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A legislação brasileira permite que pessoas jurídicas – assim como acontece com as pessoas físicas – sejam consideradas consumidoras. É o que diz o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao prever – adotando a chamada teoria finalista – que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

09/09/2024

Segundo explicou a ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 2.020.811, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota a teoria finalista mitigada – ou aprofundada – para a definição de consumidor. Dessa forma, disse, o conceito abrange também o comprador que, embora não seja o destinatário final do produto ou serviço (no sentido de encerrar a cadeia de produção), se enquadre em condição de vulnerabilidade capaz de causar desequilíbrio na relação econômica.

Assim, o sistema protetivo do CDC pode ser aplicado no caso de quem, mesmo adquirindo produtos ou serviços para o desenvolvimento de sua atividade empresarial, apresente hipossuficiência técnica ou fática diante do fornecedor. A dificuldade surge na hora de reconhecer a vulnerabilidade: enquanto para o consumidor pessoa física ela é presumida, no caso da pessoa jurídica é necessário comprovar essa condição especial que autoriza a aplicação das regras protetivas do CDC – avaliação que, conforme a jurisprudência do tribunal, deve ser feita de acordo com o caso concreto.

Esta reportagem apresenta situações em que o STJ teve de decidir sobre o enquadramento de pessoas jurídicas, especialmente de empresas, na posição de consumidoras, apontando em cada caso as razões pelas quais a corte entendeu estar configurada – ou não – a condição que justifica a incidência do CDC.

Aquisições para desenvolvimento de atividade econômica

No julgamento do REsp 2.020.811 uma empresa vendedora de ingressos eletrônicos para eventos ajuizou ação de cobrança contra uma sociedade especializada em serviços de intermediação de pagamentos online, em razão de débitos que teriam sido lançados indevidamente em sua conta.

A autora da ação alegou que o vínculo estabelecido com a intermediadora configuraria uma relação de consumo, sustentando a sua hipossuficiência fática diante da outra parte – uma empresa com atuação virtual em mais de 50 países –, e que o contrato celebrado entre elas seria de adesão.

A Terceira Turma, entretanto, entendeu que não ficou demonstrada a situação de vulnerabilidade, indispensável para o reconhecimento da condição de consumidor quando o produto ou serviço é adquirido durante o desenvolvimento de atividade empresarial, como no caso em análise.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que cabe ao adquirente do produto ou do serviço comprovar sua vulnerabilidade perante o fornecedor, caso pretenda a incidência das normas do CDC.

O serviço adquirido é bem de consumo ou insumo?

Entendimento semelhante foi adotado pela Quarta Turma ao julgar o REsp 1.497.574, em que se decidiu pela não aplicação do CDC aos contratos de empréstimo firmados por uma sociedade empresária para incrementar seus negócios.

O caso se referia a uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Santa Catarina contra o Banco do Estado do Rio Grande do Sul para discutir cláusulas e encargos bancários supostamente abusivos nos contratos celebrados com os clientes.

Para a Quarta Turma, as instâncias originárias aplicaram o CDC sem fazer a necessária distinção quanto à natureza das contratações entre as partes – se de insumo ou consumo. Dessa forma, o colegiado reformou a decisão do tribunal estadual para limitar a aplicação do CDC aos casos em que fosse constatada a existência de relação de consumo.

A decisão reafirmou a jurisprudência do STJ, que não admite a aplicação do CDC nos contratos de empréstimo tomados por empresas quando elas são consideradas consumidoras intermediárias (insumo), somente sendo possível a mitigação dessa regra na hipótese em que ficar demonstrada a hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da tomadora.

Características do negócio podem impedir a incidência do CDC

Em outras situações, é a própria natureza do negócio que pode impedir a incidência do CDC. No julgamento do REsp 2.001.086, a Terceira Turma decidiu pela inaplicabilidade do código a um contrato de empréstimo de capital de giro.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que não se pode falar em incidência da lei consumerista nos contratos bancários celebrados por pessoa jurídica para obtenção de capital de giro, já que, conforme a orientação consolidada no STJ, nesses casos a empresa não é considerada a destinatária final do serviço.

Além disso, no caso, não houve demonstração de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional da empresa. De acordo com a ministra, a mera condição de microempresa não basta para que seja entendida como vulnerável.

Existência de relação de consumo afeta competência para julgamento da demanda

Já no julgamento do AREsp 1.321.083, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), a Terceira Turma estabeleceu que uma empresa que adquiriu aeronave como destinatária final pode ser considerada consumidora. A decisão definiu, por consequência, o foro competente para processamento e julgamento da demanda.

Uma empresa que se dedicava à administração de imóveis ajuizou ação em Curitiba para rescindir o contrato da compra de um avião, em razão de suposto inadimplemento contratual da vendedora – cuja sede é em Belo Horizonte –, pedindo a devolução dos valores pagos.  

A vendedora alegou incompetência do juízo. Segundo ela, a compradora se valeu da prerrogativa prevista no artigo 101, inciso I, do CDC, que permite o ajuizamento da ação no domicílio do consumidor, mas a relação entre as empresas teria caráter paritário. Desse modo, sem haver relação de consumo, não seria possível ajuizar a ação em outra comarca que não aquela indicada pela regra geral de competências do Código de Processo Civil (CPC).

