A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que os juízes podem consultar perfis públicos de redes sociais de investigados e utilizar essas informações como fundamento para decretar prisão preventiva ou outras medidas cautelares. Segundo o colegiado, esse tipo de consulta não viola o sistema acusatório nem compromete a imparcialidade do magistrado, desde que respeitados os limites legais.
A controvérsia teve início em exceção de suspeição movida contra um juiz que, ao examinar o pedido de prisão preventiva e outras medidas cautelares apresentado pelo Ministério Público, consultou as redes sociais do réu para conferir dados mencionados na denúncia.
Para a defesa, essa ação configuraria violação ao sistema acusatório estabelecido no artigo 3º-A do Código de Processo Penal (CPP), uma vez que o magistrado teria extrapolado sua função de julgador ao atuar diretamente na coleta de elementos de prova – competência que seria atribuída exclusivamente às partes. Após o indeferimento da exceção de suspeição pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), a defesa recorreu ao STJ.
Juiz agiu dentro dos limites do sistema acusatório
Em seu voto, o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do recurso na Quinta Turma, afastou qualquer ilegalidade na conduta do juiz ao acessar as redes sociais do investigado. Segundo o relator, o magistrado agiu dentro dos limites do sistema acusatório ao exercer seu livre convencimento motivado, realizando uma diligência suplementar baseada em dados públicos.
Para Paciornik, trata-se de uma atuação legítima e compatível com a imparcialidade exigida da função jurisdicional: “Especificamente quanto ao fato de o magistrado ter realizado a consulta pessoalmente, tem-se medida de economia processual, diante da facilidade do acesso às informações públicas disponíveis em rede social. Ademais, se o magistrado pode determinar a realização de diligências, nada obsta que possa fazê-las diretamente, em analogia ao contido no artigo 212, parágrafo único, do CPP“.
Ainda de acordo com Paciornik, essa interpretação está alinhada ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, nas quais se reconheceu que o juiz, mesmo no modelo acusatório, pode determinar de ofício a realização de diligências para esclarecer pontos relevantes, ouvir testemunhas ou complementar sua oitiva, bem como proferir sentença condenatória independentemente da posição do Ministério Público.
“A atuação do magistrado deve ser considerada diligente e cuidadosa, não havendo prejuízo demonstrado à defesa”, concluiu o relator ao negar provimento ao recurso da defesa.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Fonte: STJ
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começou a discutir a definição de limites e critérios para a penhora de salário com o objetivo de quitar dívidas não alimentares.
8 de agosto de 2025
STJ vai fixar tese com critérios e limites para penhora de salário do devedor em casos de dívida não alimentar (Freepik)
O caso está em análise em um julgamento de recursos repetitivos sob a relatoria do ministro Raul Araújo e foi interrompido por pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha. A posição a ser irmada será vinculante.
A penhora do salário do devedor para quitar tais dívidas é expressamente vedada pela lei. O artigo 833, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil diz que isso só pode ocorrer se o devedor tiver renda mensal de mais de 50 salários mínimos.
Em 2025, isso significa admitir a penhora do salário só de quem recebe mais de R$ 75,9 mil por mês, um padrão muito fora da realidade social brasileira. Foi o que levou o STJ a flexibilizar a lei em diversos precedentes a partir de 2018.
Critérios
O voto de Raul Araújo propôs a adoção de alguns critérios objetivos para orientar como essa flexibilização deve ocorrer:
— O mínimo existencial para a sobrevivência digna do devedor será sempre impenhorável. Esse valor seria algo em torno de dois salários mínimos, conforme cogitou o relator (R$ 3.036);
— O valor do salário que exceda a marca de 50 salários mínimos será plenamente penhorável, inclusive em sua integralidade;
— O valor que esteja entre o mínimo existencial e a marca de 50 salários mínimos poderá ser penhorado observando limites máximos de até 45% do montante.
O voto ainda aponta que a relativização da regra da impenhorabilidade do salário deve ser tomada pelos juízes e tribunais como excepcional e só pode ser adotada se cumpridas duas exigências:
— Quando outros meios que possam garantir a efetividade da execução estiverem inviabilizados;
— Desde que o impacto da penhora do salário na subsistência digna do devedor e de sua família seja concretamente avaliado pelo julgador.
