Segundo turno pelo Senado nesta terça-feira (2/9), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023 vem sendo amplamente criticada pela advocacia por promover um calote nos precatórios dos municípios e estados. A norma, que limita esses pagamentos e acaba com o prazo para sua quitação, tem previsão de promulgação na próxima terça (9/9).
Congresso aprovou PEC que eterniza dívidas de precatórios dos estados e municípios
4 de setembro de 2025
A principal crítica está relacionada aos prejuízos para os credores de precatórios estaduais e municipais, que já sofriam com os atrasos constantes nos pagamentos e agora ficarão sem qualquer previsão de receber os valores aos quais têm direito por decisões judiciais. Especialistas no assunto avaliam que a PEC busca apenas beneficiar o Estado no curto prazo.
O texto restringe os pagamentos dos precatórios dos estados e municípios a diferentes percentuais da receita corrente líquida (RCL), que variam conforme a razão entre o estoque de precatórios atrasados e a RCL. A proposta também retira qualquer limite de tempo para a quitação desse estoque.
A PEC reduz os valores que hoje são pagos pelos estados e municípios. O percentual da RCL que, conforme a proposta, deve ser depositado para o pagamento de precatórios varia de 1% a 5%. Esta última porcentagem ficaria apenas para situações em que o estoque de dívidas judiciais ultrapassa 80% da RCL.
Críticas de advogados
O Conselho Federal da OAB já informou que contestará a medida no STF logo após a promulgação. De acordo com o presidente da entidade, Beto Simonetti, “essa PEC viola frontalmente a Constituição, compromete a autoridade do Poder Judiciário e institucionaliza o inadimplemento do Estado com seus próprios cidadãos”.
Segundo Marcus Vinícius Furtado Coêlho, ex-presidente nacional da OAB e hoje membro honorário vitalício, “o calote dos precatórios desrespeita o direito de propriedade e torna inócuas as decisões do Judiciário”.
Em nota técnica enviada ao Congresso em julho, o CFOAB apontou que a PEC tem inconstitucionalidades já reconhecidas pelo STF na análise de outras emendas constitucionais sobre precatórios.
Além da nota, a entidade também apresentou um parecer técnico elaborado pelos advogados Egon Bockmann Moreira e Rodrigo Kanayama, especialistas em Direito Administrativo. Para eles, a PEC “viola direitos fundamentais dos credores atuais e das futuras gerações, que herdarão um passivo crescente e sem horizonte de quitação”.
A OAB-SP faz coro com o Conselho Federal. O presidente da Comissão de Assuntos Relacionados aos Precatórios Judiciais da seccional paulista, Vitor Boari, diz que a proposta “é uma agressão à responsabilidade fiscal e transfere para o cidadão o ônus das ações perdidas por prefeituras e estados”.
Ele prevê “muitos efeitos danosos para a saúde fiscal do país e para a credibilidade dos entes públicos”.
“O que vemos, novamente, é o Congresso Nacional com soluções midiáticas de curto prazo, legislando com olhos sempre na próxima eleição para atender à União, aos governadores e aos prefeitos e deixando ao léu todos aqueles que os elegeram”, critica Boari.
Para o administrativista Wilson Accioli Filho, não há duvida de que a PEC é um “desastre” jurídico e financeiro, tanto para a economia quanto para a confiança da sociedade no Estado.
Na sua visão, “é evidente” que o objetivo principal da proposta é postergar ainda mais o pagamento dos precatórios e barrar a quitação do estoque, de forma a “garantir ainda mais sobrevida financeira para o Estado”.
O advogado Fernando Facury Scaff, professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e colunista da revista eletrônica Consultor Jurídico, também constata que a PEC representa um calote nos credores dos poderes públicos estaduais e municipais.
Em sua coluna, Scaff já havia classificado a norma como um “vergonhoso desrespeito” às decisões do Judiciário e aos jurisdicionados, “que litigaram anos em busca de uma decisão a seu favor, e agora veem seu direito judicialmente reconhecido ser postergado por muitos outros anos, sem qualquer previsibilidade para quitação de seus créditos”.
Regras para a União
A proposta não inclui os precatórios da União no calote, mas os retira do limite de despesas primárias do governo federal a partir de 2026.
Um trecho prevê que as despesas anuais da União com precatórios serão incorporadas de forma gradual na apuração da meta de resultado primário a partir de 2027. A ideia é que, a cada ano, 10% do pagamento previsto passe a contar para a meta.
Na visão de Scaff, esse gradualismo “adia o problema, mas não o resolve”.
Por outro lado, ele comemora um ponto da PEC relativo à União: o trecho que classifica o montante principal de precatórios como despesa e os juros e a atualização monetária como dívida.
Segundo o professor, isso é importante porque a “burocracia econômica” tem classificado os precatórios como despesa e não como dívida, o que impacta nas metas fiscais.
Ele explica que precatórios são dívidas públicas cuja quitação corresponde a uma despesa. Mas, na visão dos economistas, depois do resultado primário devem ser consideradas apenas as dívidas financeiras, ou seja, aquelas cujos credores são bancos.
Assim, para Scaff, a PEC reduz o problema, mas sem resolvê-lo. Isso porque o montante original identificado como despesa primária será reduzido ao longo do tempo, e aumentará o montante de juros e atualização monetária.
Outros pontos positivos
Embora entenda que a finalidade principal da proposta é negativa, Accioli Filho destaca alguns pontos positivos. A PEC permite, por exemplo, a apreensão judicial de recursos das contas públicas caso o estado ou município não libere os recursos destinados aos pagamentos de precatórios.
Atualmente, há uma “blindagem patrimonial” do Estado, nas palavras do advogado. Os bens da administração pública são considerados impenhoráveis, devido ao risco de que essa medida paralise a “economia do ente devedor” e cause prejuízos maiores à sociedade. “A PEC trouxe uma evolução nesse sentido”, aponta.
Pelo texto, em caso de inadimplência, o estado ou município também pode ficar impedido de receber transferências voluntárias. Accioli Filho considera isso positivo: “Antes, a administração não sofria efeitos negativos externos. O efeito negativo era só diretamente para o credor do precatório.”
Por fim, ele indica uma terceira vantagem: a proposta prevê que o governador ou prefeito inadimplente “responderá na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa”. Isso obriga os chefes do Executivo a gerirem bem os precatórios, pois, do contrário, podem ser responsabilizados pessoalmente.
Hoje, se um prefeito, por exemplo, gere mal os precatórios e deixa o cargo, seu sucessor tem a incumbência de corrigir os erros. Assim, a PEC traz uma inovação importante — “um passo no sentido de quebrar essa armadura jurídica que havia para o gestor que geria mal as contas públicas”, segundo Accioli Filho.