O sobrenome, que é extensão da personalidade e elemento de identificação, não corresponde a uma identidade familiar concreta, mas a um vínculo meramente formal, que fica vazio de significado quando configurado o abandono afetivo. Nesses casos, a jurisprudência dos tribunais superiores admite a relativização do princípio da imutabilidade do patronímico — sobrenome herdado do pai.
Com esse entendimento, o juiz Sérgio Laurindo Filho, da Vara de Registros Públicos de Toledo (PR), autorizou um jovem de 19 anos a suprimir os dois sobrenomes paternos do registro civil.

 

 

24 de novembro de 2025

 

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pai jogando filho para o alto em brincadeira

Filho alegou nos autos que foi vítima de ‘completo abandono afetivo e material’

 

 

O autor da ação alegou nos autos ter sido vítima de “completo abandono afetivo e material” pelo pai biológico, desde o nascimento, e pediu para manter apenas o sobrenome materno, núcleo familiar que efetivamente o criou e com o qual se identifica. O pai foi citado no processo, mas não se manifestou.

O julgador analisou o pedido com base nos direitos da personalidade, destacando que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”, conforme o artigo 16 do Código Civil. Embora o sobrenome pertença ao grupo familiar e seja, em regra, insuscetível de alteração, o juiz reconheceu que o princípio da imutabilidade do patronímico pode ser flexibilizado

Ele utilizou a doutrina e a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná para sustentar que, havendo justo motivo — como a completa inexistência de laços que justifiquem a manutenção dos patronímicos paternos —, a supressão é possível. A decisão foi tomada com base na Lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos.

A sentença enfatiza que a ação demonstra a importância do direito à identidade e do papel do Judiciário na concretização dos direitos da personalidade, especialmente em situações de vulnerabilidade emocional e social.

“O sobrenome, aqui, não corresponde a uma identidade familiar concreta, mas sim a um vínculo meramente formal e vazio de significado, o que gera constrangimento e sofrimento ao requerente”, afirmou o julgador.

Os advogados Mateus Bonetti Rubini e Douglas Ricardo Pellin representaram o autor da ação.

Processo 0003556-27.2024.8.16.0170

Fonte: Conjur

CNH tem alta nas fraudes: 8% dos casos em 2022 e 14% em 2025
24/11/2025

A consolidação do comércio on-line e das instituições financeiras digitais intensificou um dos crimes mais tradicionais da humanidade: golpes com documentos de terceiros. De 2022 a 2025, as tentativas de fraude documental no Brasil mais do que dobraram, saltando de cerca de 19 mil para mais de 51 mil no acumulado de 2025.

A conclusão consta de levantamento da Caf, empresa especializada em verificação inteligente de documentos. Os dados mostram uma escalada contínua do problema.

•     2022: mais de 19 mil tentativas;

•     2023: mais de 66 mil;

•     2024: mais de 37 mil;

•     2025: mais de 51 mil (no acumulado do ano).

CNH: documento preferido

Segundo a empresa, a carteira de identidade permanece como o documento mais visado. Em 2025, 84% das tentativas de fraude envolveram o Registro Geral (RG), que continua sendo amplamente utilizado e tem grande variedade de versões em circulação. A Carteira Nacional de Habilitação (CNH) também registrou aumento na participação das fraudes, passando de 8% dos casos em 2022 para 14% em 2025.

Para o diretor de tecnologia da Caf, José Oliveira, a multiplicidade de modelos de RG ainda presentes no país amplia o risco de manipulação, num cenário em que a Carteira de Identidade Nacional (CIN) está sendo adotada de forma escalonada. Ele afirma que soluções tecnológicas vêm se tornando essenciais para detecção de irregularidades.

“O Brasil convive com inúmeras versões de RG em circulação, o que amplia a superfície de fraude. Isso torna inviável depender apenas de inspeção visual ou de processos manuais”, enfatiza.

Oliveira explica que sistemas baseados em inteligência artificial conseguem identificar sinais de adulteração digital com maior precisão, mas destaca que a combinação entre tecnologia e análise humana ainda oferece o índice mais elevado de eficácia, chegando a 98% de acerto na detecção de fraudes.

Análises

O levantamento utilizou uma tecnologia denominada Documentoscopia, que combina verificação automatizada, captura assistida, extração de dados por OCR (reconhecimento óptico de caracteres) e análise especializada. Apenas em 2025, mais de 11 milhões de documentos foram analisados pela plataforma da empresa.