Penhora de salário generalizada
Trata-se da primeira tentativa do STJ de normatizar a flexibilização do artigo 833, inciso IV, do CPC de 2015. Outras tentativas foram feitas pelas instâncias ordinárias, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais aprovou tese em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) autorizando esse tipo de penhora, desde que não ultrapasse o limite de 30% da verba líquida.
Esse número é o mesmo usado pela Lei 10.820/2003 para limitar o desconto no salário nos casos de empréstimo consignado.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul também aprovou IRDR no mesmo sentido, acrescentando que a penhora de 30% do salário só será possível se não comprometer a subsistência do devedor.
No geral, no entanto, impera a falta de uniformidade. A ConJur listou decisões de outras cortes admitindo a penhora de percentuais de salários de pessoas que recebiam valores tão baixos quanto R$ 1,9 mil por mês.
Consequências
O julgamento na Corte Especial teve sustentações orais de partes que defenderam a jurisprudência construída a partir das decisões de flexibilização promovidas pelo STJ.
Do lado oposto, a argumentação focou no impacto negativo dessa posição. Gustavo Dantas Carvalho, defensor público de Sergipe, destacou que a consequência inevitável na maioria dos casos será mesmo a penhora do salário.
Ele propôs uma relevante definição: que se imponha ao credor o ônus de comprovar que a penhora não atinge a subsistência digna do devedor.
“Caso contrário, haverá um efeito em cascata indireto. A pessoa que deve não vai conseguir provar que isso não afeta sua subsistência, porque na economia existem coisas informais. Isso vai até estimular o emprego informal. O devedor vai preferir não ter carteira assinada.”
Ele ainda disse que o limite de 50 salários mínimos para admitir a penhora foi propositalmente escolhido pelo legislador como forma de proteger o devedor e equilibrar o jogo.
Esse ponto também foi destacado por Clarice Frechiani Lara Leite, que falou em nome do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Ela apontou que o Congresso rejeitou projetos de lei que visavam reduzir esse limite.
Assim, se o STJ transformar uma norma fechada em norma aberta, a consequência será uma maior abertura para os exequentes, que preferirão discutir a penhora dos salários dos devedores, acrescentou a advogada.
José Aurélio de Araújo, pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, disse na sustentação oral que a busca pela efetividade da cobrança da dívida não pode gerar violação de direitos fundamentais.
Ele afirmou também que, se os integrantes do sistema financeiro emprestam dinheiro sem os devidos cuidados, isso não basta para autorizar o avanço sobre os meios de subsistência dos devedores brasileiros.
Para Araújo, a flexibilização da lei para admitir a penhora de salários “importará em uma nova distribuição de renda no país: dos mais pobres para as instituições financeiras”.
Teses
O ministro Raul Araújo propôs duas redações para a tese vinculante:
Tese 1
A relativização da regra da impenhorabilidade de verba de caráter remuneratório para pagamento de dívida de natureza não alimentar, independentemente do valor percebido pelo devedor, é medida excepcional a ser adotada quando:
1) Inviabilizado outros meios executórios que possam garantir efetividade da execução;
2) Desde que avaliado concretamente o impacto da constrição na subsistência digna do devedor e familiares.
Para tanto, devem ser observados os seguintes critérios:
1) O mínimo existencial digno para a subsistência do devedor será sempre impenhorável;
2) O valor excedente a 50 salários mínimos mensais será plenamente penhorável, conforme se extrai da lei, inclusive em sua integralidade;
3) O valor entre o mínimo existencial digno e os 50 salários mínimos mensais será relativamente penhorável, observando limite máximo na faixa entre 45% e 35% da remuneração.
Tese 2
A regra geral da impenhorabilidade de verba de caráter remuneratório (artigo 833, inciso IV, do CPC) pode ser mitigada para pagamento de dívida de natureza não alimentar quando, frustradas outras tentativas ou meios executórios, for preservado percentual de verbas capaz de assegurar a existência digna do devedor e seus familiares.
