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04/10/2022

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que entendeu não haver interesse de agir na ação de um contribuinte para anular débito lançado pela Fazenda sem o prévio requerimento administrativo.

Segundo o colegiado, o pedido administrativo antecedente à via judicial não é necessário para configurar a condição da ação, quando há ameaça a direito. Para a turma, só haveria essa exigência se a parte interessada buscasse meramente a retificação de informações.

Na origem do caso, um contribuinte pleiteou a anulação de débito fiscal gerado a partir de erro no preenchimento da Declaração de Crédito Tributário Federal (DCTF), documento que deve ser enviado periodicamente à Receita Federal por algumas empresas. Como ele optou por recorrer diretamente à Justiça para buscar a anulação – sem antes se valer dos meios administrativos disponíveis ou comprovar que a administração pública se negou a proceder à correção –, a corte de origem avaliou não haver interesse de agir na propositura de ação.

Risco a direito patrimonial afasta exigência de requerimento administrativo

De acordo com o relator no STJ, ministro Gurgel de Faria, a linha de raciocínio desenvolvida pelo tribunal de segunda instância seria correta caso a intenção do autor se limitasse à retificação da DCTF. O tributo, no entanto, foi lançado, tornando-se exigível. Para o magistrado, isso evidencia a existência de ameaça a direito patrimonial, dada a possibilidade de cobrança do tributo.

O ministro explicou que é aplicável à situação o princípio fundamental da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, ao lembrar que, em regra, o acesso à Justiça independe de prévio requerimento administrativo quando algum direito foi violado ou está sob ameaça.

Pedido de anulação de débito é incontroverso

Gurgel de Faria citou a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 631.240, no sentido de que uma demanda anulatória de débito é útil, adequada e necessária, já que apenas o juiz pode compelir o representante da administração pública a anular uma dívida, não sendo lícito ao autor fazê-lo por suas próprias forças.

Ao prover o recurso especial, o relator avaliou que o tribunal de origem errou ao não reconhecer o interesse de agir, extinguindo o feito sem exame de mérito, e determinou a anulação do débito por considerar esse pedido incontroverso. “A Fazenda não se opôs à anulação propriamente dita e reconheceu que a cobrança foi decorrente de erro material no preenchimento da declaração pelo contribuinte”, afirmou o ministro na conclusão do voto.

Com a decisão, o colegiado restabeleceu a sentença, sem, no entanto, restaurar a condenação da União ao pagamento de custas e honorários, pois não foi o ente público que deu causa à propositura da ação.

REsp 1.753.006.

Fonte: STJ

04/10/2022

Ao dar provimento ao recurso especial de uma mulher, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reafirmou que é possível reduzir o valor da multa por descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, inclusive abaixo do mínimo legal de três salários mínimos, nas hipóteses de hipossuficiência financeira ou vulnerabilidade econômica da família.

Após o Ministério Público propor ação contra uma mulher pela prática de infração administrativa, o juízo de primeiro grau a condenou a pagar a multa prevista no artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no valor de três salários mínimos, ao fundamento de que ficou configurada a evasão escolar de um de seus filhos em decorrência de omissão e negligência da mãe, caracterizando-se o descumprimento de deveres inerentes ao poder familiar.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento ao recurso da mãe, sob o entendimento de que as informações prestadas pelo conselho tutelar, revestidas de presunção de veracidade e de legalidade, demonstraram a sua postura negligente em relação ao dever de garantir o direito do filho adolescente à educação.

Situação de hipossuficiência dever ser considerada na fixação do valor da multa

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a multa do artigo 249 do ECA, apesar do cunho essencialmente sancionatório, também possui caráter preventivo, coercitivo e disciplinador, a fim de que, para o bem dos filhos, as condutas censuradas não mais se repitam.

Nesse contexto, a magistrada destacou que, embora a vulnerabilidade socioeconômica dos pais não impeça a aplicação da multa prevista no ECA quando os requisitos de sua incidência estiverem presentes, a situação de hipossuficiência dever ser considerada na fixação do valor.

A relatora lembrou que, em vários precedentes, a Terceira Turma já admitiu a fixação da multa em valor menor que o mínimo legal.

