Posts

18 de julho de 2022

Se o devedor de uma obrigação concorda em oferecer a prestação no momento mais oportuno para o credor, não há motivo para censurar o ajuste entabulado apontando algum tipo de nulidade.

Documento deu ao credor a oportunidade de escolher o momento em que o devedor passaria propriedade de terras ao seu nome
Reprodução

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por um homem para afastar a nulidade de um documento particular que conferiu a ele a propriedade de terras “tão logo fosse do seu interesse”.

O documento foi assinado em favor do homem pelo irmão e cunhada dele, reconhecendo que é de sua propriedade metade de uma gleba de 229 hectares no município de Içara (SC), a qual lhe seria transferida “quando for de seu interesse”.

O ajuste foi levado a registro em 1977. Apenas em 2006 o credor interpelou seu irmão e cunhada para que fizessem a transferência, que foi negada. O homem, então, ajuizou ação de obrigação de fazer contra os parentes.

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina considerou nulo o trecho que conferiu ao credor a possibilidade de obter a transferência quando fosse do seu interesse, por ofensa aos artigos 115 do Código Civil de 1916 e 122 do Código Civil de 2002.

Para o TJ-SC, trata-se de condição puramente potestativa — cujo implemento depende exclusivamente da vontade de uma das partes —, o que é vedado pela lei. Assim, o prazo para transferir a propriedade seria de 10 anos, iniciado no ato do registro do documento, em 1977. Logo, a preensão estaria prescrita.

Relator no STJ, o ministro Moura Ribeiro observou que as condições potestativas a que se refere o Código Civil fazem referência aos casos em que o cumprimento de determinada obrigação fica ao arbítrio do devedor, não do credor.

“Somente quando o próprio devedor se reserva o direito de caprichosamente descumprir a obrigação assumida é que sobressai, de fato, o arbítrio da parte como elemento exclusivo para subordinar a eficácia do ato/negócio”, disse.

Para ele, o objetivo é afastar cláusulas em que o devedor se reserve o direito de caprichosamente descumprir a prestação que lhe toque. “Existe uma diferença substancial quando alguém fala: ‘eu faço quando eu quiser’ e ‘eu faço quando você pedir'”, exemplificou o ministro Moura Ribeiro.

No caso dos autos, o acordo reservou ao credor a o direito de escolher o melhor momento para exigir o cumprimento da obrigação. Com isso, a seriedade da avença não fica verdadeiramente comprometida.

“No caso, o termo/condição inserida na mencionada declaração em nada afetou a própria obrigação. Logo, perfeitamente válida”, concluiu. Com isso, o caso volta ao TJ-SC para que julgue a ação, desconsiderada a nulidade apontada inicialmente. A votação na 3ª Turma foi unânime.


REsp 1.990.221

Fonte: STJ

15/07/2022

​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em contrato de locação, a cláusula penal compensatória é devida mesmo que a devolução do imóvel decorra da decisão judicial que decreta o despejo, sendo o fiador solidariamente responsável pelo pagamento da multa.

Com esse entendimento, o colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), para o qual as garantias da locação, inclusive a fiança, se estendem até a efetiva devolução do imóvel ao locador.

A controvérsia julgada teve origem em ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança de aluguéis, ajuizada pelo dono de um imóvel contra a empresa locatária e o seu fiador.

O TJSP confirmou a sentença que determinou a resolução do contrato, decretou o despejo e condenou solidariamente a locatária e o fiador ao pagamento dos aluguéis vencidos e demais encargos, até a efetiva desocupação do imóvel, além de multa contratual.

No recurso especial, o fiador sustentou que nem ele nem a locatária deveriam responder pela multa rescisória decorrente da devolução antecipada do imóvel, pois isso ocorreu em virtude da ação de despejo movida pelo locador.

Quebra contratual permite ao locador exigir a multa compensatória

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que o artigo 4º, caput, da Lei 8.245/1991 estabelece a possibilidade de as partes pactuarem cláusula penal compensatória para o caso de descumprimento das obrigações contratuais.