Para tanto, devem ser observados os seguintes critérios:
1) O mínimo existencial digno para a subsistência do devedor será sempre impenhorável;
2)) O valor excedente a 50 salários mínimos mensais será plenamente penhorável, conforme se extrai da lei, inclusive em sua integralidade;
3) O valor entre o mínimo existencial digno e os 50 salários mínimos mensais será relativamente penhorável, observando limite máximo na faixa entre 45% e 35% da remuneração.
REsp 1.894.973
REsp 2.071.335
REsp 2.071.382
Senado aprova isenção do IRPF para quem recebe até 2 salários mínimos; texto segue para sanção presidencial
O Plenário do Senado aprovou nesta quinta-feira (7) a isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem recebe até dois salários mínimos, o equivalente a R$ 3.036. O Projeto de Lei (PL) 2.692/2025 segue para a sanção presidencial. A isenção valerá a partir do mês de maio do ano-calendário 2025.
Apresentada pelo líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), a proposta repetiu o teor da medida provisória (MP) 1.294/2025, cuja validade termina na próxima segunda-feira (11). O relator no Senado foi o líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), que construiu um acordo para a aprovação do texto sem alterações.
Ele rejeitou algumas emendas, a exemplo da que pedia a extensão da isenção do IRPF para quem recebe até R$ 7,3 mil. Jaques argumentou que qualquer modificação agora levaria o texto a voltar para a Câmara dos Deputados, inviabilizando a mudança antes do fim do prazo da medida provisória. O senador ponderou que o assunto já é tratado em um projeto de lei em análise na Câmara, sob relatoria do deputado Arthur Lira (PP-AL).
O PL 1.087/2025 é de autoria do próprio governo e isenta de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês a partir de 2026. O relatório de Lira eleva de R$ 7 mil para R$ 7.350 a renda máxima que terá redução parcial do IR. Jaques convenceu os demais senadores, afirmando que existe a previsão de esse texto ser votado pela Câmara na próxima semana.
— Se eu aceitasse agora [as emendas ao PL 2.692/2025], inviabilizaria a aprovação do texto antes do fim do prazo da MP e, com isso, as pessoas deixariam de ser beneficiadas com a medida. O que os senhores querem, eu também quero e o governo também quer. Essa tabela [de reforma do IR] é uma primeira parte [do pacote] e creio que semana que vem a Câmara deve votar esse projeto.
Jaques Wagner também ressaltou que, para aumentar a faixa de isenção do IRPF para quem recebe valores acima de R$ 5 mil, é preciso haver uma compensação financeira, para que a medida não esbarre na Lei de Responsabilidade Fiscal.
O senador Carlos Viana (Podemos-MG) insistiu que as mudanças englobando as pessoas que recebem acima de R$ 5 mil foram um acordo costurado para a aprovação do PL 2.692/2025 nesta quinta-feira. Após a argumentação de Jaques, Viana desistiu da emenda, mas disse esperar a votação do PL 1.087/2025 na próxima semana. Ele também disse que ficará atento para que essa proposta não resulte em aumento de impostos.
Fonte: Agência Senado
Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a suspensão de ação indenizatória contra uma seguradora, por entender que seu resultado dependia diretamente da solução de um processo que já tramitava em juízo arbitral.
07.08.2025
Ao apontar a ocorrência de prejudicialidade externa, o colegiado se baseou no artigo 313, inciso V, alínea a, do Código de Processo Civil (CPC), o qual prevê o sobrestamento do processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que seja o objeto principal de outro processo pendente.
Na origem do caso, uma companhia petrolífera rescindiu o contrato firmado com uma empresa para a implantação de unidades de abatimento de emissões. Antes do acordo, entretanto, já se sabia que a prestadora de serviços enfrentava dificuldades financeiras. Por isso, foi exigido que ela contratasse um seguro para garantir o cumprimento das obrigações assumidas.
Após a seguradora negar a cobertura securitária, a petrolífera foi à Justiça e obteve êxito nas instâncias ordinárias. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) declarou a inexistência de prejudicialidade entre a ação e um procedimento arbitral já instaurado entre a tomadora do seguro (empresa prestadora de serviços) e a segurada (companhia petrolífera).