Os argumentos da vendedora não foram acolhidos nas instâncias ordinárias nem na decisão monocrática do ministro Sanseverino. Em recurso à Terceira Turma, a vendedora defendeu que a aeronave teria sido adquirida para incrementar os negócios da compradora e que esta não seria hipossuficiente, circunstâncias que afastariam a aplicação da legislação consumerista.

O colegiado, entretanto, de forma unânime, decidiu pela aplicação das regras do CDC ao caso. Em voto-vista no qual acompanhou integralmente o relator, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva esclareceu que a aeronave foi adquirida para atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica, não integrando diretamente produto ou serviço postos à disposição do mercado por ela, motivo pelo qual se aplicariam à relação as normas da lei consumerista.

Relações de consumo na contratação de seguros

A Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.660.164, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, decidiu que a pessoa jurídica que firma contrato com o objetivo de proteger seu patrimônio é considerada destinatária final dos serviços securitários e, por isso, aplicam-se a seu favor as disposições do CDC.

No caso julgado, uma empresa teve um de seus caminhões segurados destruído por incêndio iniciado por uma fagulha de descarga de energia durante a operação de transferência de produto inflamável. A seguradora alegou que a hipótese estava prevista nas cláusulas de exclusão de cobertura, ao passo que a segurada sustentou que a cláusula excludente de cobertura não estava incluída na minuta encaminhada pela seguradora no momento da contratação.

Apesar de ter sido acolhida em primeira e segunda instâncias, a argumentação da seguradora foi rejeitada pelo ministro Bellizze, relator do caso no STJ. Ao analisar os princípios do CDC, como o da transparência, o relator lembrou que o fornecedor tem obrigação de dar ao consumidor conhecimento sobre o conteúdo do contrato, sob pena de não haver a sua vinculação ao cumprimento do que foi acordado.

Entendimento parecido foi adotado pela Quarta Turma no AREsp 1.392.636, decorrente de ação indenizatória movida por uma instituição de ensino superior contra a seguradora devido à recusa de cobertura de sinistro.

A universidade privada acionou o seguro depois que chuvas e ventos fortes danificaram a estrutura física do estabelecimento. Na ocasião, a seguradora alegou não haver previsão de cobertura para a hipótese de rajadas de vento cuja velocidade fosse inferior àquela que caracteriza um vendaval, como no caso, o que impediria o pagamento da indenização.

O relator, ministro Raul Araújo, com base no acórdão do tribunal estadual, destacou que, independentemente da velocidade medida pela estação meteorológica, a tempestade efetivamente causou danos ao imóvel. Segundo ele, a cláusula que estipula velocidade mínima para haver indenização configura desvantagem excessiva ao segurado.

Assim, o colegiado reforçou o entendimento de que uma empresa que firma contrato de seguro visando à proteção de seu próprio patrimônio pode ser considerada destinatária final dos serviços securitários.

Cobertura securitária deve estar claramente descrita no contrato

A Quarta Turma decidiu, ao julgar o REsp 1.176.019, que o transportador que contrata seguro para proteger sua frota ou cobrir danos a terceiros também é consumidor. O colegiado destacou, no entanto, que a abrangência da cobertura securitária deve estar claramente descrita no contrato.

No caso em análise, durante a vigência do contrato de seguro, um dos veículos de uma transportadora colidiu com um caminhão pertencente a pessoa física. Após o trâmite de demanda indenizatória, a empresa foi condenada ao pagamento de lucros cessantes e despesas com advogado e preposto. A transportadora, então, ajuizou ação indenizatória contra a seguradora para pedir o reembolso dos valores pagos.

Tanto o juízo de primeira instância quanto o tribunal estadual julgaram o pedido improcedente, fundamentando-se na inexistência de cobertura para a hipótese de colisão com veículo particular, descabendo, portanto, a condenação da seguradora ao pagamento de lucros cessantes relativos a terceiro prejudicado.

Em seu voto, o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu a condição de consumidora da empresa, esclarecendo que a transportadora que contrata seguro objetivando a proteção de sua frota veicular ou contra danos causados a terceiros, em regra, enquadra-se no conceito de consumidor, pois é destinatária final do produto.

Apesar de estar configurada a relação de consumo no caso concreto, a cláusula contratual em torno da qual as partes litigavam limitava a cobertura de lucros cessantes a categorias profissionais específicas, como táxis, lotações, vans escolares regulamentadas e motoboys, não incluindo o ressarcimento a pessoa física dona de caminhão. Por isso, o colegiado negou provimento ao recurso.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2020811REsp 1497574REsp 2001086AREsp 1321083REsp 1660164AREsp 1392636REsp 1176019

Fonte: STJ

O fato de o crédito somente poder ser exigido pelo novo credor após o pedido de recuperação judicial não altera sua classificação como concursal. Assim, ele se submete aos efeitos do processo de soerguimento

6 de setembro de 2024

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Caso teve início em ação trabalhista contra construtora contratada por prefeitura

Essa conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial de uma construtora que, em recuperação judicial, é cobrada por um crédito trabalhista pago pelo município de Sorocaba.

O resultado do julgamento confirma a forma como o colegiado trata os casos em que a dívida da empresa em recuperação é alvo de sub-rogação — a transferência dos direitos do credor para aquele que quitou a obrigação ou emprestou o necessário para a quitação.

Se o crédito tem origem em período anterior ao pedido de recuperação judicial do devedor, ele se submete aos efeitos do processo. Esse é o marco temporal eleito pelo artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005).

