Posts

23/09/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que, tendo havido a concordância do adquirente no momento da compra, é válida a cobrança de taxa de manutenção das áreas comuns pela administradora de loteamento, mesmo antes da promulgação da Lei 13.465/2017.

A decisão foi tomada no reexame de recurso especial, para eventual juízo de retratação (artigo 1.040, II, do Código de Processo Civil), após o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 695.911 (Tema 492).

De forma unânime, os ministros da Terceira Turma mantiveram o acórdão anterior, por entender que ele não conflita com a posição do STF.

Na origem do caso, em fevereiro de 2009, um grupo de proprietários ajuizou ação declaratória de inexistência de obrigação contra a administradora do loteamento em que possuíam terrenos, em virtude da cobrança de taxa destinada à manutenção das áreas comuns.

Os autores da ação alegaram não existir lei que os obrigasse a pagar a taxa. Segundo eles, mesmo que se tratasse de um condomínio, as decisões sobre sua administração deveriam ser aprovadas em assembleia, mas isso não ocorreu, o que inviabilizaria por completo a exigência de pagamento.

Por seu lado, a administradora afirmou que, desde a constituição do loteamento, foi estabelecido contrato-padrão com a previsão de que haveria serviços de conservação cujo custeio seria rateado entre os proprietários, e que, durante vários anos, os autores pagaram a mensalidade sem qualquer oposição, tendo os serviços sido efetivamente prestados.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que a cobrança da taxa era válida, pois os compradores sabiam da sua exigência quando assinaram o contrato. A decisão foi mantida pelo STJ no primeiro julgamento do recurso.

Situação é diferente da julgada pelo STF

Ao analisar o RE 695.911, o STF definiu que “é inconstitucional a cobrança, por parte de associação, de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei 13.465/1917 ou de anterior lei municipal que discipline a questão”.

Para a relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, a decisão proferida pela Terceira Turma não destoa do entendimento fixado pelo STF, o qual diz respeito à situação em que não há regulamentação legal nem manifestação de vontade das partes.

A ministra transcreveu trechos do acórdão do TJSP nos quais se reconhece que os compradores dos terrenos estavam cientes de que teriam de arcar com as taxas. “O contexto delineado pelas instâncias de origem revela que, a despeito da ausência, à época, de previsão legal, os recorrentes manifestaram expressa vontade de assumir, perante o loteador, a obrigação de pagar a taxa de manutenção”, afirmou.

Nancy Andrighi lembrou que, de acordo com os autos, a aquiescência dos compradores com esse pagamento constou dos contratos, cujo modelo estava registrado no cartório de imóveis. Diante dessa peculiaridade, concluiu a relatora, “sobressai a distinção com o decidido no RE 695.911, de modo que o acórdão exarado por esta turma não conflita com o precedente da Suprema Corte”.

A ministra assinalou ainda que, em decisão sobre o mesmo loteamento (RE 1.207.710), o ministro do STF Gilmar Mendes – assim como a Terceira Turma do STJ – entendeu que se tratava de um caso peculiar, que não se assemelhava ao entendimento proferido por aquela corte em repercussão geral.

REsp 1.569.609.

Fonte: STJ

23 de setembro de 2022

Embora o autor da petição judicial deva ter procuração nos autos, o protocolo do documento em sistema de peticionamento eletrônico pode ser feito por advogado sem procuração, mas nas seguintes hipóteses: petição nato-digital ou digitalizada, assinada eletronicamente com certificado digital por advogado com procuração nos autos, desde que a plataforma seja capaz de validar a assinatura digital; e documento digitalizado que reproduza petição impressa e assinada manualmente por advogado devidamente constituído no processo.

STJ define condições para admitir petição eletrônica por advogado sem procuração

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a incidência da Súmula 115 do STJ em caso no qual a petição de recurso foi impressa, assinada pelo advogado constituído no processo e, depois de digitalizada, juntada aos autos por outro advogado, este sem procuração.