O ministro acrescentou que, antes do término do prazo contratual, o locatário poderá devolver o imóvel mediante o pagamento de multa, com o abatimento proporcional ao período de contrato cumprido, como prevê o artigo 413 do Código Civil. Segundo o magistrado, igual sanção pode ser aplicada ao locador, observadas as mesmas circunstâncias e as demais condições contratuais.

De acordo com o relator, quando é deferido o pedido de despejo, o locatário é obrigado a devolver o imóvel após receber o mandado judicial, nos termos do artigo 63, caput, da Lei 8.245/1991, sendo que a multa compensatória também é devida em caso de devolução do imóvel locado determinada em ordem judicial de despejo.

“Em decorrência da quebra contratual, ainda que o bem locado não seja voluntariamente devolvido por iniciativa do próprio locatário, o credor (no caso, o locador) pode exigir o pagamento da multa compensatória, sem prejuízo dos efeitos da mora”, declarou o relator.

Responsabilidade pela multa também recai sobre o fiador

Cueva acrescentou que, na hipótese julgada, como não houve extinção ou exoneração da garantia prestada, a responsabilidade pelo pagamento da multa compensatória também incide sobre o fiador.

“Dessa forma, se o locatário responde pela cláusula penal compensatória em razão da ordem judicial de despejo e não houve extinção da garantia prestada no contrato de locação, cabe igualmente ao fiador a responsabilidade pelo pagamento da referida multa”, concluiu o ministro.

REsp 1.906.869.

Fonte: STJ

Um vídeo postado na rede social Tik Tok logo após uma audiência trabalhista motivou a desconsideração das provas apresentadas por duas testemunhas em favor da autora da reclamação.

Um vídeo postado na rede social Tik Tok logo após uma audiência trabalhista motivou a desconsideração das provas apresentadas por duas testemunhas em favor da autora da reclamação. Elas e a parte fizeram gravação em que comemoravam a suposta vitória no processo com risadas, músicas e dancinhas, e que trazia o seguinte título: “Eu e minhas amigas indo processar a empresa tóxica”.

A trabalhadora, uma vendedora de uma joalheria, ajuizou ação pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício de período anterior ao que consta na carteira de trabalho; dano moral pela omissão do registro; dano moral por tratamento humilhante em ambiente de trabalho; entre outros.

O juízo de 1º grau considerou a postagem no Tik Tok desrespeitosa, além de provar que as três tinham relação de amizade íntima. Por isso, os depoimentos foram anulados. Em sentença, concluiu-se também que a profissional e as testemunhas utilizaram de forma indevida o processo e a Justiça do Trabalho, tratando a instituição como pano de fundo para postagens inadequadas e publicação de dancinha em rede social.

As mulheres foram, então, condenadas por litigância de má-fé e ao pagamento de uma multa de 2% sobre o valor atribuído à causa para cada uma, em favor da empresa. A decisão foi mantida na íntegra pela 8ª Turma do TRT da 2ª Região.

Segundo a Turma, a proximidade demonstrada entre as três indica de forma clara que eram sim amigas e que tinham, no mínimo, uma grande animosidade em relação à joalheria. “Trata-se de uma atitude jocosa e desnecessária contra a empresa e, ainda, contra a própria Justiça do Trabalho. Demonstra, ainda, que estavam em sintonia sobre o que queriam obter, em clara demonstração de aliança, agindo de forma temerária no processo, estando devidamente configurada a má-fé”, afirmou a desembargadora-relatora do acórdão, Silvia Almeida Prado Andreoni.

(Processo nº: 1001191-35.2021.5.02.0717)

Fonte: Assessoria de Imprensa do TRT da 2ª Região

14/07/2022 07:05

​A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais podem praticar acupuntura, quiropraxia e osteopatia, além de fisioterapia e terapia ocupacional do trabalho. Porém, o colegiado considerou ilegais trechos de resoluções do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) que permitiam a esses profissionais a realização de diagnósticos e a prescrição de tratamentos, por serem atividades reservadas aos médicos.