Ou seja, o crédito entrará em uma fila para pagamento e poderá sofrer deságio de acordo com o plano aprovado pelos credores. Isso acontecerá ainda que esse crédito só se torne exigível em momento posterior ao pedido da recuperação.

“Se o credor originário tinha um crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial, é isso o que ele tem a transferir ao sub-rogado. Não se trata de uma característica ligada à pessoa do sujeito sucedido, ou ao momento do pagamento, mas ao próprio direito de crédito, que é repassado com seus defeitos e qualidades”, resumiu o relator da matéria, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Esse entendimento foi o mesmo usado pela 3ª Turma do STJ recentemente para concluir que a fiança bancária contratada pelo devedor antes da recuperação a ela se submete mesmo se o crédito surgiu depois.

Crédito trabalhista

No caso julgado, o crédito sub-rogado decorre de uma reclamação trabalhista ajuizada por um trabalhador que foi contratado pela construtora para prestar um serviço acertado com a prefeitura de Sorocaba (SP).

A ação foi ajuizada contra o ente público, que se viu obrigado a pagar R$ 21,8 mil de indenização pelo desrespeito às normas trabalhistas praticado pela construtora em período anterior ao pedido de recuperação judicial.

Depois de quitar a obrigação com o trabalhador, o município ajuizou ação de regresso para cobrar o valor da construtora, que já estava em recuperação, e obteve decisão favorável nas instâncias ordinárias.

A empresa, então, recorreu ao STJ sustentando que essa obrigação deve se submeter à recuperação judicial, pois o fato gerador é anterior ao pedido.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva deu razão à empresa ao destacar que o fato de os créditos não estarem vencidos — e, portanto, serem inexigíveis — não afasta sua sujeição à recuperação judicial.

“Até mesmo créditos ilíquidos estão sujeitos à recuperação. Assim, a data relevante é a do fato gerador, na hipótese, a da prestação do serviço, e não a da sentença trabalhista ou do pagamento que gerou a sub-rogação”, disse o magistrado.

Assim, se a dívida originária é anterior ao pedido, o crédito está submetido aos efeitos da recuperação judicial, não importando a data em que se tornou exigível.

Não existe credor sem crédito

A votação na 3ª Turma foi por maioria, encampada pelos ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Humberto Martins. Abriu a divergência e ficou vencida a ministra Nancy Andrighi.

Para ela, tratando-se de obrigação que surgiu a partir da condenação imposta pela Justiça do Trabalho, o município somente se tornará credor do responsável principal (a empresa) se e quando vier a promover o pagamento da dívida não adimplida por ele.

Assim, o crédito do município só surgiu depois de, condenado subsidiariamente na ação trabalhista, ter quitado o valor. E esse é o momento que deve ser observado para se concluir se há submissão à recuperação judicial.

“A condição de credor somente pode ser atribuída a alguém a partir do momento em que esse alguém seja titular de um crédito em face de outrem. Não existe credor se não existir crédito em seu favor”, defendeu a ministra em voto-vista.

Se o fato gerador do crédito em questão foi o pagamento efetuado pela condenação trabalhista, em razão da inércia da construtora em quitar a obrigação, esse deve ser o momento para avaliar se ele se submete à recuperação.

“Portanto, tratando-se de situação em que, à data do pedido de recuperação judicial (17/8/2016), o recorrido não era titular de crédito contra a sociedade recuperanda (o pagamento foi realizado em 30/9/2020), impõe-se a manutenção do acórdão recorrido”, concluiu Nancy.


REsp 2.108.103

  • Por Danilo Vitalé correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur
Concessionária responde por acidentes causados por animais domésticos na rodovia, decide Corte Especial do STJ

05/09/2024

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos ( Tema 1.122), estabeleceu a tese de que as concessionárias de rodovias respondem, independentemente de culpa, pelos danos decorrentes de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas sob concessão, aplicando-se a esses casos o Código de Defesa do Consumidor ( CDC) e a Lei das Concessões (Lei 8.987/1995).

Questão submetida a julgamento: (a) responsabilidade (ou não) das concessionárias de rodovia por acidente de trânsito causado por animal doméstico na pista de rolamento; e (b) caráter objetivo ou subjetivo dessa responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões.

Tese Firmada: As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões.

Anotação: Afetação na sessão eletrônica iniciada em 24/11/2021 e finalizada em 30/11/2021 (Corte Especial) – Vide Controvérsia nº 260/STJ.

Com a fixação da tese – que confirma precedentes das turmas de direito privado do STJ –, poderão voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos para a definição do precedente qualificado.

O julgamento teve a participação, como amicus curiae, da União, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias e da Defensoria Pública da União.

Relator do recurso repetitivo, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva lembrou que o STJ tem reconhecido tanto a responsabilidade das concessionárias pelos acidentes causados pela entrada de animais domésticos nas pistas – aplicando-se a teoria do risco administrativo – quanto a incidência do CDC nessa hipótese, jurisprudência também existente no Supremo Tribunal Federal (STF).

Contratos de concessão preveem regras para a remoção de animais das pistas

Rejeitando a tese da aplicação da culpa administrativa em favor das concessionárias, o relator comentou que, no julgamento do RE 608.880, o STF definiu que a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público é baseada na teoria do risco administrativo, inclusive nos casos de omissão.

