estrangeiros representaria um ônus desproporcional, diante da distância geográfica, das barreiras linguísticas, das diferenças procedimentais e dos custos elevados.
17/07/2025

O caso analisado pela turma julgadora teve início em ação ajuizada por consumidora brasileira contra empresa estrangeira de apostas online. O juízo de primeira instância declarou a nulidade da cláusula de eleição de foro, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Para o tribunal, além de se tratar de um contrato de adesão, a cláusula que estipulava o foro de Gibraltar, na Península Ibérica, para resolução de qualquer pendência entre as partes tornaria inviável o acesso da autora ao Judiciário.

Ao recorrer ao STJ, a empresa de apostas alegou que a Justiça brasileira não teria competência para julgar o caso, já que, segundo os termos contratuais, qualquer disputa deveria ser resolvida em Gibraltar, onde ela está sediada. Argumentou ainda não possuir domicílio, agência ou filial no Brasil, e que a cláusula de eleição de foro deveria prevalecer, conforme os artigos 25 e 63, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil (CPC), que visam proteger o réu e evitar abusos processuais.

Cláusula que elegeu o foro foi imposta unilateralmente pela empresa

O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que, embora o artigo 25 do CPC admita, em regra, a validade da cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos internacionais, o parágrafo 2º desse dispositivo impõe a observância do artigo 63, parágrafos 1º a 4º, que permite ao juiz declarar de ofício a ineficácia da cláusula abusiva.

O ministro Antonio Carlos Ferreira ressaltou que, à luz do princípio da vulnerabilidade previsto no artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o consumidor deve ser reconhecido como a parte mais fraca da relação jurídica, o que impõe que seja protegido contra práticas que restrinjam ou inviabilizem o exercício de seus direitos. O relator enfatizou que essa vulnerabilidade se revela de maneira ainda mais acentuada nas relações de consumo transnacionais realizadas em ambiente digital.

Nesse contexto, o ministro apontou que, para se declarar a nulidade de cláusula de eleição de foro estrangeiro, é necessário que o contrato seja de adesão, que o consumidor seja hipossuficiente e que haja efetiva dificuldade de acesso à Justiça. Segundo o relator, todos esses critérios foram devidamente reconhecidos no caso em análise, justificando a invalidação da cláusula, a qual “não foi objeto de negociação específica, tendo sido imposta unilateralmente pela empresa provedora do serviço”.

Empresa de apostas direcionava seus serviços ao público brasileiro

Antonio Carlos Ferreira destacou que a empresa direcionava seus serviços especificamente ao público brasileiro, o que se evidencia diante da disponibilização do site em língua portuguesa, do suporte técnico no Brasil e da possibilidade de apostas em moeda nacional. Para o relator, tudo isso configura vínculo jurídico substancial com o território brasileiro, suficiente para justificar a incidência das normas processuais nacionais e a competência da Justiça brasileira, pouco importando a localização da sede da empresa.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2210341
Fonte: STJ
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Para pedir busca e apreensão de um bem financiado com garantia de alienação fiduciária que esteja com as prestações em atraso, o credor deve antes enviar notificação ao devedor. A lei diz que essa notificação poderá ser feita por carta registrada, mas não impede outros meios.

O STJ decidiu que a notificação por email pode ser considerada válida, desde que enviada ao endereço eletrônico indicado pelo devedor no contrato e desde que o recebimento da mensagem seja comprovado, independentemente de quem a tenha recebido.

Saiba mais: http://kli.cx/q9e7

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a assistência jurídica qualificada prevista na Lei Maria da Penha é obrigatória, inclusive nas ações submetidas ao tribunal do júri. Segundo o colegiado, a nomeação automática da Defensoria Pública como assistente é medida de tutela provisória, válida na ausência de manifestação expressa da vítima – a qual pode optar por advogado particular a qualquer tempo.
15/07/2025

O entendimento foi firmado no julgamento de recurso especial do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que questionava a atuação da Defensoria como representante dos interesses da mãe, do irmão e do filho de uma vítima de feminicídio, reconhecidos judicialmente como vítimas indiretas.

