7 de agosto de 2025

Homem com papéis na mão usando calculadora

Corte discutia cobrança do Difal desde 2022 e possível exceção a quem foi à Justiça (Freepik)

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, pediu vista, nesta quarta-feira (6/8), dos autos do julgamento de repercussão geral em que o Plenário discute se o diferencial de alíquota (Difal) do ICMS pode ser cobrado desde 2022 ou somente a partir de 2023.

Com o pedido de vista, o julgamento voltou a ser suspenso. A sessão virtual havia começado na última sexta-feira (1º/8) e seu fim estava previsto para a próxima sexta.

Antes da interrupção, seis ministros haviam votado. Cinco deles consideraram que o Difal pode ser cobrado desde 2022 e apenas um entendeu que essa cobrança é válida somente a partir de 2023. Mas há também discordâncias quanto à possibilidade de isentar quem acionou a Justiça até a data do último julgamento do STF sobre o tema e não pagou o tributo em 2022.

O caso foi pautado com a expectativa de que houvesse uma reiteração de jurisprudência, desta vez com repercussão geral. Isso porque, em 2023, a corte analisou três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e decidiu que o Difal pode ser cobrado a partir de abril de 2022 — três meses depois da publicação da norma que regulamentou o tema. Na prática, esse entendimento pode ser revisto.

Inicialmente, a principal questão a ser discutida era a aplicação do princípio da anterioridade anual, previsto na alínea “b” do inciso III do artigo 150 da Constituição. Segundo essa regra, leis que criam ou aumentam um imposto só produzem efeitos no ano seguinte à sua publicação.

Lei Complementar 190/2022, que reinstituiu o Difal, não menciona esse princípio, mas faz menção à anterioridade nonagesimal, prevista na alínea “c” do mesmo dispositivo, segundo a qual são necessários 90 dias para uma lei do tipo entrar em vigor.

Nos últimos dias, surgiu também a discussão sobre modulação de efeitos da decisão: caso o Difal seja validado desde 2022, alguns ministros defendem proteger quem foi à Justiça contra a cobrança do tributo naquele ano e deixou de pagá-lo.

Contexto

O Difal foi concebido em 2015 com o objetivo de equilibrar a arrecadação do ICMS pelos estados. Ele serve para que o imposto seja distribuído tanto ao estado produtor quanto ao destinatário de determinado produto ou serviço.

Em fevereiro de 2021, o STF decidiu, por 6 x 5, que é inconstitucional estabelecer o Difal por meio de ato administrativo, como vinha sendo feito até então. Naquele ano, uma lei complementar foi aprovada para regular o tributo, mas foi sancionada somente no dia 4 de janeiro de 2022.

O recurso em que o Supremo reconheceu a repercussão geral tem origem em uma ação movida por uma empresa cearense que buscava afastar a cobrança do Difal nas vendas interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS em 2022.

De acordo com o tributarista Leonardo Aguirra, sócio do escritório Andrade Maia Advogados que atua ativamente no STF em relação ao caso, o processo de repercussão geral foi pautado com a expectativa de que houvesse um alinhamento com a decisão de 2023 — a chamada reiteração de jurisprudência.

A Corte começou o julgamento de repercussão geral no último mês de fevereiro. Ele foi interrompido por um pedido de destaque do ministro Kassio Nunes Marques. Com isso, o caso seria reiniciado em sessão presencial. Mas o destaque foi cancelado em junho e a análise voltou para a sessão virtual na última sexta.

Voto do relator

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, votou pela cobrança do Difal a partir de 4 de abril de 2022 e validou as leis estaduais que instituíram a cobrança antes de a LC 190/2022 entrar em vigor. Ele foi acompanhado por Kassio Nunes Marques.

Segundo Alexandre, a lei complementar “não modificou a hipótese de incidência, tampouco da base de cálculo, mas apenas a destinação do produto da arrecadação”. Na sua visão, a técnica usada tem validade ainda no mesmo ano, pois “não corresponde a instituição nem majoração de tributo”.

Ele explicou que a anterioridade anual “protege o contribuinte contra intromissões e avanços do Fisco sobre o patrimônio privado”. Mas, no caso em debate, isso não acontece, pois o Difal já existia, era aplicado às mesmas operações e pago pelos mesmos contribuintes. Além disso, a alíquota final não foi alterada. “Em momento algum houve agravamento da situação do contribuinte”, assinalou.

Por fim, o relator pontuou que a menção à anterioridade nonagesimal na LC 190/2022 é uma opção válida do Congresso.

Proposta de modulação

O ministro Flávio Dino acompanhou a tese de Alexandre na íntegra, mas acrescentou a ela uma proposta de modulação, para que o Difal não seja cobrado dos contribuintes que acionaram a Justiça até 29 de novembro de 2023 (data da decisão nas ADIs) e não pagaram o tributo em 2022. O voto foi acompanhado por Luiz Fux e André Mendonça.

Dino explicou que, ao longo de 2021 e 2022, a interpretação de que o Difal só poderia ser cobrado em 2023 foi disseminada em pareceres, notas das Fazendas estaduais e decisões de primeiro grau. Assim, “inúmeros contribuintes, seguindo orientação técnica reputada plausível, planejaram seus preços, fluxos de caixa e obrigações acessórias pressupondo que a cobrança somente ocorreria em 2023”.

Na visão dele, permitir a cobrança “indistinta” seria equivalente a punir contribuintes “que agiram de boa-fé ao buscar o Poder Judiciário antes da consolidação jurisprudencial”.

Divergência

Já o ministro Luiz Edson Fachin divergiu dos demais e reiterou o que argumentou no julgamento das ADIs: para ele, o Difal só pode ser cobrado a partir de 2023. Mas o magistrado ressaltou que, caso seu entendimento seja novamente vencido, acompanhará a proposta de modulação do voto de Dino.

Segundo Fachin, em 2021 o STF reconheceu que o Difal não é uma “mera repartição do produto da arrecadação tributária do ICMS”, mas, na verdade, estabelece uma nova obrigação tributária, isto é, tem a mesma característica que a criação ou o aumento de tributo — tanto que foi estipulada a necessidade de lei complementar.

Ele ainda explicou que a anterioridade nonagesimal (também chamada de noventena) é “indissociável” da anterioridade anual. Isso porque a alínea “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição diz que deve ser “observado o disposto na alínea ‘b’”. Ou seja, a noventena sempre deve acompanhar a anterioridade anual, “exceto se expressamente afastada”.

Assim, na sua visão, como a LC 190/2022 faz menção à alínea “c”, também está sujeita à alínea “b”. Se a ideia fosse apenas prever a anterioridade nonagesimal, bastaria indicar expressamente o prazo de 90 dias. Mas o Legislativo optou por citar expressamente o trecho da Constituição que, por sua vez, também remete à anterioridade anual.

De acordo com o ministro, essa menção seria até mesmo “prescindível”, pois trata-se de uma “limitação constitucional explícita ao poder de tributar”.

Fachin também apontou que, conforme a jurisprudência do STF, qualquer medida de instituição ou aumento de tributo deve seguir a anterioridade anual, “independentemente do veículo legislativo que a introduz”.RE 1.426.271