Villas Bôas Cueva comentou que, embora as rodovias sejam extensas, as atividades de fiscalização, sinalização, manejo e remoção de animais das pistas são desenvolvidas em espaço “determinado e inalterável”, sendo aplicável, ainda, o princípio da prevenção (ou seja, quando se conhecem os riscos e são exigidas medidas para combatê-los ou mitigá-los).

Exatamente em razão da previsibilidade – apontou Cueva –, os contratos de concessão incluem, de forma expressa, a obrigação de apreensão dos animais nas faixas de domínio, inclusive com a utilização de veículos apropriados.

Não seria justo submeter a vítima ao “martírio” de identificar o dono do animal

O ministro destacou que, nos termos do artigo , inciso VI, do CDC, o usuário do serviço tem o direito básico à prevenção de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

“Por isso, não seria lícito afastar a responsabilidade civil das concessionárias e submeter a vítima de um acidente ao martírio de identificar o suposto proprietário do animal que ingressou na pista de rolamento, demandá-lo judicialmente e produzir provas sobre a propriedade do semovente”, disse.

Em seu voto, Villas Bôas Cueva ainda destacou que o argumento de que caberia aos órgãos públicos a apreensão e remoção dos animais que ingressam nas rodovias não pode ser invocado para afastar a responsabilidade das concessionárias. Sobre esse ponto, ele lembrou que, nos termos do artigo 25 da Lei 8.987/1995, incumbe à concessionária responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.

O acórdão no REsp 1908738/ SP restou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CONCESSIONÁRIAS DE RODOVIAS POR ACIDENTES CAUSADOS PELO INGRESSO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS NA PISTA DE ROLAMENTO (TEMA 1.122). RESPONSABILIDADE INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA. APLICAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS PADRÕES DE SEGURANÇA PREVISTOS NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO. INSUFICIÊNCIA. TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DA SOLIDARIEDADE E DA PRIMAZIA DO INTERESSE DA VÍTIMA. APLICAÇÃO. DEVER DE FISCALIZAÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA. NÃO OCORRÊNCIA.

1. Aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor aos casos de reparação de danos oriundos de acidentes causados pelo ingresso de animais domésticos nas faixas de rolamento das rodovias objeto de contrato de concessão.

2. A concessionária responde, independentemente da existência de culpa, pelos danos sofridos pelo usuário, sem prejuízo da observância dos padrões mínimos de segurança previstos no contrato, sendo inaplicável a teoria da culpa administrativa.

3. O princípio da primazia do interesse da vítima, decorrente do princípio da solidariedade, impõe a reparação dos danos independentemente da identificação do proprietário do animal cujo ingresso na rodovia causou o acidente.

4. O dever de fiscalização dos entes públicos não afasta a responsabilidade civil das concessionárias, nos termos do art. 25 da Lei das Concessões.

5. Tese fixada: “As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões”.

(STJ, REsp 1.908.738/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 21/8/2024, DJe de 26/8/2024).

Informações Complementares à Ementa:

“[…] ainda que as rodovias sejam extensas, as atividades de fiscalização, sinalização, manejo e remoção de animais das pistas de rolamento são desenvolvidas em espaço determinado e inalterável.

Ademais, como o ingresso de animais na pista é previsível, deve ser observado o princípio da prevenção […]”.

“Considerando o princípio da prevenção, as regras contratuais que impõem a instalação de bases operacionais com distâncias máximas entre elas, bem como a realização de rondas periódicas com intervalos máximos e a previsão de tempo máximo para o atendimento de ocorrências representam apenas padrões mínimos a serem observados pelas concessionárias. Não podem, portanto, ser utilizados como balizas para a definição da responsabilidade civil pelos acidentes causados pelo ingresso dos animais nas pistas […]”

Referência Legislativa: Lei nº 8.078/ 1990 – Art , Inc VI, Art 22 – ( CDC– Código de Defesa do Consumidor); Lei nº 8.987/ 1995 – Arts  e 25 – ( Lei de Concessoes); e Lei nº 13.105/ 2015 – Art 1.036 – ( Código de Processo Civil).

Jurisprudência Citada: (Responsabilidade Civil – Concessionária de Serviço Público – Responsabilidade Objetiva) – STJ – AgInt no AREsp 1717363-PR, AgInt no REsp 1646967-RJ, AgRg no AREsp 838337-PR, STF – ARE – AgR8021677RE6624055 (REPERCUSSÃO GERAL)

(Responsabilidade Civil – Concessionária de Serviço Público – Código de Defesa do Consumidor) – STJ – AgRg no AREsp 150781-PR, AgInt no AREsp 1644216-PR, REsp 467883-RJ.

Publicado por Wander Fernandes

Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por entender que o pedido de baixa de gravame hipotecário não está vinculado ao valor do imóvel, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e confirmou a fixação dos honorários advocatícios por equidade em processo que envolveu a proprietária do bem e uma empresa do ramo imobiliário.

02/09/2024

Na origem do caso, a Justiça atendeu o pedido de cancelamento do registro de hipoteca de um imóvel, pois a dívida já havia sido quitada pela proprietária. Na ocasião, o juízo de primeiro grau definiu os honorários de sucumbência em 10% do valor atualizado da causa.