Com essa decisão, os ministros deram parcial provimento ao recurso especial interposto pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CRM-RS) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que considerou legais as normas questionadas, pois não haveria interferência nas atribuições dos profissionais de medicina.

O Simers e o CRM-RS ajuizaram ação para impugnar resoluções do Coffito, alegando que elas autorizavam fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais a prescrever ou realizar exames de forma independente – o que, segundo as entidades autoras, invadiria a esfera privativa dos médicos e colocaria em risco a saúde das pessoas. A sentença que julgou o pedido improcedente foi confirmada pelo TRF4.

Norma sobre acupuntura não permite o exercício de atribuição exclusiva aos médicos

No recurso especial encaminhado ao STJ, as recorrentes argumentaram – entre outras questões – que o diagnóstico, privativo do médico, é indispensável para a prática da acupuntura, da osteopatia e da quiropraxia.

O relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, observou que o Decreto-Lei 938/1969, em seus artigo 3º e 4º, reservou ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional a execução de métodos e técnicas fisioterápicos, terapêuticos e recreacionais, mas não os autorizou a receber demanda espontânea, requisitar exames, fazer diagnóstico ou prescrever tratamentos.

No mesmo sentido, o magistrado lembrou que o STJ, com base em precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que ao médico cabe a tarefa de diagnosticar e de prescrever tratamentos, e ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional, diferentemente, compete a execução das técnicas e dos métodos prescritos (REsp 693.454).

Na avaliação do relator, o acórdão recorrido deve ser mantido quanto à possibilidade da prática de acupuntura, quiropraxia, osteopatia, fisioterapia e terapia ocupacional do trabalho, pois as resoluções do Coffito não autorizam o desempenho de atribuições reservadas aos médicos e “limitam-se a reconhecer, tecnicamente, essas atividades, registrando que elas podem ser desempenhadas pelos profissionais regulados pelo conselho”.

Normas do Coffito que invadiam a competência dos médicos foram declaradas ilegais

Com essas considerações, Gurgel de Faria também manteve a validade de outras resoluções do Coffito que foram questionadas pelos recorrentes.

Porém, reformou parcialmente o acórdão do TRF4 para declarar a ilegalidade de trechos de algumas resoluções do conselho que possibilitavam aos profissionais a ele vinculados realizar diagnóstico, prescrever ou realizar exames sem assistência médica, ordenar tratamento e dar alta terapêutica, atividades reservadas aos médicos. 

REsp 1.592.450.

Fonte: STJ

14/07/2022

Fachada do edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de uma empresa farmacêutica, proprietária da marca Vitawin, que pretendia invalidar o registro da marca Vitacin, pertencente a outro grupo farmacêutico, com base no direito de exclusividade previsto no artigo 124, inciso XIX, da Lei de Propriedade Industrial (LPI). A Vitawin foi registrada em 2000, enquanto a Vitacin obteve seu registro em 2003.

Entre outros fundamentos, o colegiado avaliou que eventual semelhança entre elas não é relevante para fins de proteção da marca com registro mais antigo, tendo em vista que ambas simplesmente evocam os respectivos produtos. Os ministros também consideraram que a marca Vitawin é fraca, por ter grande semelhança com o nome genérico dos suplementos multivitamínicos a que se refere – vitamin, em inglês.

Com esse entendimento, a Terceira Turma manteve acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que, por também considerar fraca a marca Vitawin, decidiu que a sua proprietária deveria suportar o ônus da coexistência com outras marcas e signos semelhantes da mesma natureza.

A empresa recorrente argumentou no STJ que o registro da marca Vitawin lhe confere o direito de exclusividade assegurado no artigo 129 e a possibilidade de zelar por sua integridade material e reputação, conforme o artigo 130, inciso III, da LPI. Ela afirmou, ainda, que existe a possibilidade de confusão ou de associação por parte dos consumidores, pois ambas as marcas se referem a produtos semelhantes – vitaminas; por isso, deveria ser reconhecido seu direito de impedir o registro da Vitacin para os mesmos produtos.