No recurso ao STJ, a seguradora pediu a anulação do acórdão do TJRJ e a suspensão do processo, alegando que a existência simultânea de procedimento arbitral e ação judicial sobre o mesmo assunto configura prejudicialidade externa.
Uma das causas deve avançar para que a questão principal seja resolvida
O relator na Terceira Turma, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, observou que a instauração da arbitragem ocorreu logo após a rescisão do contrato garantido pelo seguro, conforme previsto em cláusula de resolução de conflito. Ele detalhou que o procedimento busca saber de quem é a culpa pelo fracasso do empreendimento, entre outras questões essenciais.
“O resultado da presente lide, relativa ao contrato de seguro, depende diretamente da solução a ser encontrada no processo que tramita no juízo arbitral, havendo prejudicialidade externa”, destacou o ministro.
Segundo ele, a prejudicialidade é estabelecida a partir da dependência que uma causa, subordinada, tem em relação a outra, externa e subordinante, podendo implicar a suspensão temporária da primeira. Dessa forma – continuou o relator –, uma das causas avançará para que a questão principal seja solucionada, influenciando a forma pela qual a questão subordinada será decidida.
Seguradora sub-rogada deve se submeter à cláusula compromissória
Villas Bôas Cueva afirmou que é essencial definir, no processo arbitral, a responsabilidade da tomadora do seguro e da segurada pelo insucesso da obra, para somente depois proceder à correta regulação do sinistro com vistas ao pagamento da indenização – considerando-se aí as disposições relativas à eventual perda da garantia securitária.
Citando jurisprudência do STJ, o ministro acrescentou que há entendimento consolidado no sentido de que a seguradora sub-rogada deve se submeter à cláusula compromissória prevista no contrato firmado pelo segurado (ou tomador), de modo a prevalecer, nesses casos, a competência do juízo arbitral para o exame e o julgamento da demanda regressiva.
“A ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral avençada no contrato principal objeto do seguro-garantia dá ensejo à sua submissão à jurisdição arbitral, já que integra a unidade do risco objeto da própria apólice securitária quando da avaliação do risco pelo ente segurador”, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso especial.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Fonte: STJ
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que o crédito decorrente de serviços advocatícios prestados durante a recuperação judicial, por ter natureza extraconcursal, não está sujeito à limitação de valor imposta aos créditos trabalhistas concursais. Segundo o colegiado, a Lei 11.101/2005 não prevê qualquer subdivisão entre créditos extraconcursais em razão de seu valor, e a imposição dessa restrição destoaria da ordem de pagamentos definida legalmente.
O entendimento foi firmado no julgamento de recurso especial interposto por um escritório de advocacia que buscava reformar decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), a qual, embora tenha reconhecido a natureza extraconcursal do crédito decorrente de honorários contratuais, determinou o pagamento apenas até o limite de 150 salários mínimos, devendo o excedente ser classificado como crédito quirografário no processo de falência.
Para o TJPR, embora o crédito tivesse origem em obrigação assumida durante a recuperação judicial – o que o tornava extraconcursal e, em tese, com prioridade de pagamento na falência –, sua natureza alimentar justificaria a equiparação aos créditos trabalhistas. Com base nesse raciocínio, o tribunal aplicou a limitação prevista no artigo 83, inciso I, da Lei 11.101/2005, amparando-se no entendimento consolidado pelo STJ no Tema 637 dos recursos repetitivos.
Objetivo da proteção é assegurar a continuidade da atividade empresarial
A ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso especial dos advogados no STJ, destacou que o crédito discutido foi constituído após o deferimento da recuperação judicial e, por isso, possui natureza extraconcursal, nos termos dos artigos 67 e 84, inciso I-E, da Lei 11.101/2005 – fato que não foi objeto de controvérsia no processo.
A ministra observou que não se aplica ao caso o entendimento firmado no Tema 637 do STJ, pois ele trata da limitação de créditos concursais referentes a honorários advocatícios sucumbenciais. De acordo com a relatora, o precedente mencionado envolve créditos anteriores à falência, ao passo que o crédito em análise foi gerado durante a recuperação, o que o afasta da limitação prevista no artigo 83, inciso I, da Lei de Falências.