Ao julgar a apelação da empresa, o TJDFT decidiu que a verba sucumbencial deveria ser arbitrada por equidade – critério previsto no artigo 85, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil (CPC), pensado para situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, o proveito econômico da demanda é irrisório ou inestimável, ou o valor da causa é muito baixo.

Diante da fixação dos honorários em R$ 1.500, as advogadas que atuaram em favor da autora da ação recorreram ao STJ. Elas alegaram a existência de proveito econômico correspondente ao valor do imóvel (R$ 114.824), visto que sua livre fruição seria consequência da baixa da hipoteca.

Fixação de honorários por equidade tem amparo legal e jurisprudencial

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, explicou que o artigo 85 do CPC estabelece critérios predeterminados para calcular os honorários, mas cada situação deve ser analisada individualmente, observando-se, sobretudo, qual tipo de tutela é buscada (declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva).

No caso das ações mandamentais em que é impossível definir seu proveito econômico, e quando o valor da causa não refletir o benefício obtido, a ministra afirmou que deve ser aplicado o critério da equidade.

“Diante de obrigação de fazer, consistente na baixa de gravame fiduciário de hipoteca incidente sobre imóvel que foi objeto de contrato de compra e venda, devidamente quitado, o proveito econômico é inestimável. Trata-se de ação para permitir que o autor exerça plenamente os direitos inerentes à propriedade – que já possui –, sendo que não há como vincular o proveito econômico ou o valor da causa ao valor do imóvel”, observou Nancy Andrighi.

Ao negar provimento ao recurso especial, a relatora, amparada por precedentes da corte, destacou que a fixação dos honorários por equidade na hipótese analisada é adequada, “uma vez que (I) não há condenação, (II) o proveito econômico não é mensurável e (III) o preço do imóvel não serve de parâmetro para estabelecer o valor da causa”.

REsp 2.092.798

Fonte: STJ

Não incide Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a transferência de quotas de fundo de investimento por sucessão, do falecido aos herdeiros, quando elas são apenas transmitidas, sem pedido de resgate dos valores

2 de setembro de 2024

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Transferência de quotas se deu pelo valor declarado pelo falecido na declaração do imposto de renda

A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que julgou ilegal uma norma da Secretaria da Receita Federal que previu a tributação para casos de transmissão de aplicações financeiras por sucessão hereditária.

O caso envolve a transferência de quotas do falecido pai para os filhos, no momento da abertura do inventário. Eles optaram por recebê-las pelo valor constante na última Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) apresentada pelo falecido.

Nesse momento, foram informados pela instituição financeira administradora da incidência do IRRF. Para afastar a tributação, os herdeiros ajuizaram mandado de segurança, julgado improcedente pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Para a corte, a transferência de titularidade do fundo para os herdeiros autorizaria a tributação por resultar em “alteração escritural inevitável”, conforme o artigo 65, parágrafos 1º e 2º da Lei 8.981/1995.

O entendimento se baseou ainda no Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal 13/2007, segundo o qual incide IRRF nos casos de transmissão de aplicações financeiras por sucessão hereditária, mesmo sem existência de ganho de capital.

Mera transferência

Relator, o ministro Gurgel de Faria refutou essa interpretação, a partir da interpretação dada ao artigo 65 da Lei 8.981/1995. A norma diz que há incidência do IRRF no rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa.

O parágrafo 1º diz que a base de cálculo é a diferença positiva entre o valor da alienação e o valor da aplicação financeira. E o parágrafo 2º diz que a alienação compreende qualquer forma de transmissão da propriedade.

Para ele, a norma não afeta o caso da transmissão por sucessão. Primeiro porque ela se refere a casos de fundos de renda fixa, e não de investimento. Segundo, porque alienação, como ato de vontade tributável, não abrange as transferências causadas pela morte do titular.

“A transferência de bens é inerente à sucessão causa mortis mas não determina, por si só, a incidência de imposto de renda. E alienação não pode ser equiparada à transmissão hereditária”, disse o relator.

Portanto, não há regra que obrigue a incidência de IRRF sobre a mera transferência de quotas de fundos de investimento decorrente de sucessão quando os herdeiros optam pela observância do valor constante da última declaração de bens do falecido.

“Somente incide o tributo se a transferência for realizada por valor de mercado e houver diferença positiva relativamente ao valor de aquisição”, afirmou o ministro Gurgel de Faria.

Interpretação ilegal

Por esse motivo, o relator ainda apontou que o Ato Declaratório Interpretativo 13/2007 da Secretaria da Receita Federal é ilegal ao prever a incidência de IRRF para casos de transmissão de aplicações financeiras por sucessão hereditária, sem vincular à existência de ganho de capital.

Tal ato não pode criar hipótese nova de incidência de tributo, nem ampliar ou diminuir o conteúdo normativo de alguma regra já definida em lei. Caberia, apenas, esclarecer a interpretação que deve ser dada conforme o entendimento fazendário.

“De fato, não cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil inovar para determinar a tributação pelo IRRF para situação diversa da prevista em lei, quando inexiste ganho de capital”, apontou.

“Não se pode presumir antecipação de liquidação ou resgate pela transferência legítima de quotas aos herdeiros quando, na verdade, ocorre mera atualização cadastral das quotas perante a instituição financeira administradora”, concluiu.


REsp 1.968.695

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur

A ausência de ato normativo secundário não pode impedir o exercício de um direito garantido por uma lei autoaplicável.