“Estabelecido que a conduta é suficientemente grave para justificar a aplicação da multa, não é admissível que se exclua a sanção aos pais apenas ao fundamento de hipossuficiência financeira ou vulnerabilidade econômica, mas é perfeitamente admissível que, sob esse fundamento, o valor seja reduzido para adequá-lo à realidade social da família apenada”, concluiu a magistrada ao dar provimento ao recurso especial e reduzir a multa para um salário mínimo.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

03/10/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em caráter excepcional, afastou a regra da impenhorabilidade dos honorários advocatícios para permitir o pagamento de dívida originada da apropriação indevida, pelo advogado, de valores que pertenciam a uma cliente.

Os ministros mantiveram acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), segundo o qual a penhora preservaria um percentual dos honorários suficiente para garantir a subsistência do devedor e de sua família.

De acordo com o processo, o advogado foi contratado para ajuizar uma ação de reparação de danos. O valor da condenação, depositado em juízo, foi levantado pelo profissional, que não o repassou à cliente. Ele foi então condenado, em ação de reparação de danos materiais, a restituir o dinheiro que deixou de repassar.

Iniciada a fase de cumprimento de sentença, foi determinada a penhora no rosto dos autos, em processo diverso, de valores referentes aos honorários advocatícios. O juízo de primeiro grau e o TJSP entenderam que, na hipótese, seria possível flexibilizar a regra da impenhorabilidade dessa verba.

Honorários contratuais e de sucumbência têm natureza alimentar

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a jurisprudência pacífica da corte considera que os honorários advocatícios, tanto os contratuais quanto os sucumbenciais, têm natureza alimentar. Por isso, ressaltou, esses valores são, em regra, impenhoráveis, nos termos do artigo 85, parágrafo 14, e do artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC).

Em seu voto, a ministra destacou precedentes do STJ que, de forma excepcional, flexibilizaram a regra, como nos casos de honorários de alto valor, pela perda de sua natureza alimentar, ou de satisfação de prestações alimentícias, independentemente de sua origem (relações familiares, responsabilidade civil, convenção ou legado).

No caso em análise, a ministra avaliou que, para excepcionar a regra da impenhorabilidade dos honorários, “não é suficiente a constatação de que houve a apropriação, pelo patrono, de valores de titularidade do cliente, sendo indispensável perquirir a natureza jurídica de tais verbas, notadamente porque as exceções à impenhorabilidade comportam interpretação estrita”.

Penhora deve preservar subsistência digna do profissional

Segundo a relatora, se os valores apropriados indevidamente – e que deverão ser restituídos – possuírem natureza de prestação alimentícia, pode-se concluir, nos termos do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC e da jurisprudência pacífica do STJ, que é possível a penhora de honorários advocatícios para a satisfação da dívida.

Por outro lado, ponderou, de acordo com o decidido pela Corte Especial no julgamento do REsp 1.815.055, é inviável a penhora de verba honorária se os valores apropriados indevidamente pelo advogado possuírem simples natureza alimentar – e não de prestação alimentícia – ou se possuírem qualquer outra natureza, devendo prevalecer, em princípio, a regra geral da impenhorabilidade dos honorários prevista no artigo 833, inciso IV, do CPC.

Nancy Andrighi também observou que será possível a penhora dos honorários, independentemente da natureza dos valores retidos pelo advogado, desde que se preserve percentual capaz de garantir a subsistência e a dignidade do devedor e de sua família, o que deve ser examinado de acordo com as peculiaridades de cada hipótese concreta.

No caso em julgamento, a ministra verificou que a penhora dos honorários foi efetivada resguardando-se percentual capaz de garantir a subsistência do devedor e de sua família, não havendo, portanto, ilicitude na medida.

REsp 1.991.123.

Fonte: STJ

03/10/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a penhora registrada em data anterior não impede a alienação de imóvel prevista em plano de recuperação judicial, quando a constrição tiver sido autorizada por juízo comum.

O colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou inválida a penhora determinada por juízo comum, uma vez que ela deveria ter sido autorizada, única e exclusivamente, pelo juízo recuperacional, conforme interpretação em sentido contrário da Súmula 480.

Segundo o processo, uma empresa de planejamento de negócios ajuizou ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança contra outra sociedade empresarial. Instaurado o respectivo cumprimento de sentença, o juízo da 35ª Vara Cível Central de São Paulo determinou a penhora de um imóvel de propriedade da devedora.

Paralelamente a essa ação, em assembleia geral de credores, foi aprovado o plano de recuperação da devedora, prevendo a alienação daquele imóvel, a qual foi autorizada pela 5ª Vara Cível de Barueri – onde corre o processo recuperacional. Nesse contexto, o imóvel foi vendido a uma empresa imobiliária por R$ 7 milhões.