Fundada em 2019, a Caf atua no desenvolvimento de tecnologias antifraude com soluções de verificação biométrica, reconhecimento documental e validação de identidade usadas principalmente em sites e aplicativos.

*Welton Máximo – Repórter da Agência Brasil

Fonte: Agência Brasil

Decisão é do Tribunal de Ética da OAB/SP ao responder consulta.

 

 

24 de novembro de 2025

É infração ética utilizar, em peças processuais, o conteúdo de conversas privadas de WhatsApp mantidas entre advogados de lados opostos durante tratativas para acordo. Assim decidiu a 1ª turma de ética profissional da OAB/SP.

Ao responder consulta, a Ordem reforça o entendimento de que a comunicação direta entre profissionais está protegida pelos deveres de lealdade, solidariedade e confraternidade que regem a advocacia. A Turma destacou que o uso dessas mensagens no processo extrapola o limite ético e viola princípios fundamentais previstos no Código de Ética e Disciplina da OAB. A divulgação da conversa sem consentimento, além de surpreender o colega, pode gerar constrangimento, deteriorar o ambiente negocial e, em casos mais graves, ter repercussões disciplinares.

Veja a íntegra da ementa:

COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL PRIVADA. WHATSAPP. ADVOGADOS DE POLOS ADVERSOS. REVELAÇÃO DO CONTEÚDO EM PEÇA PROCESSUAL. USO INDEVIDO. QUEBRA DOS DEVERES DE LEALDADE E DE CONFRATERNIDADE. O conteúdo de conversas privadas de whatsapp, havidas entre os advogados das partes contendentes, em meio à busca de solução amigável da lide, compõem os elos da lealdade, da solidariedade e da confraternidade que vinculam os profissionais da Advocacia, cuja quebra constitui-se em infração ético-disciplinar. Inteligência dos Arts. 2º, Par. Ún., I, II; 3º; 6º, e 27, §§1º e 2º, do Código de Ética e Disciplina da OAB – CED. Proc. 25.0886.2025.007105-7 – v.u., em 16/10/2025, parecer e ementa do Rel. Dr. JOÃO CARLOS RIZOLLI, Rev. Dr. PAULO DE TARSO ANDRADE BASTOS, Presidente Dr. JAIRO HABER.

Fonte https://www.migalhas.com.br/quentes/444907/e-infracao-etica-usar-em-processo-conversa-entre-advogados-no-whatsapp

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o direito à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de veículo para a atividade de taxista não exige o exercício anterior da profissão, bastando a existência prévia de autorização ou de permissão do poder público. Segundo o colegiado, condicionar a concessão da isenção ao exercício prévio da atividade significaria impor uma restrição não prevista pelo legislador na Lei 8.989/1995.
18/11/2025

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso especial interposto pela Fazenda Nacional contra o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que reconheceu o direito de um cidadão à isenção do IPI na compra de seu primeiro carro destinado ao serviço de táxi.

A Fazenda Nacional sustentava que o TRF1 teria dado interpretação extensiva à norma de isenção prevista no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.989/1995. Para o ente fazendário, tal dispositivo vincularia a concessão do benefício à comprovação de que o interessado já esteja exercendo a atividade de taxista por ocasião da compra do veículo.

Restringir o benefício reduziria o alcance social da lei

O relator do recurso, ministro Paulo Sérgio Domingues, afirmou que a isenção do IPI tem caráter extrafiscal, configurando uma política pública tributária voltada a estimular o trabalho dos taxistas ao facilitar a aquisição dos veículos que são seus instrumentos de trabalho.

O ministro explicou que, embora o artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN) imponha a interpretação literal das normas que concedem isenções tributárias, essa exigência não impede o julgador de considerar a finalidade da norma e sua coerência com o ordenamento jurídico, mas apenas impede a ampliação do benefício para situações não previstas pelo legislador.

Nessa perspectiva, o relator observou que o artigo 1º, inciso I, da Lei 8.989/1995 não estabelece a necessidade de exercício prévio da atividade de taxista. O ministro destacou que a finalidade extrafiscal da norma e a sua coerência com o sistema jurídico conduzem ao entendimento de que a expressão “motoristas profissionais que exerçam” diz respeito à destinação exclusiva do veículo para o serviço de táxi, sendo, conforme frisou, suficiente a autorização ou permissão prévia do poder público para a concessão do benefício fiscal.