Grau de distintividade pode tornar uma marca forte ou fraca

O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que, para uma marca ser registrada, ela deve preencher o requisito da distintividade, exigido pelo artigo 122 da LPI. Por sua vez, o inciso VI do artigo 124 da mesma lei proíbe o registro de sinais de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou o serviço a distinguir.

Nesse contexto, Sanseverino explicou que as marcas fortes são aquelas completamente inventadas, que não remetem, nem minimamente, aos produtos e serviços. Segundo o relator, por configurarem signos inovadores, as marcas fortes gozam de maior proteção, oponível até mesmo contra marcas com menor grau de semelhança.

Já as marcas fracas, para o ministro, são aquelas evocativas, sugestivas, que, embora não sejam meramente descritivas, fazem clara referência aos serviços ou produtos.

“Conforme reconhecido na sentença e no acórdão recorrido, a marca Vitawin é claramente sugestiva dos produtos por ela designados. Com efeito, ao mesmo tempo em que o signo remete a vitamina, mais especificamente ao inglês vitamin, ela é utilizada justamente para designar suplementos multivitamínicos”, declarou Sanseverino.

Não é possível invalidar o registro da marca Vitacin

O relator ressaltou que Vitawin e Vitacin se assemelham porque evocam os produtos aos quais se referem, o que não é apropriável, pelos termos do artigo 124, inciso VI, da LPI. “Se a ninguém é dado registrar o nome genérico, não pode a recorrente, valendo-se de um nome muito próximo ao genérico, pretender impedir outros de registrarem nomes semelhantes”, apontou Sanseverino.

O ministro reforçou a conclusão do tribunal de origem de que Vitawin e Vitacin apresentam clara diferença ideológica, tornando-as suficientemente distintas e individualizadas. Segundo ele, a primeira traz a ideia de vitória com o sufixo win (“vitória”, em inglês), enquanto a segunda faz alusão à vitamina C com a troca da letra “m” pela letra “c” na palavra vitamin.

De acordo com o ministro, considerando que as semelhanças fonética e gráfica existentes entre as marcas se dão apenas quanto a elementos não apropriáveis, que há diferença ideológica entre os signos e que a marca da empresa recorrida não se distancia de outras já existentes no mercado de suplementos vitamínicos, não há semelhança suficiente para impedir o registro da marca Vitacin.

 REsp 1.845.508.

Fonte: STJ

É descabida a pretensão de usar ação rescisória para, sob o argumento da ocorrência de violação a literal disposição de lei, fazer prevalecer um novo entendimento acerca do tema, o qual se consolidou depois de decidido o acórdão rescindendo.

13 de julho de 2022

Ministro Raul Araújo propôs a reafirmação da posição que evita a mitigação da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal
Lucas Pricken

Com esse entendimento, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a embargos de divergência para afastar a possibilidade de particulares usarem a via da rescisória para rescindir um acórdão sobre a legalidade da estipulação de idade mínima para a concessão de suplementação de aposentadoria.

A votação se deu por maioria de votos, conforme a posição do relator, ministro Raul Araújo. Ficou vencida isoladamente a ministra Nancy Andrighi, que votou pelo não conhecimento dos embargos.

O resultado é a reafirmação de uma posição já consolidada no âmbito do STJ, mas que ao longo dos anos variou na jurisprudência brasileira, inclusive no próprio Supremo Tribunal Federal.

A corte constitucional, por vezes, aceitou mitigar a Súmula 343, segundo a qual “não cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

Desde 2014, no entanto, o STF tem se posicionado seguida vezes pela plena e irrestrita aplicação da Súmula 343, inclusive quando a controvérsia de entendimentos se basear na aplicação de norma constitucional.

No STJ, a lógica é a mesma: se a mudança de entendimento foi posterior ao acórdão rescindendo, a ação rescisória não é cabível.