Para a Gallotti, a tentativa do TJPR de impor uma limitação de valor ao crédito extraconcursal carece de fundamento legal. Ela ressaltou que a Lei 11.101/2005 não prevê subdivisões dentro dos créditos extraconcursais. “Ao contrário do que entendeu o tribunal de origem, não existe, legalmente, ‘crédito extraconcursal trabalhista’ ou ‘crédito extraconcursal quirografário’. Os créditos extraconcursais não se submetem à gradação do artigo 83, devendo seguir a ordem própria e independente fixada no artigo 84, que constitui um concurso especial de credores”, afirmou.
A relatora lembrou ainda que o tratamento privilegiado dos créditos extraconcursais funciona como um incentivo legal para que credores sigam negociando com a empresa em crise. Conforme explicou, essa proteção tem por objetivo assegurar a continuidade da atividade empresarial, elemento central da recuperação judicial.
Fonte: STJ
7 de agosto de 2025
Corte discutia cobrança do Difal desde 2022 e possível exceção a quem foi à Justiça (Freepik)
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, pediu vista, nesta quarta-feira (6/8), dos autos do julgamento de repercussão geral em que o Plenário discute se o diferencial de alíquota (Difal) do ICMS pode ser cobrado desde 2022 ou somente a partir de 2023.
Com o pedido de vista, o julgamento voltou a ser suspenso. A sessão virtual havia começado na última sexta-feira (1º/8) e seu fim estava previsto para a próxima sexta.
Antes da interrupção, seis ministros haviam votado. Cinco deles consideraram que o Difal pode ser cobrado desde 2022 e apenas um entendeu que essa cobrança é válida somente a partir de 2023. Mas há também discordâncias quanto à possibilidade de isentar quem acionou a Justiça até a data do último julgamento do STF sobre o tema e não pagou o tributo em 2022.
O caso foi pautado com a expectativa de que houvesse uma reiteração de jurisprudência, desta vez com repercussão geral. Isso porque, em 2023, a corte analisou três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e decidiu que o Difal pode ser cobrado a partir de abril de 2022 — três meses depois da publicação da norma que regulamentou o tema. Na prática, esse entendimento pode ser revisto.
Inicialmente, a principal questão a ser discutida era a aplicação do princípio da anterioridade anual, previsto na alínea “b” do inciso III do artigo 150 da Constituição. Segundo essa regra, leis que criam ou aumentam um imposto só produzem efeitos no ano seguinte à sua publicação.
A Lei Complementar 190/2022, que reinstituiu o Difal, não menciona esse princípio, mas faz menção à anterioridade nonagesimal, prevista na alínea “c” do mesmo dispositivo, segundo a qual são necessários 90 dias para uma lei do tipo entrar em vigor.
Nos últimos dias, surgiu também a discussão sobre modulação de efeitos da decisão: caso o Difal seja validado desde 2022, alguns ministros defendem proteger quem foi à Justiça contra a cobrança do tributo naquele ano e deixou de pagá-lo.
Contexto
O Difal foi concebido em 2015 com o objetivo de equilibrar a arrecadação do ICMS pelos estados. Ele serve para que o imposto seja distribuído tanto ao estado produtor quanto ao destinatário de determinado produto ou serviço.
Em fevereiro de 2021, o STF decidiu, por 6 x 5, que é inconstitucional estabelecer o Difal por meio de ato administrativo, como vinha sendo feito até então. Naquele ano, uma lei complementar foi aprovada para regular o tributo, mas foi sancionada somente no dia 4 de janeiro de 2022.
O recurso em que o Supremo reconheceu a repercussão geral tem origem em uma ação movida por uma empresa cearense que buscava afastar a cobrança do Difal nas vendas interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS em 2022.
De acordo com o tributarista Leonardo Aguirra, sócio do escritório Andrade Maia Advogados que atua ativamente no STF em relação ao caso, o processo de repercussão geral foi pautado com a expectativa de que houvesse um alinhamento com a decisão de 2023 — a chamada reiteração de jurisprudência.