“Restringir o benefício apenas aos taxistas já estabelecidos anteriormente na profissão equivaleria a reduzir o alcance social da lei, criando uma barreira injustificada ao ingresso de novos profissionais e incompatível com o objetivo da política pública. Por essa razão, a previsão do artigo 1º, I, da Lei 8.989/1995 favorece tanto os taxistas que já exercem a profissão quanto os que desejam ingressar nela”, concluiu.

REsp 2.018.676.

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que não é possível considerar culpa concorrente, para fins de distribuição proporcional dos prejuízos, quando o consumidor é vítima de golpe devido a falha no sistema de segurança bancária. O colegiado entendeu que a possibilidade de redução do valor da indenização, em razão do grau de culpa do agente, deve ser interpretada restritivamente, conforme estabelecido em enunciado aprovado pela I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
18/11/2025

No caso em análise, a cliente de um banco foi induzida pelo estelionatário, que se passou por funcionário da instituição, a instalar um aplicativo no celular sob o falso pretexto de regularizar a segurança de sua conta. A partir dessa conduta – conhecida como golpe da “mão fantasma” ou do “acesso remoto” –, o criminoso contratou um empréstimo de R$ 45 mil, sem o consentimento da correntista, e fez diversas transações financeiras totalmente incompatíveis com o perfil de movimentação da conta.

Na primeira instância, o banco foi condenado a restituir integralmente o prejuízo da vítima. Contudo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) reconheceu a ocorrência de culpa concorrente e reduziu a condenação à metade.

Validação de operações fora do perfil do cliente configura defeito do serviço

No STJ, o relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, observou que os bancos têm o dever não só de criar mecanismos capazes de identificar e coibir a prática de fraudes, mas de aprimorá-los constantemente. O magistrado ressaltou que a validação de operações suspeitas, que não correspondem ao perfil do consumidor, caracteriza defeito na prestação do serviço, o que leva à responsabilização objetiva do banco.

Segundo o ministro, ao contratar serviços bancários, o cliente busca segurança para seu patrimônio, salvo quando opta por investimentos mais arrojados, em que há normalmente a assunção de risco mais elevado. No entanto, “a simples adesão a métodos mais modernos de realização de operações bancárias, que não implicam ou não deveriam implicar maior grau de risco para os usuários, não pode ser confundida com a contratação de um objeto sabidamente perigoso”, disse.

Culpa concorrente da vítima exige consciência da possibilidade de dano

Villas Bôas Cueva destacou que o reconhecimento da culpa concorrente só é admissível quando a vítima assume e potencializa, de forma consciente, o risco de sofrer dano. Para ele, a aplicação da teoria do risco concorrente, diretamente ligada à tese da responsabilidade pressuposta, exige uma situação em que a vítima pudesse presumir que sua conduta seria capaz de aumentar o risco.

O ministro apontou que, no caso apreciado, não é razoável entender que a vítima do golpe, ao instalar programa de captação dissimulada de dados pessoais em seu celular, sob a orientação de pessoa que dizia ser funcionária do banco, assumiu o risco consciente de vir a sofrer prejuízos.

“O acesso de terceiros a aplicativos e senhas pessoais não ocorre por falta de cautela dos correntistas, mas em virtude de fraude contra eles cometida. Por esse motivo, entende-se inviável, na hipótese, a distribuição do dever de reparação proporcional ao grau de culpa de cada um dos agentes, devendo a instituição bancária responder integralmente pelo dano sofrido pela autora da demanda”, concluiu ao dar provimento ao recurso especial para condenar o banco a ressarcir integralmente a vítima.

 

Fonte: STJ
Um julgamento do Superior Tribunal de Justiça e as alterações promovidas pelo PL do Imposto de Renda (Projeto de Lei 1.087/2025) tornam os juros sobre capital próprio (JCP) um instrumento ainda mais atrativo para empresas e investidores.

18 de novembro de 2025

 

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números escritos a mão e calculadora

Carga tributária combinada e deduções da base de IRPJ e CSLL tornam JCP um instrumento eficiente para remunerar investidores no Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A conclusão é de advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o tema. Os juros sobre capital próprio representam a remuneração daqueles que investiram dinheiro na atividade exercida. O pagamento não depende do sucesso do negócio.