Manutenção da penhora é incompatível com princípios que norteiam a recuperação

A imobiliária opôs embargos de terceiro nos autos do cumprimento de sentença em que havia sido determinada a penhora, a fim de levantá-la, mas não teve êxito. O TJSP deu provimento à apelação e invalidou a penhora, sob o entendimento de que a sua manutenção não seria compatível com o objetivo da recuperação judicial, que é viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor.

Ao STJ, a empresa de planejamento, autora da ação de despejo e cobrança, alegou que a penhora deveria ser mantida, por ter sido averbada no registro imobiliário antes da alienação realizada na recuperação judicial. Ela sustentou, ainda, que, por não haver vedação legal de penhora e alienação de bens pertencentes a empresa em recuperação, a venda autorizada pelo juízo recuperacional não afastaria a garantia de outra ação.

Atos judiciais que reduzirem o patrimônio da empresa recuperanda podem ser afastados

O relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que, segundo o artigo 47 da Lei 11.101/2005, a recuperação se destina a viabilizar a superação da crise da empresa devedora, preservando suas atividades.

O magistrado destacou que o STJ já se posicionou no sentido de impedir atos judiciais passíveis de reduzir o patrimônio da empresa recuperanda, inclusive em execuções fiscais, com o intuito de evitar prejuízos ao cumprimento do plano de recuperação.

“Mesmo ciente da situação enfrentada pela devedora e da destinação do produto da venda do aludido imóvel à sua recuperação, a empresa de planejamento pleiteou a penhora do mesmo bem, no seu processo de execução individual, em olímpica inobservância aos princípios da boa-fé, da transparência e da função social, que dão esteio às finalidades do procedimento recuperacional, como bem observou o TJSP”, declarou o relator.

Juízo recuperacional exerce controle sobre os atos de constrição patrimonial

Moura Ribeiro observou que, como constatado no acórdão do TJSP, o juízo da 35ª Vara Cível Central não dispunha de competência para autorizar a penhora, considerando que os atos de disponibilidade dos bens de propriedade da empresa em recuperação são de competência única e exclusiva do juízo recuperacional.

Dessa forma, o magistrado confirmou o entendimento do tribunal local no sentido de que a penhora, embora registrada em data anterior, é inválida e, por isso, não comprometeu a alienação do imóvel prevista no plano de recuperação.

O ministro afirmou que a recuperação não tem o efeito de atrair, para o juízo que a processa, todas as execuções existentes em nome da devedora, como ocorre na falência, entretanto, o juízo recuperacional “exercerá o controle sobre os atos de constrição ou expropriação patrimonial”, avaliando se os bens são essenciais à atividade empresarial.

“Mesmo que haja penhora anterior realizada em outro processo, permanece essa análise perante o juízo recuperacional, determinando-se o desfazimento do ato”, concluiu o relator ao negar provimento ao recuso especial.

REsp 1.854.493.

Fonte: STJ

30/09/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que não existe direito subjetivo do executado ao parcelamento do débito na fase de cumprimento de sentença. Segundo o colegiado, tal parcelamento não pode ser concedido nem mesmo pelo juiz, ainda que em caráter excepcional – sendo admitida, todavia, a possibilidade de acordo entre credor e devedor na execução.

Com a decisão, a turma negou provimento ao recurso especial de uma empresa que, invocando o princípio da menor onerosidade, buscava o parcelamento de débito no cumprimento de sentença.

O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de parcelamento e determinou a incidência de multa e honorários sobre a parte que foi paga parceladamente. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento ao recurso da empresa, por entender que o artigo 916, parágrafo 7º, do Código de Processo Civil (CPC/2015) veda expressamente a aplicação do parcelamento na fase executiva.

Ao STJ, a recorrente alegou que a vedação do CPC/2015 poderia ser mitigada, principalmente na hipótese de processo de recuperação judicial, ao qual ela está submetida.

Vedação do novo CPC não impede transação entre credor e devedor

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou não ser mais aplicável a jurisprudência do STJ que admitia, no cumprimento de sentença, o parcelamento do valor da execução pelo devedor, pois esse entendimento foi formado à luz do CPC de 1973.

O magistrado apontou que, com a entrada em vigor do novo CPC, o parcelamento do débito na execução de título judicial foi expressamente vedado, com a ressalva de que credor e devedor podem transacionar em sentido diverso da lei, em virtude da natureza de direito patrimonial disponível.