30 de agosto de 2024

Moeda estrangeira foi retida no aeroporto devido à falta de regulamentação prevista em lei pelo Banco Central

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou a União a indenizar uma corretora de câmbio pelos prejuízos sofridos com a indevida retenção de moeda estrangeira na alfândega do aeroporto de Guarulhos.

A empresa fez uma operação de câmbio mediante conversão de moeda estrangeira em valor equivalente a US$ 4 milhões. As cédulas foram transportadas do exterior e ficaram retidas no setor de cargas do aeroporto por seis meses.

A operação foi feita com base na Lei 12.865/2013, que ampliou o rol de pessoas jurídicas habilitadas a efetuar operações de entrada de papel-moeda em solo nacional, incluindo todas as entidades autorizadas a operar no mercado de câmbio.

Essa norma alterou o artigo 65 da Lei 9.069/1996 e, no parágrafo 2º, e fixou que o Banco Central regulamentaria a regra, definindo forma, limites e condições de ingresso de moeda estrangeira no país.

Essa regulamentação nunca foi feita. Por esse motivo, a alfândega anotou a ausência de amparo regulamentar para permitir que entidade não bancária efetuasse a transação e determinou a retenção do numerário.

O dinheiro só foi liberado e passou por desembaraço aduaneiro depois que a corretora de câmbio conseguiu decisão judicial favorável, por meio de mandado de segurança. Posteriormente, ajuizou ação para cobrar os prejuízos sofridos pelo atraso.

O pedido foi julgado improcedente nas instâncias ordinárias. No STJ, por unanimidade de votos, a 1ª Turma deu parcial provimento ao recurso, conforme o voto da relatora, ministra Regina Helena Costa.

Proibiu errado

Para a ministra, a indenização é devida porque a lei, ao definir que caberia ao Banco Central regulamentar questões referentes ao ingresso da moeda estrangeira no país, não impactou a autorização dada às entidades não-bancárias para fazer essa operação.

Ou seja, a autorização para corretora de câmbios não dependia da futura e eventual regulamentação feita de forma secundária pelo Banco Central.

Um entendimento diferente, diz a ministra, significaria condicionar a eficácia do caput (a cabeça) do artigo 65 da Lei 9.069/1996 à atuação do administrador. Ou seja, a inércia do Banco Central aniquilaria a lei aprovada pelo Legislador.

“A censurável ausência de regulamento específico para pessoas jurídicas não qualificadas como bancos não constitui fundamento idôneo a legitimar a retenção do numerário importado pela recorrente”, apontou Costa.

A situação mudou com a entrada em vigor da Lei 14.286/2021, que mudou a regra de novo para, desta vez, efetivamente dar ao Banco Central o poder de dispor, mediante ato infralegal, os tipos de instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio, incluindo casos de remessa ao Brasil.

“Por qualquer ângulo de análise, há de se reconhecer a ilicitude do ato praticado por servidores da Alfândega do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, consistente na retenção do numerário objeto de importação”, concluiu a ministra.

Com o provimento do recurso especial, os autos retornam ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região para que o tribunal avalie a extensão de eventual dano e o valor da indenização.


REsp 2.073.791

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur

Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é possível o julgamento antecipado de ação de interdição com base em laudo médico unilateral. Para o colegiado, a produção de prova pericial é imprescindível para a constatação da incapacidade civil da pessoa a ser interditada.

28/08/2024

O autor da ação pediu a interdição do pai devido a um acidente vascular cerebral isquêmico que teria causado perda transitória e eventual de memória, e apresentou laudo médico como prova. Ele disse estranhar a venda de bens por preço inferior a 50% do valor de mercado e o aumento de ações ajuizadas contra o pai – inclusive com penhora de bens.

A interdição foi negada em primeira instância, pois, na entrevista do interditando em juízo, o magistrado – apesar do laudo médico – avaliou não ter sido demonstrada a sua incapacidade civil. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a decisão, entendendo que a perícia não seria indispensável para a solução do caso. 

Laudo médico produzido unilateralmente não substitui perícia médica

A ministra relatora do caso no STJ, Nancy Andrighi, afirmou que alguns precedentes do tribunal admitem que a incapacidade civil seja constatada por provas distintas da perícia, enquanto outros julgados (como o REsp 1.685.826) entendem que, nas hipóteses de interdição, é imprescindível o laudo pericial produzido após exame médico.

Diante desse panorama jurisprudencial, a relatora disse que a prova pericial é fundamental para se constatar a causa que justifique a decretação, a extensão e os limite da interdição. Para a magistrada, a perícia técnica não pode ser substituída por laudo médico produzido unilateralmente ou pela entrevista do interditando em juízo.

Por outro lado, a ministra considerou inadmissível concluir que o autor da ação não tenha conseguido provar a necessidade da interdição e, ao mesmo tempo, julgar a causa antecipadamente, retirando do autor o direito de produzir a prova pericial que poderia confirmar as suas alegações. De acordo com a relatora, a sentença fundamentada em inexistência de provas, sem que se permita a produção de novas provas, é um caso claro de cerceamento de defesa.