Lei 9.249/1995 autoriza a dedução dos JCP do lucro líquido, o que reduz a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Na quarta-feira (12/11), a 1ª Seção do STJ autorizou a dedução inclusive quando os JCP são pagos de forma retroativa: nas ocasiões em que foram apurados em exercício anterior ao da decisão que autorizou seu pagamento

A tese vinculante baseada na jurisprudência das turmas de Direito Público deu segurança jurídica para as empresas optantes pela tributação sobre o lucro real possam aderir a esse mecanismo alternativo de remuneração.

Ele fica ainda mais interessante considerando que o PL do Imposto de Renda, aprovado em novembro pelo Congresso Nacional, mas ainda não sancionado pelo presidente Lula, abre um diferencial tributário em relação ao pagamento de dividendos.

JCP x dividendos

Hoje, a distribuição de dividendos a investidores nacionais e estrangeiros não é tributada pelo Imposto de Renda. O pagamento dos JCP, por sua vez, tem 15% de tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

Com o PL 1.078/2025, os dividendos passam a ser taxados em 10% de IRRF para quem receber a partir de R$ 50 mil no mês da mesma pessoa jurídica.

A alíquota para o JCP, que não é alterada pelo PL 1.078/2025, segue mais alta que a dos dividendos. O diferencial reside justamente na possibilidade de a empresa deduzir esses valores da base de IRPJ e CSLL.

A economia fiscal é da ordem de 34%. Caso esse valor não fosse pago a título de JCP, sobre ele incidiriam 15% de alíquota básica do IRPJ, mais 10% sobre o que exceder de R$ 20 mil ao mês, além de 9% de CSLL.

Em termos de carga tributária combinada, os JCP são mais vantajosos. Para o investidor, se as regras do PL 1.078/2025 entrarem em vigor, essa eficiência tributária tende a tornar mais vantajosos os juros sobre capital próprio do que os dividendos se a distribuição exceder R$ 50 mil ao mês.

Janela de oportunidades

Mauricio Braga Chapinoti, do Gasparini Barbosa e Freire Advogados, explica que os JCP são ainda mais atrativos para os investidores estrangeiros porque alguns países tratam como dividendos para fins tributários. Isso pode ajudar no crédito do IRRF retido no Brasil contra o Imposto de Renda devido no país do investidor estrangeiro.

“No caso do PL 1.087/2025, o fato de ser passível de reembolso impossibilita o creditamento do IRRF na apuração do imposto de renda devido no país do investidor estrangeiro”, aponta o advogado.

Em sua análise, o PL 1.087/2025 muda toda a forma de investimento no Brasil, especialmente do capital estrangeiro. Ele acredita que os investidores devem “migrar para investimentos de dívida, que são dedutíveis para fins de apuração de IRPJ/CSLL. Como os JCP são dedutíveis, o fluxo desse tipo de pagamento deve aumentar.”

Ricardo Maito, do TozziniFreire Advogados, destaca que as vantagens e desvantagens do pagamento de JCP irão depender de cálculos e da análise específica de cada empresa, considerando o mecanismo de integração que o PL 1.078/2025 traz entre empresa e investidor.

Ainda assim, a tese aprovada pelo STJ gera uma boa oportunidade. “Por incrível que pareça, mesmo se tratando de uma prerrogativa criada 30 anos atrás, muitas empresas não usam esse mecanismo alternativo de remuneração, que tem um efeito tributário positivo para as empresas de grande porte (optantes pelo lucro real).”

“Empresas que não tenham remunerado os acionistas com pagamento de JCP podem fazer essa deliberação agora, tendo por referência os resultados apurados em anos fiscais anteriores, desde que observadas as limitações aplicáveis em cada período. A recente decisão do STJ traz segurança jurídica quanto a esse tipo de cálculo retroativo do JCP e abre uma oportunidade para que empresas reduzam a sua despesa de IRPJ/CSLL.”

REsp 2.161.414
REsp 2.162.248
REsp 2.162.629
REsp 2.163.735

O Superior Tribunal de Justiça vai estabelecer uma tese vinculante sobre a validade de provas obtidas a partir de espelhamento de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp. Enquanto isso não acontece, o cenário atual sobre o tema é de precedentes conflitantes entre si nas turmas criminais da corte. Criminalistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico veem a prática com receio e defendem sua restrição, por causa do risco de manipulação de mensagens.