Relator do recurso em que se discutiu a questão, o ministro Luis Felipe Salomão lembrou que, em 2001, foi editada a Medida Provisória 2.200-2, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Nos termos do artigo 6º da MP, o par de chaves criptográficas será gerado pelo próprio titular, e sua chave privada de assinatura será de seu controle exclusivo.

Conforme apontado pelo ministro, com a segurança proporcionada pela certificação digital, entrou em vigência a Lei 11.419/2006, a qual previu, no âmbito dos processos judiciais, a assinatura digital baseada em certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada, além do cadastro do usuário no Poder Judiciário.

O relator também comentou que, conforme o artigo 228, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC), a juntada de petições em processos judiciais eletrônicos se dá de forma automática, a partir do protocolo no sistema de peticionamento eletrônico, independentemente de ato de juntada pelo serventuário da Justiça.

Segundo Salomão, a regra legal não restringe o peticionamento aos processos nos quais o profissional tenha procuração, de modo que o ato, com a consequente juntada automática nos autos, pode ser praticado por qualquer advogado; assim, o lançamento da assinatura eletrônica na petição servirá apenas para identificar quem a protocolou no sistema.

Em sentido semelhante, o ministro esclareceu que o artigo 425, inciso VI, do CPC, ao dispor sobre a petição de reproduções digitalizadas de documentos, também não indica a necessidade de o advogado possuir procuração nos autos.

Por outro lado, o relator ressaltou que, conforme decidido no AREsp 471.037, a inclusão de imagem da assinatura do advogado não supre a ausência das formas de assinatura eletrônica previstas pela Lei 11.419/2006.

Nesse cenário normativo, Luis Felipe Salomão entendeu que a petição ou outro documento nato-digital assinado digitalmente por advogado com procuração nos autos — com o uso de certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada — podem ser admitidos, ainda que tenham sido protocolados por advogado sem procuração, desde que a plataforma de processo judicial eletrônico seja capaz de validar a assinatura digital do documento.

No caso de petição digitalizada, o relator considerou aplicáveis as exigências previstas para os documentos nato-digitais, respeitados os requisitos de validação — uso de assinatura com certificado digital ou eletrônica e cadastro no Judiciário.

Em relação ao caso dos autos — no qual o advogado constituído assinou manualmente petição impressa, e depois o documento digitalizado foi juntado aos autos por profissional sem procuração —, Salomão também entendeu ser admissível o protocolo do documento.

De acordo com o ministro, a identificação inequívoca do signatário pode ser garantida pelo uso de certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada, nos termos da MP 2.200-2/2001, quando a plataforma de processo eletrônico judicial for capaz de validar a assinatura digital do documento; ou pela assinatura de punho lançada no documento original, “o qual poderá ser consultado se houver alegação motivada e fundamentada de adulteração”. 

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.


AREsp 1.917.838

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 23 de setembro de 2022, 15h49

21/09/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o time mandante que não ofereceu segurança necessária para evitar tumultos na saída do estádio deverá responder pelos danos causados, solidariamente com a entidade organizadora da competição.

No processo, torcedores corintianos relataram que, após o término de um jogo entre São Paulo e Corinthians no estádio do Morumbi – que pertence ao primeiro clube –, foram obrigados a aguardar a saída da torcida adversária. Enquanto estavam confinados, uma bomba caseira foi jogada de fora para dentro do estádio, provocando o tumulto que resultou em dezenas de feridos, entre eles os autores da ação. Além disso, a Polícia Militar, que havia sido acionada para promover a segurança, disparou gás de efeito moral na tentativa de conter o tumulto, o que piorou a situação.

O juiz considerou improcedentes os pedidos de indenização por danos materiais e morais, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença e condenou o São Paulo Futebol Clube e a Federação Paulista de Futebol a indenizar os autores.

No recurso ao STJ, o São Paulo sustentou que foram cumpridas as medidas cabíveis de segurança e que a bomba caseira foi arremessada da parte externa do estádio; e que haveria culpa de terceiros, tanto de quem jogou a bomba quanto da polícia. A federação também recorreu para tentar afastar sua responsabilização, mas, nesse ponto, o apelo foi rejeitado.