O 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro havia deferido o pedido de assistência qualificada formulado pela Defensoria Pública. O MPRJ recorreu, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a decisão. No STJ, o órgão ministerial sustentou, entre outros pontos, que a lei não prevê a possibilidade de a Defensoria Pública representar simultaneamente o acusado e os interesses da vítima ou das vítimas indiretas, razão pela qual requereu a revogação da decisão.

Defensoria pode atuar na defesa do acusado e na proteção da vítima

Em seu voto, o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do recurso, rejeitou o argumento do MPRJ, pois tal entendimento levaria à conclusão ilógica de que dois advogados privados pertencentes à mesma seccional da OAB estariam impedidos de representar partes opostas no mesmo processo.

Paciornik destacou que a natureza institucional da Defensoria Pública não impede que defensores distintos, dotados de independência funcional – conforme assegura o parágrafo 6º do artigo 4º da Lei Complementar 80/1994 –, atuem simultaneamente na defesa do acusado e na proteção dos interesses da vítima, desde que não haja coincidência entre os profissionais designados para cada função.

Estado deve fornecer assistência jurídica completa

O ministro ressaltou que a Lei Maria da Penha, em seus artigos 27 e 28, impõe de forma obrigatória a prestação de assistência jurídica qualificada às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Para o magistrado, a conjugação desses dispositivos legais reafirma o dever do Estado de fornecer assistência jurídica completa, em consonância com o artigo 134 da Constituição Federal, que atribui à Defensoria Pública a orientação e a defesa dos necessitados. “Tais dispositivos de lei não criaram uma nova modalidade de intervenção de terceiros, apenas preconizaram a presença de advogado ou defensor público a fim de orientar, proteger e fazer valer os direitos da vítima de violência doméstica do sexo feminino”, disse.

Ao analisar a incidência desse direito nos processos de competência do tribunal do júri, o relator afastou qualquer restrição à assistência jurídica qualificada nos casos de feminicídio. Paciornik frisou que a expressão utilizada no artigo 27 da Lei Maria da Penha – “em todos os atos processuais, cíveis e criminais” – deve ser interpretada de forma ampliativa, reforçando a necessidade de uma assistência especializada e humanizada também no âmbito do tribunal do júri.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Sob o rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que “a vedação ao reexame necessário da sentença de improcedência ou de extinção do processo sem resolução do mérito, prevista pelo artigo 17, parágrafo 19, IV, combinado com o artigo 17-C, parágrafo 3º, da Lei de Improbidade Administrativa, com redação dada pela Lei 14.230/2021, não se aplica aos processos em curso, quando a sentença for anterior à vigência da Lei 14.230/2021″.
14/07/2025

A regra do reexame necessário determina que o juiz envie para análise do tribunal as sentenças que forem contrárias à União, aos estados ou aos municípios, mesmo que as partes do processo não recorram. A confirmação do tribunal é uma condição para que tais sentenças tenham efeito.

Segundo o relator do Tema 1.284, ministro Teodoro Silva Santos, vigora no ordenamento jurídico brasileiro o sistema de isolamento dos atos processuais, o qual determina a aplicação imediata da legislação processual nova aos atos ainda não praticados, respeitados os que já foram realizados na forma da legislação anterior.

O ministro explicou que a vedação ao reexame necessário, introduzida pela Lei 14.230/2021, tem aplicação imediata aos processos em curso, atingindo atos ainda não praticados – o que respeita o princípio tempus regit actum, garante segurança jurídica e atende à natureza eminentemente processual da alteração legislativa.

De acordo com o relator, a interpretação acerca da necessidade do reexame obrigatório na ação de improbidade depende do momento em que a sentença foi prolatada, se antes ou depois da mudança na lei.

Aplicação da lei vigente no momento da prolação da sentença

REsp 2.117.355, um dos representativos da controvérsia, teve origem em ação civil pública por ato de improbidade administrativa julgada extinta em primeira instância, o que ensejou a remessa necessária à segunda instância. Esta, por sua vez, aplicou ao processo em curso a alteração da Lei 14.230/2021 que passou a vedar o reexame necessário da sentença de improcedência ou extinção sem resolução de mérito em ações de improbidade.