 

 

 

 

 

17 de novembro de 2025

 

 

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Celular apoiado em suporte com WhatsApp aberto. Pessoa usando WhatsApp Web no PC ao fundo.

Espelhamento do WhatsApp Web permite que investigador acesse, envie, edite e apague mensagem.

 

 

O espelhamento ocorre no WhatsApp Web (versão do aplicativo para navegador do computador). A partir da leitura de um código QR, um dispositivo da polícia é pareado com o do investigado. Sem que essa pessoa saiba, os investigadores ganham acesso às conversas já armazenadas e também às futuras, assim como a possibilidade de enviar mensagens, editá-las e apagá-las sem deixar vestígios.

Em 2018, a 6ª Turma do STJ anulou provas obtidas por meio desse método (RHC 99.735). Os ministros ressaltaram que o espelhamento permite às autoridades o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas ou recentes com total liberdade, sem deixar rastros no aplicativo, no dispositivo ou nos servidores da empresa.

Para se defender, o acusado precisa provar que determinada mensagem existiu e foi apagada pela polícia — algo impossível, enquadrado no conceito de “prova diabólica”.

Essa tese foi reafirmada em 2021, quando a mesma turma anulou provas obtidas por espelhamento em um caso no qual havia autorização judicial prévia para tal medida.

No último ano, a 5ª Turma do STJ teve um entendimento diferente e validou o espelhamento como técnica especial de investigação, desde que amparado por autorização judicial e outros requisitos.

O colegiado considerou que as provas obtidas por meio de espelhamento do WhatsApp Web devem ser presumidas como válidas. Ou seja, é desnecessário fazer uma perícia para comprovar a autenticidade do material, devido à fé pública dos policiais.

De acordo com esse precedente, o espelhamento também precisa ser proporcional, subsidiário e estar fundamentado e sujeito ao controle judicial.

Risco de abusos

Na visão de Dellano Sousa, advogado criminalista e perito em computação forense, o espelhamento do WhatsApp é um método “tecnicamente inseguro, pois cria um acesso remoto contínuo ao aplicativo sem gerar hasheslogs, metadados ou qualquer outro registro que permita validar a autenticidade do conteúdo”.

Hashes são como “impressões digitais” de um arquivo eletrônico que permitem saber se o conteúdo foi alterado. Logs são registros das ações realizadas em um sistema que indicam quem e quando o acessou.

O problema, portanto, é a “falta de garantia de integridade”. Sem uma “extração forense formal”, com ferramentas certificadas, não há como verificar se mensagens foram alteradas, inseridas ou removidas.

Sousa também aponta que o método não segue os padrões técnicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), da Organização Internacional para Padronização (ISO) e da Comissão Eletrotécnica Internacional (IEC).

De acordo com ele, provas digitais precisam ser íntegras (sem alterações desde sua coleta), auditáveis, justificáveis e repetíveis (se outra pessoa seguir o mesmo procedimento, deve conseguir obter o mesmo resultado).

O espelhamento não atende a nenhum desses requisitos. Por isso, tecnicamente, o material não é confiável. O ideal, segundo o advogado, seria que essa técnica não fosse utilizada.

Para Andréa D’Angelo, “é necessário impor limitações” às provas decorrentes de espelhamento de WhatsApp, pois elas têm “caráter volátil” e são “facilmente manipuláveis”. A advogada destaca que é inviável “a constatação de autenticidade, integridade e origem” das mensagens.

Entre os critérios propostos por D’Angelo para o procedimento estão: autorização judicial fundamentada; demonstração de que é impossível produzir a prova por outros meios; prazo determinado; preservação da cadeia de custódia da prova; e imposição de um controle judicial rígido e contínuo.

Mas ela considera difícil proibir a prática, já que o artigo 10-A da Lei de Organizações Criminosas permite a “ação de agentes de polícia infiltrados virtuais”.

Em recente texto na coluna “Justo Processo”, da ConJur, os juízes Daniel Avelar e Valdir Ricardo Lima Pompeo Marinho avaliaram que o espelhamento é um meio de obtenção de prova “atípico e híbrido”. Portanto, exige regulamentação legal para mitigar eventuais abusos na investigação.