Legislações disciplinam os direitos do torcedor

O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que o artigo 13 do Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003) garante aos torcedores o direito à segurança antes, durante e após os eventos esportivos.

Ao analisar o recurso do São Paulo, o ministro apontou que, conforme os artigos 14 e 19 do estatuto, o clube detentor do mando de jogo tem responsabilidade objetiva – e solidária com a entidade que organiza a competição – diante dos prejuízos causados aos torcedores por falhas de segurança.

Cueva ressaltou que, em relação à responsabilidade, o Estatuto do Torcedor prevê a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor (CDC), cujos artigos 12 a 14 tratam do vício grave que gera acidente de consumo, sendo a federação e o clube mandante equiparados, para esse efeito, à condição de fornecedores de serviço.

Analisar o caso concreto é indispensável

De acordo com o relator, embora se reconheça que a responsabilidade é objetiva, “ligada ao fato e ao risco da atividade e desprendida da prova da culpa”, a legislação aplicável não adota a teoria do risco integral, pela qual as entidades responderiam por todo e qualquer dano ocorrido nas imediações do estádio.

Afastada a teoria do risco integral – explicou o ministro –, é possível a isenção da responsabilidade se for demonstrada culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, o que impõe o exame das particularidades do caso em julgamento para se verificar se realmente houve defeito da segurança e se a situação estava diretamente relacionada com a atividade desempenhada pelas entidades rés – conforme definiu a Terceira Turma em precedente que tratou de situação semelhante (REsp 1.924.527).

O relator destacou que a falha na prestação de serviço teve início no tratamento incompatível com o exigido pela legislação, quando os torcedores do time visitante ficaram recolhidos por quase uma hora em local apertado, enquanto os torcedores da casa eram liberados.

Outro aspecto destacado pelo ministro foi a atuação da polícia, que, além de não ter sido capaz de conter o tumulto, agiu de forma a potencializá-lo. De acordo com seu entendimento, tal fato não exclui a responsabilidade do clube recorrente, que está ligada a fatos precedentes, como o confinamento e o arremesso da bomba por seus próprios apoiadores.

“O fato de a primeira bomba ter sido arremessada da parte externa do estádio não interfere no dever de indenizar”, observou o relator, explicando que os danos ocorreram nas dependências da arena esportiva e que o fato está inserido no contexto do jogo e na rivalidade entre as torcidas. Além disso, a situação é reveladora de que “a fiscalização das redondezas também foi defeituosa, visto que havia torcedores munidos de artefatos explosivos”.

REsp 1.773.885.

Fonte: STJ

20/09/2022

Em contratos de mútuo, havendo a renovação sucessiva do acordo, o prazo prescricional – de 20 anos, para negócios regidos pelo Código Civil de 1916, e de dez anos, na vigência do CC/2002 – deve ser contado a partir da data de celebração do último compromisso.

O entendimento foi reafirmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, em ação revisional de contratos de empréstimo, aplicou o prazo prescricional de dez anos e considerou que o marco inicial deveria ser a data da celebração inicial do contrato, ainda que tivesse havido sucessivas repactuações entre as partes.

No processo, em primeira instância, o juiz limitou a taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano, além de afastar a cobrança de capitalização mensal, recalcular a taxa de administração e determinar a restituição dos valores pagos a mais pelo autor.

Em segundo grau, o TJRS reformou parcialmente a sentença para reconhecer a prescrição decenal do pedido de revisão do contrato – contada a partir da data em que o contrato foi originalmente firmado – e excluir o trecho relativo à capitalização.

Marco inicial da prescrição de negócios sucessivos envolve continuidade contratual

A ministra Nancy Andrighi explicou que, nos termos da jurisprudência do STJ, o início do prazo prescricional de dez anos para a ação de revisão de contrato bancário deve ser a data de sua assinatura.

Entretanto, a relatora apontou que, também de acordo com a jurisprudência do tribunal, no caso de sucessivas renovações negociais, em virtude da continuidade e da relação entre os contratos firmados, o prazo prescricional deve ser contado a partir da data de assinatura do último deles.