Menor onerosidade pressupõe outros meios executivos igualmente eficazes

Bellizze argumentou que o princípio da menor onerosidade ao devedor constitui exceção à regra segundo a qual o processo executivo visa, principalmente, a satisfação do crédito, devendo ser promovido no interesse do credor. O relator enfatizou que a aplicação do princípio, destinado a evitar conduta abusiva por parte do credor, pressupõe a possibilidade de processamento da execução por vários meios igualmente eficazes (artigo 805 do CPC).

O relator apontou que, no caso dos autos, a admissão do parcelamento traria como consequências a não incidência da multa e dos honorários decorrentes do não pagamento voluntário e a imposição, ao credor, de maior demora para receber o seu crédito, depois de já ter suportado todo o tempo da tramitação do processo na fase de conhecimento.

Ao negar provimento ao recurso especial, Bellizze concluiu que ficou evidente “a inexistência de meios igualmente eficazes”, o que impossibilita a incidência do princípio da menor onerosidade.

REsp 1.891.577.

Fonte: STJ

29/09/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a aplicabilidade da figura do consumidor bystander (consumidor por equiparação) em um caso de danos morais decorrentes de dano ambiental e, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), confirmou a inversão do ônus da prova determinado pelas instâncias ordinárias.

O colegiado negou provimento ao recurso especial no qual a JBS Aves Ltda. sustentou que o CDC não poderia ser aplicado ao caso, pois não haveria acidente de consumo e, assim, não estaria caracterizada a figura do consumidor por equiparação.

Autora apontou problemas de saúde decorrentes da poluição

Segundo o processo, a atividade industrial da JBS em sua unidade no município de Passo Fundo (RS) causava poluição sonora e atmosférica, com produção de ruído intenso, emissão de fuligem, gases e odores fétidos, tendo ocorrido, inclusive, vazamento de amônia.

Nesse contexto, uma mulher ajuizou ação requerendo indenização por danos morais e apontando problemas de saúde derivados do ambiente insalubre: hipoxemia decorrente de intoxicação causada pela falta de oxigênio, fortes dores de cabeça, fadiga, ardência nos olhos, náusea, diarreia, vômito e mal-estar.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que a autora da ação poderia ser equiparada a consumidora e aplicou ao caso as normas do CDC, inclusive a possibilidade de inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º, inciso VIII.

Acidente de consumo pode surgir do processo produtivo

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que, de acordo com a jurisprudência, equipara-se ao consumidor para efeitos legais aquele que, embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do evento danoso decorrente do defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca lesões, gerando risco à sua segurança física e psíquica.

A magistrada destacou que o acidente de consumo não decorre somente do dano causado pelo produto em si, podendo surgir do próprio processo produtivo, nos termos do artigo 12 do CDC.

Segundo ela, “na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial poluidora destinada à fabricação de produtos para comercialização, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do CDC”.

Nancy Andrighi apontou que o STJ, em vários precedentes, já admitiu a figura do bystander em casos de dano ambiental.

Hipossuficiência da vítima validou a inversão do ônus da prova

Para a relatora, a inversão do ônus da prova, nos termos do CDC, não é automática, dependendo da constatação da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência do consumidor.

Ao reconhecer a presença desses requisitos, as instâncias ordinárias decidiram que caberia à JBS apresentar prova técnica que demonstrasse que sua atividade não era prejudicial ao meio ambiente, ficando para a autora da ação a incumbência de provar os danos morais alegados.

De acordo com a ministra, a eventual reforma dessa conclusão exigiria o reexame das provas do processo, o que é impedido pela Súmula 7.

REsp 2.009.210.

Fonte: STJ

29/09/2022

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, nas alienações judiciais, a hasta pública destinada a vender vagas de garagem deve ser restrita aos condôminos, salvo autorização em contrário expressa na convenção condominial.

A decisão foi tomada no julgamento de recurso interposto por um condomínio contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) em execução fiscal movida pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). A corte regional considerou que seria possível a alienação de um box de estacionamento a pessoas estranhas ao condomínio, visto que a lei não teria criado nenhum óbice à expropriação judicial desse tipo de bem.

No recurso ao STJ, o condomínio sustentou que o TRF4 deixou de levar em conta a limitação presente no parágrafo 1º do artigo 1.331 do Código Civil, inserida pelo legislador – segundo o recorrente – com a intenção de preservar, em condomínios residenciais, a segurança e a privacidade dos moradores.

De acordo com o dispositivo, “as partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio”.