Eles acreditam que o precedente de 2024 da 5ª Turma “não estabelece limites temporais claros” e “implicitamente atribui ao investigado o encargo de demonstrar algo tecnicamente inverificável”. A cadeia de custódia, explicam, deve ser preservada pelo Estado, e “não compete ao acusado demonstrar a violação”.

Por isso, Avelar e Marinho sugerem alguns requisitos mínimos para uma legislação sobre o tema, entre eles a autorização judicial fundamentada, específica e delimitada no tempo; a cadeia de custódia digital com certificação técnica; e o contraditório, com acesso do acusado aos dados técnicos.

Pela proposta, a autorização judicial deve dizer se o espelhamento se limitará ao acompanhamento passivo das mensagens ou se haverá também intervenção ativa dos investigadores. Esta deverá ser “previamente autorizada judicialmente e documentada, sob pena de nulidade”, indicam.

A autorização deve abranger somente conversas com “pertinência temática direta”. Diálogos protegidos por sigilo profissional devem ser segregados, e dados irrelevantes, destruídos. Também deve ser proibido o compartilhamento das conversas para outros fins.

Os dois juízes entendem que é preciso demonstrar quais outros meios de obtenção de prova foram considerados, por que eles se revelaram inadequados e em que medida o espelhamento contorna essa inadequação. Para eles, não basta a mera menção à criptografia, nem a alegação genérica de que a segurança pública deve prevalecer sobre a privacidade individual.

Ainda segundo os magistrados, o espelhamento só é legítimo para crimes graves, especialmente aqueles praticados por organizações criminosas.

Muito além do grampo

A discussão sobre o espelhamento surge porque ele é diferente da interceptação telefônica tradicional — o chamado “grampo”, medida prevista na Lei 9.296/1996.

Nesta, a polícia “captura comunicações no instante em que ocorrem, sem interferência no conteúdo”, como explicam Avelar e Marinho. E o espelhamento dá acesso às mensagens já armazenadas no dispositivo e permite o acompanhamento de novos diálogos.

“A interceptação é um procedimento regulado, com início e fim definidos, restrita a comunicações em trânsito e acompanhada de registros mínimos de auditoria”, explica Dellano Sousa. “Ela opera dentro de um ambiente tecnicamente controlável: há logs, delimitação temporal e alguma rastreabilidade sobre o que foi captado.”

O espelhamento, segundo ele, é o oposto disso: um acesso remoto permanente ao aplicativo, sem hash, metadados, trilha de auditoria ou qualquer mecanismo que permita comprovar “integridade, autenticidade ou cadeia de custódia”.

O advogado também destaca que o espelhamento permite acesso não só ao histórico de mensagens, mas também a outros arquivos, documentos, fotos e contatos armazenados. Trata-se de “um universo de dados que jamais seria alcançado por uma interceptação em sentido estrito”.

Por causa de todo esse acesso, a captação de comunicações “no exato momento em que elas acontecem” e, ainda, a possibilidade de que as autoridades enviem mensagens como se fossem o investigado ou apaguem diálogos, D’Angelo enxerga o espelhamento como algo “extremamente perigoso” do ponto de vista da legalidade e da cadeia de custódia. Por isso, ela defende que as regras para o espelhamento sejam mais rigorosas do que aquelas voltadas à interceptação telefônica.

REsp 2.052.194

Indenização ainda não foi definida
14/11/2025
Mariana (MG) - Barragem de Fundão, operada pela mineradora Samarco, dois anos após a tragédia do rompimento da estrutura de contenção de rejeitos (José Cruz/Agência Brasil)
© José Cruz/Agência Brasil

A mineradora inglesa BHP foi condenada pelo Tribunal Superior de Justiça de Londres, nesta sexta-feira (14), pelo rompimento da Barragem de Fundão, na cidade de Mariana, em Minas Gerais. A empresa é acionista da Samarco, responsável pelo desastre.

Não foi divulgado o valor da indenização que a empresa terá de pagar.

Segundo a decisão da Justiça inglesa, “o risco de colapso da barragem era previsível“. A decisão da corte internacional considerou “imprudente” manter a elevação da barragem.

A análise feita no documento informa que um teste de estabilidade teria identificado fatores de segurança.

“O risco de colapso da barragem era previsível. Diante dos sinais óbvios de rejeitos saturados e de numerosos incidentes de infiltração e fissuras foi imprudente continuar a elevar a barragem sem uma análise apropriada dos riscos. Um estudo teria identificado fatores de segurança. É inconcebível que se tenha tomado a decisão de continuar a elevar o nível da barragem nestas circunstâncias”.