“Assim, havendo sucessão negocial com repactuação de dívidas, é imperiosa a necessidade de apuração da data da assinatura do último contrato renovado para verificar a ocorrência ou não da prescrição”, afirmou a ministra.

No caso dos autos, Nancy Andrighi observou que os empréstimos concedidos foram, na verdade, repactuações, de forma que deveria ser considerado como marco inicial prescricional o dia do último contrato firmado. Como consequência, a turma determinou o retorno dos autos ao TJRS para o exame da possibilidade de prescrição dos contratos objeto da revisão.

REsp 1.996.052.

Fonte: STJ

20/09/2022

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que a orientação contida na Súmula 326 (“Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”) permanece vigente mesmo após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015). De acordo com o artigo 292, inciso V, do código, o valor da causa na petição inicial da ação indenizatória – inclusive por dano moral – deve ser igual à reparação pretendida.

Após o CPC/2015, estabeleceu-se uma divergência doutrinária: o valor apontado pelo autor para a reparação do dano moral ainda poderia ser considerado meramente estimativo ou, sendo certo o montante pedido a título de indenização, a eventual fixação de valor menor pela Justiça deveria ser entendida como sucumbência parcial do requerente?

Ao resolver a divergência, o colegiado compreendeu que o valor sugerido pela parte autora continua servindo, nos termos da Súmula 326, apenas para que o juiz pondere a informação como mais um elemento na tarefa de arbitrar o valor da condenação. Ainda segundo a turma julgadora, o acolhimento do pedido inicial – entendido como a indenização em si, e não como o valor da reparação indicado pelo autor – é suficiente para impor ao réu a responsabilidade pelo pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios.

“Esses pressupostos subsistem e não foram superados tão só pelo fato de que o artigo 292, inciso V, do CPC/2015 passou a exigir que o autor da demanda indique – exclusivamente para o fim de se estipular o valor da causa, com possível repercussão nas custas processuais e, eventualmente, na competência do órgão julgador –, em caráter meramente estimativo, o valor pretendido a título de reparação pelos danos morais que diz haver suportado”, afirmou o relator do recurso especial, ministro Antonio Carlos Ferreira.

Autores pediram indenização de R$ 2 milhões, mas juiz arbitrou R$ 50 mil

Na origem do caso julgado, duas pessoas ajuizaram ação contra uma empresa jornalística devido à publicação de suas fotos em notícia desabonadora sobre os seus irmãos, pedindo indenização de R$ 2 milhões.

Em primeiro grau, o juízo condenou a empresa a pagar R$ 25 mil para cada autor e reconheceu a sucumbência recíproca em relação às custas e despesas processuais. Os autores e a ré foram condenados a pagar honorários de 10% sobre o valor da condenação (R$ 50 mil) ao advogado da parte contrária. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Relator do recurso da empresa jornalística, o ministro Antonio Carlos afirmou que a questão da responsabilidade civil não poderia ser rediscutida, por conta da Súmula 7.

Quanto aos encargos de sucumbência, o relator destacou a substancial discrepância entre o montante indenizatório buscado pelos autores (R$ 2 milhões) e o valor arbitrado pela Justiça de São Paulo (R$ 50 mil), o que poderia sugerir a prevalência da sucumbência dos autores da demanda.

No entanto, o ministro apontou que, no REsp 432.177 – um dos precedentes que levaram à edição da Súmula 326 –, ficou definido que a pretensão inicial da indenização por danos morais, pela natural dificuldade de ser aferida a lesão extrapatrimonial, deve ser entendida como uma simples estimativa do autor, de modo que, se o juiz fixar valor menor, esse fato não transforma o requerente em parcialmente vencido. Esse panorama, para Antonio Carlos Ferreira, não foi alterado pelo CPC/2015.

Arbitramento do valor dos danos morais é de competência exclusiva da Justiça

“Efetivamente, contraria a lógica reparatória, direito elevado ao status constitucional pela Carta de 1988 – artigo 5º, incisos V e X –, o provimento jurisdicional que, declarando a ilicitude do ato e o direito da vítima à indenização, com a condenação do ofensor ao pagamento de prestação pecuniária, impõe àquela a obrigação de custear os encargos processuais sucumbenciais em montante que supera o valor arbitrado para fins de ressarcimento”, esclareceu.