Alienação judicial de box de garagem segue o artigo 1.331 do CC

A relatora na Segunda Turma, ministra Assusete Magalhães, destacou a ausência de precedentes específicos no STJ sobre casos de alienação judicial de vaga de garagem. Entretanto, lembrou que a Quarta Turma, no REsp 316.686, afastou a impenhorabilidade da vaga de garagem, definindo que, se o bem pode ser alienado a outro condômino, pode ser penhorado e vendido em hasta pública. 

A ministra ponderou que a redação dada pela Lei 12.607/2012 ao artigo 1.331, parágrafo 1º, do CC, de fato, veio para conferir maior segurança aos condomínios, de forma que tanto a doutrina quanto outros tribunais têm decidido no sentido de que, em tais casos, a hasta pública deve se restringir aos condôminos.

“Entendo que a vedação de alienação dos abrigos para veículos a pessoas estranhas ao condomínio, estipulada no artigo 1.331, parágrafo 1º, do Código Civil, deva prevalecer também nas alienações judiciais. Em tais casos, a hasta pública deverá ocorrer no universo limitado dos demais condôminos”, concluiu a relatora.

Leia o acórdão no REsp 2.008.627.

28/09/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, consolidou o entendimento de que é admissível, em ação de inventário, a partilha de direitos possessórios sobre bens imóveis alegadamente pertencentes à pessoa falecida e que não se encontram devidamente escriturados.

Para o colegiado, o acervo partilhável em razão do falecimento do autor da herança não é composto somente de propriedades formalmente constituídas. Os ministros afirmaram que existem bens e direitos com indiscutível expressão econômica que, por vícios de diferentes naturezas, não se encontram legalmente regularizados ou formalmente constituídos sob a titularidade do falecido.

Com base nesse entendimento, a turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que negou o pedido de uma viúva e de suas filhas para incluir, no inventário, uma motocicleta e os direitos possessórios sobre 92 hectares de terras no município de Teófilo Otoni (MG) – alegadamente herdados dos ascendentes do falecido.

Segundo o TJMG, a prévia regularização dos bens por vias ordinárias seria imprescindível para que eles fossem inventariados e, por isso, não seria admitida a partilha de direitos possessórios.

Existe autonomia entre o direito de posse e o direito de propriedade

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que a questão em debate no caso não diz respeito à partilha dos direitos de propriedade dos bens do falecido, mas à possibilidade de serem partilhados apenas os direitos possessórios que supostamente eram de titularidade do autor da herança.

A magistrada afirmou que o rol de bens adquiridos pelo autor da herança em vida era composto por propriedades formalmente constituídas e por bens que não estavam devidamente regularizados.

Para a relatora, se a ausência de escrituração e de regularização do imóvel que se pretende partilhar não decorre de má-fé dos possuidores – como sonegação de tributos e ocultação de bens –, mas, sim, de causas distintas – como a hipossuficiência econômica ou jurídica das partes para dar continuidade aos trâmites legais –, os titulares dos direitos possessórios devem receber a tutela jurisdicional.

Segundo a ministra, “reconhece-se, pois, a autonomia existente entre o direito de propriedade e o direito de posse, bem como a expressão econômica do direito possessório como objeto lícito de possível partilha pelos herdeiros, sem que haja reflexo direto nas eventuais discussões relacionadas à propriedade formal do bem”.

TJMG não examinou legalidade do direito possessório e qualidade da posse

De acordo com Nancy Andrighi, ao admitir apenas a partilha de bens escriturados, e não de direitos possessórios sobre imóveis, o acórdão do TJMG violou o artigo 1.206 do Código Civile o artigo 620, inciso IV, alínea “g”, do Código de Processo Civil – dispositivos que reconhecem a existência de direitos possessórios e, consequentemente, a possibilidade de eles serem objeto de partilha no inventário.

A relatora apontou que o tribunal de origem não examinou aspectos como a existência efetiva dos direitos possessórios e a qualidade da posse alegadamente exercida pelo autor da herança, indispensáveis para a configuração de um direito possessório suscetível de partilha.

Além disso, a ministra afirmou que deve ser resolvida, em caráter particular e imediato, a questão que diz respeito somente à sucessão, adiando a um segundo e oportuno momento as eventuais discussões acerca da regularidade e da formalização da propriedade sobre o imóvel.

Ao dar provimento ao recurso especial, Nancy Andrighi determinou que fosse dado regular prosseguimento à ação de inventário e que fosse apurada a existência dos requisitos configuradores do alegado direito possessório suscetível de partilha entre os herdeiros.