Em nota, a BHP afirmou que recorrerá da decisão. “A BHP informa que pretende recorrer da decisão da corte britânica e reforça o compromisso da BHP Brasil com o processo de reparação no Brasil e com a implementação do Novo Acordo do Rio Doce”.

A mineradora reforçou que cerca de R$ 70 bilhões foram pagos aos moradores da Bacia do Rio Doce e também a entidades públicas no Brasil. “Mais de 610 mil pessoas receberam indenização, incluindo aproximadamente 240 mil autores na ação do Reino Unido que outorgaram quitações integrais. A Corte inglesa confirmou a validade dos acordos celebrados, o que deverá reduzir significativamente o tamanho e valor da ação em curso”.

A BHP ainda afirmou que acredita que as medidas tomadas no Brasil são “o caminho mais efetivo” para fazer a reparação a todas as pessoas atingidas pela tragédia e também ao meio ambiente.

No primeiro semestre de 2027 haverá nova audiência sobre o caso, que deve avaliar a dimensão dos danos causados pelo rompimento da barragem. Haverá, ainda, uma terceira etapa, com a definição das indenizações individualizadas. Essa etapa, no entanto, está prevista para acontecer apenas em 2028.

Dez anos

No último dia 5 de outubro, a tragédia em Mariana completou dez anos. O rompimento da Barragem de Fundão despejou toneladas de dejetos provenientes da mineração e contaminou rios. Também atingiu municípios próximos e matou 19 pessoas.

* Matéria atualizada para acréscimo da nota da mineradora BHP

Fonte: Agência Brasil

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o abandono da ação de alimentos pelo representante legal de incapaz exige a nomeação da Defensoria Pública para atuar como curadora especial do alimentando. Para o colegiado, a inércia da mãe, ao não dar prosseguimento à ação ajuizada em favor do seu filho, é incompatível com o melhor interesse da criança, que não pode ter o seu direito à subsistência prejudicado pela negligência da representante legal. 
12/11/2025

Na origem, após decisão que fixou os alimentos provisórios, foi determinada a intimação das partes para a audiência de conciliação. Contudo, a mãe não foi localizada e, mesmo após intimação pessoal para impulsionar o andamento do processo, permaneceu inerte. Diante dessa omissão, passados quatro anos do ajuizamento da ação e estando o feito paralisado há dois anos, o juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução do mérito, com base no artigo 485, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC).

A Defensoria Pública apelou, buscando sua nomeação como curadora especial da criança, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu não haver fundamento jurídico para atender ao pedido, nem para a nomeação do Ministério Público para assumir o polo ativo da demanda, tendo em vista que o menor já estava representado pela mãe.

Em recurso ao STJ, o Ministério Público fluminense sustentou que a conduta desidiosa da representante legal da criança configuraria conflito de interesses e, em última análise, equivaleria à ausência de representação legal, o que autorizaria a nomeação da Defensoria Pública como curadora especial do alimentando.

Melhor interesse da criança deve orientar a interpretação da norma

Para a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, apesar de o CPC autorizar a extinção da ação sem resolução do mérito devido ao abandono da causa, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente deve nortear a interpretação da norma pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido, a ministra considerou que a atitude da representante legal ao não dar andamento ao processo implica reconhecer a negligência no cumprimento de seus deveres pautados na autoridade familiar. Além disso, a relatora afirmou que o direito aos alimentos é personalíssimo e indisponível, e que, dada sua relevância para a subsistência do menor, tal conduta desidiosa contraria o princípio da proteção integral da criança e do adolescente.

“Diante desse cenário, não é do melhor interesse do alimentando a extinção da ação sem julgamento de mérito, posto que ficará desassistido em seu direito aos alimentos. Assim, configurado o conflito de interesses em razão da inércia da genitora, é do melhor interesse do alimentando a nomeação da Defensoria Pública como curadora, a fim de dar prosseguimento à demanda”, ressaltou.

Por fim, Nancy Andrighi destacou que não se verificou ausência de representação legal do alimentando, uma vez que ele estava devidamente representado por sua mãe. Entretanto, a ministra reconheceu que a inércia da representante legal configura conflito de interesses, apto a ensejar a nomeação de curador especial, nos termos dos artigos 72, I, do CPC e 142, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