A Corte começou o julgamento de repercussão geral no último mês de fevereiro. Ele foi interrompido por um pedido de destaque do ministro Kassio Nunes Marques. Com isso, o caso seria reiniciado em sessão presencial. Mas o destaque foi cancelado em junho e a análise voltou para a sessão virtual na última sexta.
Voto do relator
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, votou pela cobrança do Difal a partir de 4 de abril de 2022 e validou as leis estaduais que instituíram a cobrança antes de a LC 190/2022 entrar em vigor. Ele foi acompanhado por Kassio Nunes Marques.
Segundo Alexandre, a lei complementar “não modificou a hipótese de incidência, tampouco da base de cálculo, mas apenas a destinação do produto da arrecadação”. Na sua visão, a técnica usada tem validade ainda no mesmo ano, pois “não corresponde a instituição nem majoração de tributo”.
Ele explicou que a anterioridade anual “protege o contribuinte contra intromissões e avanços do Fisco sobre o patrimônio privado”. Mas, no caso em debate, isso não acontece, pois o Difal já existia, era aplicado às mesmas operações e pago pelos mesmos contribuintes. Além disso, a alíquota final não foi alterada. “Em momento algum houve agravamento da situação do contribuinte”, assinalou.
Por fim, o relator pontuou que a menção à anterioridade nonagesimal na LC 190/2022 é uma opção válida do Congresso.
Proposta de modulação
O ministro Flávio Dino acompanhou a tese de Alexandre na íntegra, mas acrescentou a ela uma proposta de modulação, para que o Difal não seja cobrado dos contribuintes que acionaram a Justiça até 29 de novembro de 2023 (data da decisão nas ADIs) e não pagaram o tributo em 2022. O voto foi acompanhado por Luiz Fux e André Mendonça.
Dino explicou que, ao longo de 2021 e 2022, a interpretação de que o Difal só poderia ser cobrado em 2023 foi disseminada em pareceres, notas das Fazendas estaduais e decisões de primeiro grau. Assim, “inúmeros contribuintes, seguindo orientação técnica reputada plausível, planejaram seus preços, fluxos de caixa e obrigações acessórias pressupondo que a cobrança somente ocorreria em 2023”.
Na visão dele, permitir a cobrança “indistinta” seria equivalente a punir contribuintes “que agiram de boa-fé ao buscar o Poder Judiciário antes da consolidação jurisprudencial”.
Divergência
Já o ministro Luiz Edson Fachin divergiu dos demais e reiterou o que argumentou no julgamento das ADIs: para ele, o Difal só pode ser cobrado a partir de 2023. Mas o magistrado ressaltou que, caso seu entendimento seja novamente vencido, acompanhará a proposta de modulação do voto de Dino.
Segundo Fachin, em 2021 o STF reconheceu que o Difal não é uma “mera repartição do produto da arrecadação tributária do ICMS”, mas, na verdade, estabelece uma nova obrigação tributária, isto é, tem a mesma característica que a criação ou o aumento de tributo — tanto que foi estipulada a necessidade de lei complementar.
Ele ainda explicou que a anterioridade nonagesimal (também chamada de noventena) é “indissociável” da anterioridade anual. Isso porque a alínea “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição diz que deve ser “observado o disposto na alínea ‘b’”. Ou seja, a noventena sempre deve acompanhar a anterioridade anual, “exceto se expressamente afastada”.
Assim, na sua visão, como a LC 190/2022 faz menção à alínea “c”, também está sujeita à alínea “b”. Se a ideia fosse apenas prever a anterioridade nonagesimal, bastaria indicar expressamente o prazo de 90 dias. Mas o Legislativo optou por citar expressamente o trecho da Constituição que, por sua vez, também remete à anterioridade anual.
De acordo com o ministro, essa menção seria até mesmo “prescindível”, pois trata-se de uma “limitação constitucional explícita ao poder de tributar”.