Para Teodoro Silva Santos, o tribunal local não considerou que a jurisprudência consolidada do STJ determina a aplicação da lei vigente no momento da prolação da sentença, afastando a retroatividade das normas processuais, conforme o artigo 14 do Código de Processo Civil (CPC).

A alteração legislativa – afirmou o ministro – não deve retroagir às decisões proferidas antes de sua entrada em vigor, que ocorreu na data da publicação, em 26 de outubro de 2021. No caso em análise, o ministro verificou que a sentença impugnada foi proferida em 17 de março de 2021, antes da vigência da nova norma.

“Quando prolatado, o ato estava sob a vigência da Lei 8.429/1992 em sua redação original, e os fatos consolidados sob a legislação anterior não são regidos pela nova norma processual, o que preserva a segurança jurídica e a integridade dos atos processuais já praticados, à luz do princípio tempus regit actum“, observou.

Leia o acórdão no REsp 2.117.355.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2117355REsp 2118137REsp 2120300
Fonte: STJ
Uma tendência observada nos Tribunais de Justiça brasileiros vem sendo referendada pelo Superior Tribunal de Justiça: a de restringir as absolvições em casos de furto famélico quando o bem subtraído “não mata a fome”, nem pode ser consumido imediatamente.

14 de julho de 2025

Freepik

carrinho de supermercado com compras

Tribunais têm afastado furto famélico de alimentos que não são de consumo imediato ou nutritivos para matar a fome

A decisão colegiada mais recente é da 5ª Turma do STJ, no caso de um homem condenado por furto de seis barras de chocolate avaliadas em R$ 30. O Habeas Corpus da Defensoria Pública de São Paulo teve a ordem denegada por votação unânime.

Relator, o ministro Messod Azulay apontou que chocolate “não consubstancia alimento apto a saciar uma necessidade premente, que, aliás, sequer se mostrou comprovada durante a instrução, mas voltava-se a proporcionar mero deleite ao paciente”.

O outro acórdão é da 6ª Turma, que negou provimento a recurso especial de um homem condenado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina por furtar 3,5 quilos de carne de um supermercado, avaliados em R$ 118,15.

A corte estadual entendeu que não há provas de que o crime foi cometido estimulado pela fome porque o réu, além de reincidente, trabalhava de carteira assinada. Relator do HC, o ministro Rogerio Schietti acrescentou que o bem furtado — carne crua — não é consumível imediatamente.

Jurisprudência em transformação

Essas posições, de fato, desafiam a benevolência da jurisprudência brasileira para os casos de furto famélico. A posição até então era de que cabe absolvição e aplicação do princípio da insignificância até mesmo em caso de furto qualificado nessas condições.

A mesma 6ª Turma, por exemplo, absolveu um homem que foi processado pelo furto de duas galinhas ao aplicar o argumento do furto famélico, apesar de não se tratar de alimento consumível imediatamente — esse ponto não chegou a ser levantado naquele caso.

O país viu um aumento expressivo do número de furtos famélicos, motivados pela pobreza crescente da população devido crises econômicas recentes. Em 2020, 25% dos casos de furto no Rio de Janeiro permitiriam a aplicação do princípio da insignificância.

Em outros momentos, a insistência em condenações por furtos famélicos levou o tribunal a fazer apelos frente o clima punitivista que se manifesta tanto no próprio Poder Judiciário quanto em discussões legislativas.

Furto famélico?

Cada critério para avaliar a atipicidade de um furto — a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social na ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica — não incide de forma isolada.

É o que permite que o STJ, por exemplo, absolva pessoas acusadas de furtar alimentos mesmo quando reincidentes ou quando o valor dos bens supera o marco de 10% do valor do salário mínimo à época dos fatos — nota de corte definida pela jurisprudência.