O relator ressaltou, ainda, que tem pouca influência a estimativa de dano moral apresentada pelo autor em sua petição inicial, pois o arbitramento do valor é de competência exclusiva do Judiciário.

No caso dos autos, o ministro observou que foram acolhidos os pedidos de indenização por danos morais e à imagem, de modo que a empresa jornalística foi integralmente sucumbente na ação. Por isso, negou o pedido da empresa para que a distribuição da sucumbência fosse ajustada ao fato de que os autores só conseguiram 2,5% do valor pleiteado.

Mesmo entendendo que a empresa nem sequer deveria ter sido favorecida com a repartição dos encargos sucumbenciais, o ministro manteve a decisão das instâncias ordinárias, pois não houve recurso dos autores da ação.

REsp 1.837.386.

Fonte: STJ

19/09/2022

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que a responsabilização penal de empresa incorporada não pode ser transferida à sociedade incorporadora. O colegiado fixou o entendimento de que o princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, pode ser aplicado às pessoas jurídicas.

De acordo com o processo, o Ministério Público do Paraná ofereceu denúncia contra uma sociedade empresária agrícola, imputando-lhe a prática do delito previsto no artigo 54, parágrafo 2º, inciso V, da Lei 9.605/1998, pelo suposto descarte de resíduos sólidos em desconformidade com as exigências da legislação estadual. A controvérsia que chegou ao STJ diz respeito ao fato de a empresa acusada originariamente ter sido incorporada por outra.

Após a decisão que rejeitou as preliminares da defesa, a empresa incorporadora impetrou mandado de segurança, alegando a extinção da punibilidade diante do encerramento da personalidade jurídica da ré originária da ação penal – a sociedade empresarial agrícola. Assim, por aplicação analógica do artigo 107, inciso I, do Código Penal (CP), que trata da morte do réu, seria inviável o prosseguimento da ação contra a incorporadora. O Tribunal de Justiça do Paraná concedeu a segurança.

No recurso encaminhado ao STJ, o Ministério Público sustentou que tanto o princípio da intranscendência da pena como o artigo 107, inciso I, do CP têm incidência restrita às pessoas naturais, únicas capazes de morrer, sobretudo porque as penas patrimoniais previstas na Lei 9.605/1998 poderiam ser assumidas pela incorporadora.

Pretensão punitiva estatal não se confunde com obrigações transmissíveis

O relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, observou que a incorporação é uma operação societária típica, por meio da qual apenas a sociedade empresária incorporadora continuará a existir, na qualidade de sucessora de todas as relações patrimoniais da incorporada, cuja personalidade jurídica é extinta.

O magistrado apontou que a sucessão da incorporada pela incorporadora se opera quanto a direitos e obrigações compatíveis com a natureza da incorporação, conforme se conclui a partir dos artigos 1.116 do Código Civil e 227 da Lei 6.404/1976.

“A pretensão punitiva estatal não se enquadra no conceito jurídico-dogmático de obrigação patrimonial transmissível, tampouco se confunde com o direito à reparação civil dos danos causados ao meio ambiente. Logo, não há norma que autorize a transferência da responsabilidade penal à incorporadora”, declarou Ribeiro Dantas.

Princípio da intranscendência da pena vale também para pessoas jurídicas

Para o relator, a extinção legal da pessoa jurídica ré – sem nenhum indício de fraude – leva à aplicação analógica do artigo 107, inciso I, do CP, com o consequente término da punibilidade.

O ministro destacou, ainda, que o princípio da intranscendência da pena pode ser aplicado às pessoas jurídicas, o que reforça a tese de que a empresa incorporadora não deve ser responsabilizada penalmente pelos crimes da incorporada.