Fachin também apontou que, conforme a jurisprudência do STF, qualquer medida de instituição ou aumento de tributo deve seguir a anterioridade anual, “independentemente do veículo legislativo que a introduz”.RE 1.426.271
A Impenhorabilidade de Valores até Quarenta Salários-Mínimos.
Por: Alexandre Tuzzolo Paulino
A regra da impenhorabilidade de valores depositados em conta bancária até o limite de quarenta salários-mínimos encontra previsão legal no art. 833, X, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015). Essa norma visa proteger o mínimo existencial do devedor, assegurando que ele mantenha recursos para sua subsistência digna, fundamento diretamente relacionado à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).
Nos últimos anos, a repercussão prática dessa proteção tem sido significativa, sobretudo diante da ampliação jurisprudencial da regra. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema Repetitivo 1054 (janeiro/2021), consolidou o entendimento de que a impenhorabilidade se estende a qualquer conta bancária, e independentemente da origem dos valores, desde que dentro do limite de quarenta salários-mínimos (R$ 60.720,00 – atualmente). Essa interpretação tem gerado diversos impactos no processo de execução, sobre a liberação de valores bloqueados pelo sistema Sisbajud, mesmo em execuções fiscais e trabalhistas.
Recentemente, em julho de 2025, o STJ promoveu uma mudança significativa na jurisprudência brasileira ao decidir, no Tema repetitivo 1.235, que a impenhorabilidade não é considerada uma regra de ordem pública e, portanto, não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. O devedor deve alegar a impenhorabilidade para que ela seja aplicada. Além disso, aumentaram os questionamentos sobre o uso estratégico da regra por devedores, que, em alguns casos, concentram valores nessa faixa para evitar a penhora e frustrar credores.
Apesar da nobre finalidade da norma, o cenário atual evidencia tensões entre a efetividade da jurisdição e a proteção patrimonial do devedor. Casos de abuso de direito, ocultação de ativos e blindagem patrimonial indevida, desafiam o Poder Judiciário, que tem buscado flexibilizar a regra em situações excepcionais, como nas execuções de alimentos ou quando comprovada má-fé.
Assim, a repercussão atual da impenhorabilidade de até quarenta salários-mínimos exige um equilíbrio entre segurança jurídica, justiça social e efetividade do processo, sendo tema ainda em discussão na doutrina e jurisprudência. A matéria continua em evolução, especialmente com o julgamento pendente, no STJ, do Tema 1.285, que busca definir com maior precisão quais modalidades de aplicação financeira estariam protegidas para a aplicação da impenhorabilidade.
Agosto de 2.025.
A tentativa de um credor de suspender a CNH do devedor como forma de forçá-lo a pagar uma dívida foi barrada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Em decisão unânime, a Quarta Câmara de Direito Privado negou provimento a um agravo de instrumento e manteve o indeferimento da medida coercitiva, por entender que não havia demonstração concreta de sua eficácia ou da frustração dos meios tradicionais de cobrança.
No caso, o credor alegou que o devedor estaria ocultando patrimônio e dificultando a execução de um título extrajudicial. Com base no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, pediu ao juízo de Primeiro Grau a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) como medida atípica de coerção. O pedido foi negado, e a decisão foi mantida em Segundo Grau.
A relatora do recurso, desembargadora Anglizey Solivan de Oliveira, destacou que a adoção de medidas que interferem em direitos fundamentais exige critérios rigorosos. “Embora o art. 139, IV, do CPC não exija expressamente o esgotamento prévio dos meios típicos, sua aplicação deve observar os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e subsidiariedade”, afirmou.
De acordo com a decisão, o próprio credor relatou ter identificado movimentações financeiras em nome de terceiros e chegou a pedir o bloqueio de valores dessas pessoas, mas teve o pedido indeferido por inadequação da via utilizada. Além disso, o juízo de origem constatou que não havia relação clara entre a suspensão da CNH e a quitação da dívida. “O exequente deixou de demonstrar a relação de causa e consequência entre a proibição de dirigir e a satisfação do título exequente, evidenciando a falta de razoabilidade da medida”, reforçou a relatora.