Caso concreto
O caso concreto trata de rescisória foi ajuizada pela Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros) contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que considerou ilegal a imposição de idade mínima complementação da aposentadoria dos empregados da Petrobrás.

Essa posição jurisprudencial foi alterada em 2014 pela 2ª Seção do STJ, que entendeu que a aposentadoria complementar só poderia ser concedida para os funcionários da estatal após os 55 anos, conforme previu o Decreto 81.240/1978.

A Petros então ajuizou rescisória contra o acórdão, suscitando violação de dispositivo de lei com base na nova orientação do STJ. O TJ-RS julgou o pedido improcedente. No STJ, a 3ª Turma entendeu que a ação seria cabível e, inclusive, julgou-a procedente.

Os particulares beneficiários da complementação da aposentadoria ajuizaram embargos de divergência, apontando que a posição da 3ª Turma ofendeu a Súmula 343 do STF. Relator na Corte Especial, o ministro Raul Araújo deu razão à pretensão.

“A questão que ora se impõe é o acatamento do atual entendimento jurisprudencial firmado por ambas as Cortes de superposição, no sentido de se aplicar sem mitigação o teor da Súmula 343/STF no âmbito da legislação infraconstitucional, evitando-se nova guinada na compreensão”, pontuou.

EREsp 1.508.018

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2022, 8h49

12 de julho de 2022

A multa diária por descumprimento de decisão judicial que é estipulada em valor razoável em relação à obrigação de fazer imposta, em regra, não deve ser reduzida, mesmo quando seu valor total acumulado se torna exorbitante, pois isso decorre do descaso do devedor.

Plano de saúde levou 642 dias para cumprir ordem judicial e corrigir valor da mensalidade nos boletos da beneficiária
Divulgação

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de uma operadora de plano de saúde que, condenada a reajustar a mensalidade de uma beneficiária, levou 642 dias para cumprir a ordem.

O caso trata de uma ação ajuizada em 2015 contra reajuste abusivo de mensalidade. A sentença determinou que o aumento obedecesse o patamar máximo estipulado pela ANS para os planos individuais. Isso fez a prestação mensal cair de R$ 2,4 mil para R$ 1 mil.

A tutela antecipada foi deferida para obrigar a operadora a enviar boletos com valores reajustados, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. Como a empresa ignorou a determinação, o juízo aumentou a astreinte (multa diária) para R$ 2 mil.

Quando a demanda transitou em julgado, em 2017, a autora da ação requereu o pagamento da multa, acumulada em R$ 1,2 milhão. A operadora então impugnou o valor, que considerou desproporcional e irrazoável.

Relatora no STJ, a ministra Nancy Andrighi destacou que a jurisprudência da corte vem estabelecendo critérios para justificar a hipótese excepcional de redução do valor acumulado da multa diária, no caso de descumprimento de decisão judicial.

Para ela, a simples oposição entre o valor da obrigação principal e o valor acumulado da multa não é critério válido, pois pode estimular a recalcitrância do devedor. Ele se sentirá desobrigado a cumprir a ordem, pois depois poderá reduzir a punição.

Assim, melhor é definir se o valor da multa diária era proporcional e razoável, no momento em que fixada e em comparação com a obrigação imposta. Se a única causa para a exorbitância do valor total das astreintes foi o descaso do devedor, não é possível, em regra, reduzi-las.

No caso, o valor da multa se mostrou proporcional à obrigação de enviar boletos em valor atualizado de mensalidade. Se o valor acumulado de R$ 1,2 milhão foi alto, é porque mais alto foi o descaso da operadora de plano de saúde, que descumpriu a ordem judicial.

“Resta caracterizado que a recorrente agiu de maneira desidiosa e despreocupada com a bem da vida aguardado pela recorrida e tutelado pela decisão judicial, não havendo espaço para alegação acerca do montante elevado alcançado, uma vez que é fruto exclusivo de sua leniência”, concluiu a relatora.