“Se o direito penal brasileiro optou por permitir a responsabilização criminal dos entes coletivos, mesmo com as peculiaridades decorrentes da ausência de um corpo biológico, não pode ser negada a eles a aplicação de garantias fundamentais utilizando-se dessas mesmas peculiaridades como argumento”, concluiu o relator ao negar provimento ao recurso especial do Ministério Público.

  • Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1977172
  • Fonte: STJ

16/09/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base na Súmula 608, aplicou as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao julgar recurso especial no qual se discutiu a manutenção de empregado demitido em plano de saúde contratado na modalidade por adesão, mas patrocinado em parte pelo empregador. Para o colegiado, tal situação se equipara à modalidade de plano coletivo empresarial.

A decisão teve origem em ação ajuizada por um empregado público e por seus dependentes, após a demissão, com o objetivo de manutenção da família no plano de saúde, com base no artigo 30 da Lei 9.656/1998. Segundo o dispositivo, no caso de exoneração ou de rescisão do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado ao trabalhador o direito de manter sua condição de beneficiário do plano, desde que assuma o pagamento integral das mensalidades.

De acordo com o processo, o empregado fazia parte de plano de saúde coletivo contratado por uma associação em benefício de seus associados, mas custeado parcialmente pela empregadora na proporção de 80% da mensalidade do titular e 20% da mensalidade dos dependentes.

A operadora alegou que o contrato foi celebrado na modalidade coletiva por adesão, situação que não contemplaria o direito reivindicado pelo ex-empregado.

Ao analisar a controvérsia, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) julgou procedente o pedido do empregado, sob a fundamentação de que o plano, embora formalmente contratado na modalidade por adesão, seria equiparado a um plano empresarial, em virtude do benefício concedido pela ex-empregadora, na forma de patrocínio de parte da mensalidade.

Nem plano por adesão nem plano empresarial

Relator do processo no STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou que, de fato, o artigo 30 da Lei 9.656/1998 não se aplica aos contratos coletivos por adesão, visto que nesse tipo de avença o critério de elegibilidade é o vínculo associativo, e não o vínculo empregatício ou estatutário – exigido pela lei para a manutenção do plano após a demissão.

Entretanto, ele ressaltou que o caso analisado é singular, pois, embora o plano tenha sido celebrado na modalidade por adesão, contou com o patrocínio da empregadora, elemento típico dos planos empresariais. Por outro lado, observou que também não pode ser classificado como empresarial, em virtude da figura da associação como estipulante.

“O contrato de plano de saúde coletivo dos autos apresenta uma forma de contratação peculiar, que não se enquadra perfeitamente em nenhuma das hipóteses normativas previstas na regulação do setor de saúde suplementar”, ponderou o ministro ao citar a Resolução Normativa ANS 195/2009.

Artigo 47 do CDC: vetor interpretativo favorável ao consumidor

Em virtude da ausência de norma específica para o caso, Sanseverino, tomando como base a Súmula 608, concluiu pela aplicação subsidiária do CDC (Lei 8.078/1990) ao caso, em especial o seu artigo 47, o qual, segundo o magistrado, “impõe um vetor interpretativo favorável ao consumidor”.

“Esse vetor interpretativo é acentuado no caso concreto pelo fato de a relação de consumo sub judice ter por objeto a assistência à saúde, um bem existencial, diferentemente de outras relações contratuais que têm por objeto um bem patrimonial”, comentou.

Acompanhado de forma unânime pela turma, o ministro decidiu pela equiparação do plano de saúde em discussão à modalidade coletiva empresarial, conforme entendeu também o TJSP.

“Dessa forma, assegura-se ao usuário, ex-empregado, o direito de manutenção previsto no artigo 30 da Lei 9.656/1998, direito que seria inaplicável caso o contrato fosse equiparado a coletivo por adesão”, explicou.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

16/09/2022

Por violação aos princípios do devido processo legal, da publicidade e da ampla defesa, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou nulos todos os atos de um processo de reintegração de posse relativo a uma área localizada no bairro do Brás, em São Paulo. O motivo da nulidade foi a falta de citação por edital dos ocupantes não encontrados no local.