Ao apontar que o laudo médico juntado ao processo é inconclusivo – apresentando apenas indícios de que não haveria capacidade para a prática de atos da vida civil em virtude de lapsos de memória –, a ministra Nancy Andrighi cassou o acórdão e a sentença para reconhecer o cerceamento de defesa e determinar a produção de prova pericial, nos termos do artigo 753 do Código de Processo Civil.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

A ocorrência do crime de lesão corporal por médico exige a demonstração de que a conduta foi negligente, imprudente ou imperita. É preciso que o profissional tenha se desviado do padrão de cuidado esperado da comunidade médica científica.

28 de agosto de 2024

Perícia concluiu que procedimento médico foi condizente com a técnica esperada em situação de urgência

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trancou a ação penal ajuizada contra o médico Roberto Kalil, acusado de violência obstétrica e lesão corporal no parto da influenciadora digital Shantal Verdelho.

O caso tornou-se público pela própria vítima, que afirmou nas redes sociais ter sofrido violência obstétrica praticada pelo médico. Os vídeos do parto de sua segunda filha mostram Kalil usando expressões grosseiras e machistas, além de xingamentos.

O episódio gerou denúncia pelo Ministério Público de São Paulo, tanto pelos xingamentos quanto pelas lesões que a influenciadora sofreu na região pélvica durante o parto.

Por maioria de votos, a 5ª Turma do STJ trancou as denúncias. No caso da violência obstétrica, a questão foi alvo de queixa-crime ajuizada pela influenciadora e que acabou resolvida com transação penal. Logo, não caberia processar o médico pelos mesmos fatos. Nesse ponto, não houve divergência.

Relator, o ministro Ribeiro Dantas propôs, todavia, manter a denúncia pelo crime de lesão corporal. Venceu o voto divergente do ministro Joel Ilan Paciornik, que não encontrou indícios que evidenciem que o médico tenha se afastado da conduta correta.

Autonomia médica

O voto divergente parte da doutrina sobre responsabilidade médica segundo a qual o crime de lesão corporal exige a demonstração de que a conduta foi negligente, imprudente ou imperita. Ou seja, é preciso que exista algum desvio dos padrões esperados.

No caso, a investigação do hospital e resultado da perícia indicam que as lesões sofridas pela influenciadora são características do parto normal. A conduta do médico, por sua vez, seguiu as recomendações dos conselhos de medicina.

A influenciadora, diz o processo, se recusou a autorizar a episiotomia — um procedimento cirúrgico que poderia ter facilitado a visualização e a passagem do feto. Em resposta a essa decisão, o médico optou por outra técnica.

Segundo a perícia, não há indícios de que esse procedimento, tomado no momento de urgência, tenha causado as lesões sofridas. A conduta do médico foi considerada apropriada, dentro do contexto descrito.

“Não se pode exigir que o médico, em situação de emergência, faça um juízo exaustivo de todas as hipóteses, em prejuízo da agilidade necessária para o tratamento adequado do paciente, situação aparentemente relatada no caso concreto”, disse Paciornik.

“Importante destacar que, embora a autonomia médica seja um princípio fundamental, ela não é absoluta. No caso em tela, a análise da documentação e da narrativa da própria parturiente não permitem concluir que o médico tenha extrapolado os limites da autonomia médica.”

Formaram a maioria os ministros Messod Azulay, Daniela Teixeira e Reynaldo Soares da Fonseca, que fundamentaram seus votos principalmente na conclusão pericial de ausência de indícios de imperícia, imprudência ou negligência médica.

AREsp 2.587.582

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur

No entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tem poder normativo para restringir as ações das empresas em matéria de propaganda comercial de fármacos, especialmente quando seus atos regulamentares contrariam as regras estabelecidas na Lei 9.294/1996 e em outros atos legislativos.

26/08/2024

Para o colegiado, embora a agência reguladora tenha sido genericamente autorizada a emitir normas para assegurar o cumprimento de suas funções, no que tange especificamente à propaganda de produtos sob controle sanitário, essa competência é mais limitada, estando definida no artigo 7º, inciso XXVI, da Lei 9.782/1999.

No caso, uma empresa farmacêutica moveu ação contra a Anvisa, buscando impedir que a agência lhe aplicasse sanções relacionadas ao descumprimento da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 96/2008, que estabeleceu regras sobre propaganda, publicidade, informação e outras práticas ligadas à promoção comercial de medicamentos. Segundo a empresa, a Anvisa teria excedido sua competência ao criar restrições não previstas em lei, o que motivou o pedido para que ela se abstivesse de aplicar penalidades.

O juízo de primeiro grau decidiu parcialmente a favor da farmacêutica, suspendendo os efeitos da RDC 96/2008, por entender que a agência reguladora violou o princípio da legalidade ao editar o ato. A decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que destacou que a competência para regular a promoção comercial de medicamentos é reservada à lei federal, conforme estabelece a Constituição de 1988 (CF/88).

A agência recorreu ao STJ, sustentando que, além de muito importante para a saúde pública, sua atuação normativa é legítima, uma vez que ela tem o dever de estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações em seu âmbito de atuação, bem como de controlar e fiscalizar a propaganda de produtos submetidos a tal regime.

Anvisa deve apenas fiscalizar as práticas publicitárias

A ministra Regina Helena Costa, relatora, disse que o artigo 220 da Constituição proíbe qualquer forma de censura, mas permite que a legislação federal estabeleça restrições à propaganda comercial de produtos como tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, para proteger a sociedade de danos à saúde ou ao meio ambiente. Segundo a ministra, as limitações à propaganda de remédios estão definidas na Lei 9.294/1996, complementada pelo Decreto 2.018/1996, e têm aplicação imediata, devendo ser respeitadas por todos – o que inclui a administração pública.