O colegiado lembrou ainda que a execução deve recair sobre o patrimônio do devedor e que a imposição de restrições pessoais, como a cassação de passaporte ou CNH, só se justifica em casos excepcionais. “A adoção de medidas que atinjam diretamente a esfera pessoal do executado, sem utilidade concreta na obtenção do crédito, representa desvio de finalidade executiva”, pontuou a desembargadora.
Com isso, foi mantida a decisão que negou a medida coercitiva, fixando a tese de que medidas atípicas só são cabíveis quando os meios típicos de execução forem insuficientes e houver demonstração clara de que a restrição poderá de fato contribuir para o cumprimento da obrigação.
*Por Flávia Borges
Fonte: Coordenadoria de Comunicação do TJMT – imprensa@tjmt.jus.br
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a inclusão, em uma partilha de divórcio, do crédito oriundo de previdência pública recebido pelo ex-marido durante o casamento e até a separação de fato, relativo a documento novo juntado aos autos após a contestação. Além disso, fixou pensão alimentícia à ex-esposa.
As partes foram casadas sob o regime de comunhão universal de bens por mais de 20 anos. O ex-marido ajuizou ação de divórcio com o pedido genérico de partilha do patrimônio. Logo após a audiência de instrução e julgamento, a ex-esposa requereu a inclusão de valores referentes ao pagamento atrasado de aposentadoria especial, reconhecida em ação previdenciária julgada procedente durante o divórcio.
O juízo decretou o divórcio, determinando a partilha dos bens do casal e condenando o autor ao pagamento de pensão alimentícia para a ex-mulher pelo prazo de dois anos. O tribunal de segunda instância, porém, entendeu que o pedido de inclusão de valores referentes à aposentadoria especial do ex-marido na partilha não foi feito dentro do prazo, e além disso não viu excepcionalidade que justificasse a pensão alimentícia.
Pedido genérico de partilha é possível, mas temporariamente
No STJ, a ex-esposa sustentou que os créditos referentes à previdência foram concedidos durante o processo de divórcio e que o pedido de partilha foi feito na primeira oportunidade que teve de se manifestar. Afirmou, ainda, que existiriam motivos para o recebimento da pensão.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade do pedido genérico de partilha, pois “é possível que as partes não tenham acesso a todas as informações e documentos relativos a todos os bens individualmente considerados quando do ajuizamento da demanda”.
Todavia, ela advertiu que o pedido genérico é admitido apenas temporariamente, devendo a quantificação dos bens ser feita em algum momento. Nesse sentido, enfatizou que o julgador deverá considerar os bens pertencentes ao patrimônio comum em todo o curso da demanda, não estando limitado aos bens listados na petição inicial.
Inclusão do crédito foi pedida pela parte interessada na primeira oportunidade
A ministra observou que a legislação processual autoriza a inclusão de novos documentos, de acordo com o artigo 435 do Código de Processo Civil (CPC). No entanto, apontou que a expressão “a qualquer tempo” do dispositivo não permite a juntada indiscriminada de documentos em qualquer fase e grau de jurisdição. Segundo afirmou a relatora, isso deve ser feito na “primeira oportunidade em que se puder falar do fato novo, desde que a prova esteja disponível à parte, ou no primeiro instante em que se possa opor às alegações da parte contrária”.
Para Nancy Andrighi, além de demonstrada a boa-fé da ex-esposa, não haveria razão para uma sobrepartilha, já que ainda não foi finalizado o próprio processo de divórcio.
A relatora enfatizou também que a jurisprudência do STJ considera comunicáveis os créditos oriundos de previdência pública, ainda que recebidos após o divórcio, desde que concedidos na vigência do casamento.
Em relação aos alimentos entre ex-cônjuges, a ministra apontou que devem ser fixados por tempo necessário ao reingresso no mercado de trabalho, garantindo a subsistência da parte até lá. No entanto, no caso em julgamento, ela verificou particularidades que justificam sua fixação por prazo indeterminado, pois a ex-esposa, “que abdicou de sua vida profissional para dedicar-se à vida doméstica, em benefício também do marido”, não exerce atividade remunerada há mais de 15 anos e está em tratamento de saúde.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Fonte: STJ