Por outro lado, permite também que adote outros elementos específicos do caso. Em 2022, a 6ª Turma levou em conta o fato de um furto ter sido praticado de modo sofisticado e de os bens furtados serem alimentos nobres — camarão descascado e cozido.

Que o STJ tenha aderido a argumentos como a capacidade de matar a fome do alimento furtado ou a possibilidade de seu consumo imediato indica que as restrições comumente usadas pelos tribunais de apelação estão ganhando tração.

Consumo imediato

Essas restrições aparecem em decisões monocráticas recentes em que ministros do STJ concederam a ordem de Habeas Corpus para absolver pessoas que praticaram furto porque precisavam comer.

Uma decisão da ministra Daniela Teixeira, por exemplo, absolveu um homem que furtou cinco peças de carne e um pacote de bebida láctea. A condenação havia sido confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

A corte estadual entendeu que “as peças de carne foram subtraídas in natura, e, assim como o achocolatado, não se prestavam ao consumo imediato, e, portanto, não poderiam saciar imediatamente a fome da acusada”. E ainda que “a quantidade de carne subtraída era muito superior à necessária”.

Outra decisão da ministra absolveu homem condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pelo furto de duas peças de bacalhau, que teria sido motivado para atender ao desejo de sua mulher. A alegação do acórdão estadual é de que não se trata de alimento “hipoteticamente destinado a suprir necessidade nutricional básica dos indivíduos”.

Carnes nobres

Outro caso é de um Habeas Corpus denegado pelo ministro Joel Ilan Paciornik porque o réu, que furtou pedaço de picanha e fraldinha, responde a outra ação penal e o bem furtado tem valor maior que 10% do salário mínimo.

A condenação foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que considerou “conveniente seria a opção justamente por cortes nobres de carne vermelha, época em que a proteína animal estava sabidamente mais cara em proporção ao salário.”

Em decisão monocrática, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca manteve uma condenação imposta pelo TJ-SP a um réu que furtou pacote de café, peça de contrafilé e picanha, pacote de torradas, pacote de farofa, seis Yakults, quatro tangerinas e papel toalha.

O tribunal paulista destacou que os alimentos “exigiam preparo prévio para consumo e, portanto, não poderiam saciar imediatamente a fome” e que “a quantidade de produtos subtraída é muito superior àquela necessária para o consumo imediato”.

Os miseráveis

Para Caio Granduque José, da Defensoria Pública de São Paulo, a postura do STJ e dos tribunais de apelação gera preocupação, especialmente diante do contexto de uma população potencialmente empobrecida diante de seguidas crises econômicas no país.

“A questão que deveria importar é se o furto visa aumentar o patrimônio ou saciar a fome. Se for para saciar a fome, está resolvido. Mas, se prevalecer essa restrição, só vai caracterizar o furto famélico se envolver um pedaço de pão, algum ultraprocessado”, avalia.

Ele pontua que a jurisprudência mais recente excluiria o reconhecimento do estado de necessidade em situações que são usadas como exemplo pela doutrina, como a do pai que furta alimentos no mercado para preparar para terceiros — os filhos — já em casa.

“A Defensoria Pública vê com preocupação, porque são critérios que vão restringindo a aplicação do instituto a ponto de se pensar se estamos dando mesmo tratamento à miséria que se dava no século 19”, diz.

A referência é ao romance Os Miseráveis, publicado pelo escrito francês Victor Hugo em 1862. O protagonista, Jean Valjean, é preso ao roubar um pedaço de pão para alimentar a família, passa 19 anos servindo como prisioneiro e, libertado, tem que lidar com sua marginalização.

HC 885.032 (furto de chocolates)
AREsp 2.791.926 (furto de carne crua)
AREsp 1.616.943 (furto de duas galinhas)
HC 747.651 (furto sofisticado de alimentos nobres)
HC 952241 (furto de carne e achocolatado)
AREsp 2746047 (furto de duas peças de bacalhau)
HC 964.319 (furto de cortes nobres da carne vermelha)
AREsp 2043217 (furto de café, carne, torradas, alho e farofa)

  • – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
    Fonte: Conjur