Segundo o colegiado, em ações possessórias contra número indeterminado de pessoas, é necessária a citação por edital, aliada à citação pessoal daqueles que se encontrarem no imóvel ocupado, nos termos do artigo 554, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), sob pena de nulidade.

O recurso dos ocupantes ao STJ teve origem em ação de reintegração de posse julgada procedente em primeiro grau. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao manter a decisão, concluiu que não haveria necessidade de qualificação e citação individual de todos os ocupantes, pois o comparecimento espontâneo de parte significativa deles ao processo – com a apresentação de contestação que serviria ao interesse de todo o grupo – permitiria presumir o conhecimento dos demais acerca da ação.

Citação pessoal dos ocupantes encontrados e ficta dos demais

A relatora, ministra Nancy Andrighi, citou doutrina segundo a qual as ações possessórias têm por finalidade a restauração de “uma situação de fato antecedente à turbação ou ao esbulho, respectivamente, afastando a perturbação à posse ou reinvestindo o possuidor no controle material da coisa; ou, para evitar que uma dessas lesões ocorra”.

Segundo a ministra, o CPC de 1973 não dispunha sobre forma especial de citação nessas ações, mas o CPC de 2015 encampou as práticas estabelecidas pela jurisprudência. O código, observou a magistrada, estabeleceu a desnecessidade de identificação de cada um dos invasores.

“Basta, portanto, a indicação do exato local da ocupação para que o oficial de Justiça proceda à citação pessoal dos que lá se encontrarem, sendo os demais citados de maneira ficta, por edital”, destacou.

Para a relatora, o legislador, ao prever que a esmagadora maioria dos requeridos será citada de forma ficta, determinou a ampla publicidade acerca da existência da ação possessória, por anúncios em jornais ou rádios locais, cartazes e quaisquer outros meios que alcancem a mesma eficácia, nos termos do parágrafo 3º do artigo 554 do CPC.

Citação inválida configura nulidade absoluta insanável

Nancy Andrighi apontou precedentes do STJ segundo os quais “a ausência de citação ou a citação inválida configuram nulidade absoluta insanável, por ausência de pressuposto de existência da relação processual”.

A relatora citou julgado da Quarta Turma que também reconheceu nulidade por falta de citação ficta em ação de reintegração de posse diante de litisconsórcio passivo multitudinário.

No caso em julgamento, a ministra verificou que a ocupação no bairro do Brás envolve grande número de pessoas – na época do mandado de constatação, teria sido verificada a presença de 35 adultos e 30 menores –, motivo pelo qual entendeu que o procedimento do artigo 554, parágrafo 1º, do CPC deveria ter sido aplicado.

REsp 1.996.087.

Fonte: STJ

16/09/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a figura do consumidor por equiparação (bystander) não se aplica às hipóteses de vício do produto ou do serviço (artigos 18 a 25 do Código de Defesa do Consumidor – CDC). Para o colegiado, além de não haver, como regra, riscos à segurança do consumidor ou de terceiros nessas hipóteses – uma das razões da previsão legal dos bystanders –, o próprio CDC prevê a aplicação da equiparação de consumidor apenas nos casos de responsabilização pelo fato do produto e do serviço (artigos 12 a 14 do CDC).  

Com base nesse entendimento, o colegiado concluiu pela ilegitimidade da autora de uma ação indenizatória de danos morais, ajuizada porque sua filha não conseguiu usar o cartão de crédito em uma viagem internacional, em virtude de bloqueio sem notificação.

A mãe alegou que, apesar de o cartão não estar em seu nome, ela também sofreu as consequências da má prestação do serviço pela instituição bancária, uma vez que dependia do cartão da filha para o custeio das despesas de viagem. Por isso, a mãe sustentou que, nesse caso, ela deveria ser considerada consumidora por equiparação.

Em primeiro grau, o processo foi extinto sem julgamento do mérito, em virtude da ilegitimidade ativa da mãe. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Fato do produto versus vício do produto

Relatora do recurso da mãe, a ministra Nancy Andrighi recordou que o artigo 17 do CDC prevê, de fato, a existência do consumidor por equiparação (bystander). Por essa definição, apontou, também recebe a proteção do CDC aquele que, embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do evento danoso.