REsp 1.967.587

Topo da páginaImprimirEnviar

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 12 de julho de 2022, 8h45

12/07/2022
Fachada do edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juiz que conduz o inventário só pode exigir que o inventariante preste contas até o momento de sua remoção do processo, sendo vedado ao magistrado, por consequência, determinar a prestação incidental depois da retirada do inventariante.

Após o ato de remoção, contudo, ainda é possível a propositura de ação autônoma de exigir contas por qualquer dos legitimados contra o inventariante removido – observado, nesse caso, o prazo prescricional de dez anos previsto pelo artigo 205 do Código Civil de 2002.

Com base nesse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso especial de uma idosa de 98 anos – única herdeira da irmã, que faleceu em 2006 –, por meio do qual se buscava o reconhecimento da prescrição do prazo de prestação de contas referente à época em que ela era a inventariante.

Em 2019, juiz pediu esclarecimentos sobre alvará judicial expedido em 2006
De acordo com os autos, ainda em 2006, o juízo atendeu ao pedido da inventariante para vender o único imóvel de sua irmã, com a finalidade de quitar as dívidas da falecida. A venda do bem foi concretizada em 2007.

A idosa foi removida da inventariança em 2016, tendo sido nomeado novo inventariante no processo. Em 2019, o juízo determinou que a inventariante removida prestasse contas, especialmente sobre o alvará judicial que autorizou a venda do imóvel.

A decisão de primeira instância foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sob o fundamento de que, nos termos do artigo 618, inciso VII, do Código de Processo Civil, incumbe ao inventariante prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz ordenar.

Expressão “sempre que o juiz determinar” não é irrestrita
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, apontou que, consoante o artigo 618, inciso VII, do Código de Processo Civil, na ação de inventário, existe o dever legal do inventariante de demonstrar precisamente a destinação dos bens e direitos sob a sua administração.

Desse modo, a ministra afirmou que o juiz pode, de fato, determinar a prestação de contas da gestão do inventário sempre que verificar a necessidade de examinar os atos praticados ou quando o inventariante deixar o cargo.

Contudo, Nancy Andrighi destacou que a expressão “sempre que o juiz determinar”, contida no artigo 618 do CPC/2015, faz referência somente a períodos anteriores à remoção do inventariante. É vedado ao juiz exigir a prestação de contas incidentalmente no inventário em momento posterior à remoção – inclusive porque, segundo a relatora, uma das consequências da ausência de prestação de contas é, justamente, a remoção do inventariante.

“Desde logo parece não haver dúvida que, de acordo com o legislador processual, é mais adequado que o inventariante preste contas da inventariança exercida no exato momento em que ‘deixar o cargo’, isto é, ao tempo de sua remoção”, ressaltou a ministra.

Ação autônoma de exigir contas ainda é possível
De acordo com a relatora, embora seja inadmissível a exigência de prestação de contas após a remoção do inventariante incidentalmente na ação de inventário, ainda é possível que qualquer dos legitimados em desfavor do inventariante removido proponha de ação autônoma de exigir contas, observado o prazo prescricional decenal previsto no artigo 205 do Código Civil.

“Não se deve confundir a pretensão de prestação de contas, a ser exercida em face de quem administra patrimônio alheio ou comum, a fim de que demonstre a destinação dos bens e direitos, da prestação de contas exigível em virtude de relação de inventariança”, declarou Nancy.

Ao dar provimento ao recurso, Nancy Andrighi apontou que a ordem judicial de prestação de contas foi proferida quase 12 anos após a concretização da venda do imóvel e mais de três anos após a remoção da inventariante.

REsp 1941686

Fonte: STJ

08/07/2022

No julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 9, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que “a apresentação de resultado negativo em exame toxicológico de larga janela de detecção é obrigatória para a habilitação e a renovação da Carteira Nacional de Habilitação do motorista autônomo de transporte coletivo escolar, nos termos do artigo 148-A da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB)”.