De acordo com a relatora, a Lei 9.782/1999 estabelece que a atuação da Anvisa em relação aos medicamentos deve estar alinhada à legislação vigente, e, embora a agência tenha um papel regulatório importante, ela não possui o poder de legislar, cabendo-lhe apenas detalhar as regras fixadas em lei para garantir sua plena aplicação.

Contudo, na avaliação da ministra, a RDC 96/2008 tem diversas disposições cujo conteúdo ultrapassa os limites estabelecidos na Lei 9.294/1996, tais como a proibição de propaganda indireta em cenários de espetáculos e filmes; a vedação de publicidade que mostre pessoas usando medicamentos, especialmente se sugerirem características agradáveis, como sabor; a exigência de advertências, como a indicação de substâncias com efeitos de sedação ou sonolência; e a restrição ao uso de certas expressões na publicidade de medicamentos que não exigem prescrição médica.

Dessa forma, a ministra apontou que, ao editar a resolução, a Anvisa criou obrigações para os particulares, extrapolando sua atribuição de fiscalizar, acompanhar e controlar o exercício das práticas publicitárias, o que é incompatível com sua função regulatória. “São ilegais as disposições da RDC 96/2008 que, contrariando regramentos plasmados em lei federal, especialmente a Lei 9.294/1996, impõem obrigações e condicionantes às peças publicitárias de medicamentos”, concluiu ao negar provimento ao recurso especial.

Instauração de diálogo institucional

Apesar do resultado contrário à Anvisa, a Primeira Turma, de maneira inédita, entendeu necessário abrir um diálogo institucional, comunicando o resultado do julgamento ao Ministério da Saúde e ao Congresso Nacional.

Para a relatora, a iniciativa da agência foi louvável, uma vez que a legislação sobre propaganda de medicamentos precisa ser atualizada para se adequar às novas tecnologias, especialmente em razão da massificação de interações sociais pela internet e dos altos índices de automedicação constatados na sociedade brasileira.

No entanto, mesmo reconhecendo a importância da iniciativa, a ministra ponderou que as restrições efetuadas pela Anvisa não podem ocorrer sem alteração da lei.

Assim, após constatar aparente concordância entre os Poderes Executivo e Legislativo a respeito da necessidade de aperfeiçoamento das regras de propaganda desses produtos, Regina Helena Costa observou que o Poder Judiciário poderia, em diálogo institucional, comunicar a decisão aos órgãos competentes para que avaliem a pertinência de alterar as regras legais sobre a publicidade de medicamentos ou as normas que conferem poderes à Anvisa – entendimento que foi acolhido pelo colegiado.

REsp 2.035.645

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a legitimidade passiva de uma fiadora que, durante a vigência do contrato de locação por prazo determinado, pediu para ser exonerada da obrigação, alegando que havia prestado a garantia devido ao vínculo afetivo com um sócio que se retirou da empresa locatária.

26/08/2024

Segundo o processo, a locatária sofreu alteração no seu quadro societário durante o prazo do contrato de aluguel, e a fiadora notificou extrajudicialmente o locador sobre sua vontade de se exonerar da garantia. Porém, antes do término do contrato, foi ajuizada ação de despejo e cobrança de aluguéis. O juízo reconheceu a dívida, mas declarou a ilegitimidade passiva da fiadora.

O tribunal de segundo grau manteve a decisão, sob o fundamento de que, com a alteração do contrato social, não mais existiria o intuito personae que justificou a prestação da garantia. A corte também levou em conta que já havia sido enviada a notificação exoneratória ao locador.

No recurso dirigido ao STJ, o locador sustentou que não há motivo que autorize a exoneração da fiadora, a qual deve responder pela fiança durante o prazo de validade do contrato.

Notificação extrajudicial não é suficiente para a exoneração

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, embora válida a notificação extrajudicial, na locação por prazo determinado, a exoneração somente surte efeito no término da vigência do contrato ou após 120 dias da data em que o contrato é prorrogado – o que o torna indeterminado.

Conforme enfatizou a ministra, nessa espécie de contrato, embora seja admitida a notificação extrajudicial do fiador durante a sua vigência, somente haverá exoneração da garantia com o fim do prazo contratual.

“A mera notificação extrajudicial elaborada unilateralmente pelo fiador não pode ser requisito suficiente para a exoneração, sob o risco de enfraquecimento da garantia fidejussória mais utilizada no país”, completou.

A ministra apontou que, para os contratos com prazo determinado, não se aplica o disposto no artigo 40, X, da Lei 8.245/1991, que trata com exclusividade da exoneração do fiador nos contratos com prazo indeterminado.

Vínculo pessoal deve estar expresso no contrato

A relatora ressaltou que a fiadora prestou garantia à pessoa jurídica locatária, e não a um de seus sócios. Segundo observou, a alteração de quadro societário é uma situação previsível a que as empresas estão sujeitas.

Por fim, a ministra mencionou que, para que o vínculo pessoal entre o fiador e algum dos sócios da empresa afiançada fosse essencial na manutenção da garantia, ele deveria estar expresso no contrato, conforme o artigo 830 do Código Civil

REsp 2.121.585.

Fonte: STJ