Entretanto, a ministra destacou que tal proteção se limita às hipóteses de fato do produto e do serviço, o que não se confunde com a responsabilidade por vício do produto e do serviço. No primeiro caso, conforme explicou Nancy Andrighi, há um acidente de consumo, em que a utilização do produto ou do serviço é capaz de gerar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros.

“Para a caracterização de um acidente de consumo decorrente da prestação de um serviço, é necessária a ocorrência de um defeito exterior que ultrapassa o seu objeto e provoca lesões, gerando risco à segurança física ou psíquica do consumidor, ainda que por equiparação”, esclareceu.

Já no segundo caso, a magistrada afirmou que se trata de vício intrínseco ao produto ou serviço, que o torna impróprio para o fim a que se destina ou diminui suas funções, porém sem colocar em risco a saúde ou a segurança do consumidor.

Hipótese dos autos não se caracteriza como acidente de consumo

No caso dos autos, a magistrada ponderou que ocorreu a hipótese de vício no serviço, tendo em vista o bloqueio do cartão internacional sem notificação prévia por parte do banco ou da operadora.

“Considerando que a hipótese em julgamento não caracteriza um acidente de consumo, mas apenas um vício do serviço, não se aplica a figura do consumidor por equiparação (bystander), prevista no artigo 17 do CDC, razão pela qual não merece reforma o acórdão recorrido que decidiu pela ilegitimidade ativa da recorrente”, concluiu a ministra ao manter o acórdão do TJSP.

REsp 1.967.728.

Fonte: STJ

15/09/2022

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou uma emissora de televisão a indenizar em R$ 80 mil uma pessoa que, sem autorização, foi filmada sem roupa em praia de nudismo e teve as suas imagens divulgadas em programa de rede nacional. Além de divulgar as imagens, o programa ainda teceu comentários depreciativos sobre o banhista.

De acordo com o processo, o programa entrevistava outra pessoa na praia, mas acabou captando e divulgando as imagens do autor da ação completamente nu, sem tarjas, e de forma que pudesse ser facilmente reconhecido.

Na sentença condenatória, o juiz considerou que o banhista praticava o naturismo em local apropriado e no qual era proibida a captação de imagens. Ao manter a condenação, o TJSP também entendeu que a emissora cometeu ato ilícito ao filmar e divulgar as imagens do naturista e, ainda, ridicularizar a sua aparência.

No recurso ao STJ, a emissora alegou, entre outros argumentos, que o naturista ficou perto da pessoa entrevistada e teria ciência de que estava sendo filmado. Também citou precedente em que a indenização foi afastada porque a imagem foi captada em praia pública e não houve a revelação do nome da pessoa filmada, situação que seria idêntica à discutida nos autos.

Divulgação das imagens de pessoa que não era entrevistada também exigia autorização

Relatora do recurso, a ministra Isabel Gallotti apontou que, no caso dos autos, o ato ilícito não se configurou pela mera filmagem inapropriada, mas também pela divulgação das imagens sem autorização em programa de TV de rede nacional e pelos comentários jocosos e depreciativos contra o naturista.

A ministra destacou que, segundo o entendimento do TJSP, o fato de o autor se ter colocado momentaneamente perto da pessoa entrevistada não dispensava a emissora da necessidade de obter autorização expressa para a veiculação de sua imagem.

Em relação ao valor da indenização, a magistrada lembrou que a reanálise da verba indenizatória pelo dano moral exigiria o revolvimento de fatos e provas – medida vedada pela Súmula 7 –, sendo admitida apenas nos casos em que a reparação é considerada ínfima ou exagerada, situação não verificada nos autos.

“A quantia arbitrada pelo tribunal estadual se mostra dentro dos padrões da razoabilidade e da proporcionalidade, não se mostrando desproporcional à lesão (exposição da parte nua em rede nacional, sem autorização e com atribuição de conotação pejorativa) de modo a ensejar sua alteração em grau de recurso especial”, concluiu a ministra.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