A relatora, ministra Regina Helena Costa, explicou que a exigência legal da realização do exame foi trazida pela Lei 13.103/2015, a qual, “embora mirasse, mais detidamente, disciplinar as condições laborais de motoristas profissionais rodoviários de passageiros e de carga, teve por intuito diminuir a violência no trânsito, por intermédio, também, da melhoria das condições de trabalho dos condutores de veículos pesados e de maior porte, categoria na qual se incluem os motoristas de transporte coletivo escolar”.

Assim, afirmou a ministra, ao inserir o artigo 148-A no CTB, a lei não condicionou – tampouco ressalvou – sua aplicação unicamente à classe profissional de condutores rodoviários.

Demonstração de aptidões físicas e mentais compatíveis com a atividade

Segundo a relatora, a obrigatoriedade de apresentação de resultado negativo no exame toxicológico está vinculada às categorias de habilitação, e não a parâmetros associados à atividade profissional, porque nas graduações “C”, “D” e “E” estão inseridas exigências justificadamente maiores em relação às categorias precedentes, em razão das características físicas e das finalidades dos veículos envolvidos.

Regina Helena Costa destacou que as dificuldades inerentes ao transporte coletivo escolar levaram o legislador a impor, ao postulante à prestação de tal serviço, a demonstração de aptidões físicas e mentais compatíveis com o nível de exigência da atividade, como a necessidade de habilitação, ao menos, em categoria “D”, além de idade mínima de 21 anos, histórico negativo de infrações gravíssimas e aprovação em curso especializado.

Com a Lei 13.103/2015, somou-se a obrigatoriedade de apresentação de resultado negativo do exame toxicológico de larga janela de detecção – o qual é realizado somente por laboratórios credenciados pelo Contran, mediante análise de material biológico queratínico fornecido pelo doador (cabelos, pelos ou unhas), para detectar o uso de substâncias psicoativas que comprometam a capacidade de direção, com retrospectiva mínima de 90 dias, contados da coleta.

Ao citar alguns estudos e análises da regra, a ministra verificou que “os efeitos positivos da exigência estão sendo observados nos índices de sinistralidade no trânsito pela ação de condutores de transporte de passageiros e de carga, pois, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal, o exame toxicológico tem reduzido os acidentes envolvendo caminhões em 35%, e os relacionados a ônibus em 45%, apontando ser um forte instrumento de segurança no trânsito”.

Segurança cotidiana de crianças e adolescentes

“Cuida-se de questão essencialmente atrelada à qualificação e ao preparo de agentes diretamente envolvidos no deslocamento e na segurança cotidiana de milhares de crianças e/ou adolescentes, cuja atividade, por óbvio, é incompatível com o consumo de substâncias estupefacientes”, disse a magistrada.

Para ela, o qualificativo “transporte rodoviário” para a incidência da previsão legal não tem o efeito de excluir os transportadores de escolares do âmbito da norma, pois o transporte rodoviário é o realizado “em vias públicas” (artigo 1º da Lei 11.442/2007), o qual tem lugar em rodovias, estradas, ruas, avenidas e logradouros (artigo 2º do CTB), locais de operação da categoria.

A ministra ponderou também que admitir a dispensa dos motoristas de transporte coletivo escolar de realizarem o exame toxicológico equivaleria a lhes conferir tratamento privilegiado, não previsto em lei, em detrimento dos demais interessados em obter ou renovar a habilitação na mesma categoria “D”, contrariando, desse modo, o disposto nos artigos 138, II, e 145, caput, do CTB.

REsp 1.834.896.

Fonte: STJ


Não cabe recurso especial contra acórdão que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento de IRDR, por ausência do requisito constitucional de cabimento de “causa decidida”. O cabimento depende de caso concreto que aplique a tese fixada e resolva a lide, observados os demais requisitos constitucionais que autorizam o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça.

8 de julho de 2022

Para a Corte Especial do STJ, cabimento do REsp contra IRDR deve privilegiar regras do artigo 105 da Constituição Federal
Divulgação

Essa foi a tese fixada por unanimidade de votos pela Corte Especial do STJ, com o objetivo de pacificar as hipóteses de cabimento de recurso ajuizado contra acórdãos dos tribunais de segundo grau que resolvam questões em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).

O IRDR é um instrumento criado pelo Código de Processo Civil de 2015 para proporcionar isonomia e segurança jurídica nas cortes de apelação, em temas que gerem alto volume de recursos. Quando as teses fixadas são alvo de recurso, geram precedentes qualificados nas cortes superiores: são julgadas na sistemática dos repetitivos no STJ ou da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal.

A dúvida que resta quanto ao cabimento desses recursos se baseia no fato de que, nem sempre, um IRDR resolverá um caso concreto.

Sua instauração sempre depende de ao menos um processo que trate da questão controvertida. Ainda assim, quando as partes desistem da ação, é possível que o tribunal siga com o julgamento e fixe a tese em abstrato, a qual será aplicada aos demais processos sobrestados, mas não ao recurso que motivou a instauração do IRDR.

Há, ainda, a hipótese da revisão da tese jurídica, na qual o órgão julgador analisa a manutenção ou não dos enunciados aprovados de forma abstrata, sem qualquer vinculação a algum processo específico.

Nessas hipóteses, deve o Superior Tribunal de Justiça admitir o recurso especial? A jurisprudência da corte mostra decisões divergentes nesse sentido.

Tese fixada em abstrato em IRDR não pode ser considerada causa julgada, segundo o relator, ministro Mauro Campbell
Rafael Luz

Causa decidida?
O artigo 105 da Constituição Federal, que traz as hipóteses de atuação do STJ, inclui no inciso III que compete “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância” pelos tribunais de segunda instância.

Relator na Corte Especial, o ministro Mauro Campbell, apontou que o simples fato de existir acórdão de mérito proferido em IRDR não significa dizer que cabe recurso especial sem a necessidade de observância dos requisitos constitucionais.

Para ele, os requisitos de cabimento do REsp não podem ser mitigados pela legislação infraconstitucional (Código de Processo Civil), sob pena de eventual interpretação inconstitucional da norma.

Assim, se um pronunciamento em IRDR não gerou “causa decidida” — a efetiva emissão de juízo de valor pelo Tribunal de origem sobre o tema de lei federal no julgamento de um caso concreto — não cabe ao STJ admitir a discussão em recurso especial.

O ministro Campbell entende razoável pressupor que o IRDR não é um recurso, mas um incidente no processo que adota técnica de julgamento.

“A tese jurídica fixada em abstrato no julgamento do IRDR, ainda que no âmbito da interpretação de norma infraconstitucional federal, não pode ser considerada como causa decidida sob a ótica constitucional, o que somente ocorreria com a aplicação da referida tese jurídica ao caso selecionado para o julgamento ou na aplicação nas causas em andamento/sobrestadas (caso concreto) que versem sobre o tema repetitivo julgado no referido incidente”, afirmou.

TJ-DF negou revisão de tese de IRDR, e recurso subiu ao STJ sem caso concreto
Wikimedia Commons

Caso concreto sem caso concreto
No caso concreto, a Defensoria Pública do DF se insurgiu contra a decisão do TJ-DF de não revisar uma tese de IRDR sobre os critérios para aferir a competência para o processamento das ações envolvendo internação em leitos de UTI e fornecimento de medicamentos no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública ajuizadas por pessoa incapaz.

Ou seja, não há caso concreto a discutir, nem parte contrária ou qualquer espécie de contraditório. Mesmo o interesse recursal é discutível. Para o relator, ampliar os conceitos de interesse e de causa decidida extrapolaria os limites constitucionais de cabimento do recurso especial.

“Admitir a competência para analisar teses em abstrato, sem uma profunda e cuidadosa reflexão sobre os impactos que tal opção possa causar, é potencialmente capaz de gerar resultados não esperados pela comunidade jurídica e pelo próprio Superior Tribunal de Justiça”, concluiu.


REsp 1.798.374
(STJ)

Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de julho de 2022, 8h49