REsp 1.984.847.

Fonte: STJ

As hipóteses listadas na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) para a mudança do registro civil não contemplam a exclusão total do nome e dos sobrenomes de alguém, com a substituição por outros de livre escolha do interessado.

28 de setembro de 2022

Mulher batizada com nome europeizado agora deseja ser chamada pelo nome étnico
Thiago Gomes/Agência Pará

Com esse entendimento, o ministro Raul Araújo, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, abriu divergência no julgamento que analisa se Solange Souza Reis, uma líder comunitária indígena de uma aldeia do Rio de Janeiro, pode alterar seu registro civil para Opetahra Nhâmarúri Puri Coroado.

Em junho, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, votou por permitir a alteração, em observância ao princípio da dignidade humana. Nesta terça-feira (27/9), porém, o ministro Raul Araújo votou contra a mudança. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Marco Buzzi.

O caso trata de uma mulher que nasceu na cidade do Rio de Janeiro e, em 2011, aos 48 anos, passou a se aproximar de suas raízes indígenas em São Fidélis (RJ), onde seus pais nasceram. Ela participou de reuniões e se mudou para lá, onde adotou costumes e tradições indígenas e se tornou líder comunitária da etnia puri.

Em 2018, ela pediu na Justiça para mudar o nome e os sobrenomes, fazendo a substituição completa do registro civil para dar lugar a algo que represente verdadeiramente suas raízes. O pedido foi negado pelas instâncias ordinárias.

A solução do caso passa pela interpretação dos artigos 57 e 58 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), que preveem que a alteração do nome é excepcional e deve ser motivada. No entanto, a jurisprudência do STJ tem tratado com liberalidade tais pedidos, não raro conferindo interpretação extensiva a essas regras, conforme já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

Para ministro Raul Araújo, autora da ação deseja se tornar indígena, mas não comprovou sua ascendência étnica
Lucas Pricken

Autodeterminação indígena
Para o ministro Salomão, as exceções trazidas pela lei ao princípio da imutabilidade do registro civil são exemplificativas e devem ser interpretadas levando em consideração o momento histórico-evolutivo da sociedade, para que se amoldem à realidade social.

Em suma, segundo o ministro, será possível mudar de nome, em regra, se não houver risco à segurança pública e indícios de prejuízo a terceiros. O ponto foi ressaltado por Salomão nesta terça, ao ratificar o voto, após a divergência inaugurada pelo ministro Raul Araújo.

“Fiquei a me perguntar qual seria o prejuízo da alteração desse nome para o da etnia indígena”, disse Salomão. “Penso que devemos, em algumas situações, avançar. É o nosso papel. Esse é um caso onde não consigo vislumbrar nenhum prejuízo para a segurança jurídica.”

Para ele, o direito à identidade étnico-cultural das pessoas indígenas não pode ser limitado por uma ótica registral que lhes negue a possibilidade de usar o nome que verdadeiramente reflita sua autoafirmação, inclusive porque o caso não traz nenhum aspecto patrimonial.

Nem índia ela é
Para o ministro Raul Araújo, no entanto, a autora da ação não pode ser considerada indígena. “Ela deseja ser indígena, mas não é.” Em sua análise, o processo não traz comprovação de sua origem. Em vez disso, trata de um desejo surgido por razões voluntárias.

Assim sendo, ele concluiu que o caso de Solange Souza Reis não se amolda às normas que tutelam direito da pessoa comprovadamente indígena, integrada ou não, de autodeterminação. E também não encontra previsão na lei, pois trata-se de substituição total e completa do nome e dos sobrenomes.

Ele destacou ainda que sequer há precedentes no STJ autorizando tamanha alteração. E deu como exemplo o recente caso em que a 4ª Turma vetou a mudança do sobrenome do artista plástico Romero Brito — cujo registro traz o sobrenome com apenas uma letra “t”, mas que assina suas obras como Romero Britto, com dois “ts”.

“O pleito não tem amparo legal. As hipóteses que se relacionam com o princípio da definitividade do nome, elencadas na Lei de Registros Públicos, não contemplam a possibilidade de exclusão total dos patronímicos materno e paterno, com substituição por outros de livre escolha e criação do titular”, resumiu Araújo.

REsp 1.927.090

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de setembro de 2022, 19h08

27/09/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu os critérios essenciais para reconhecimento, abertura, registro e cumprimento de testamento escrito de próprio punho. Entre os elementos destacados, estão a leitura e a assinatura do documento na presença de testemunhas – ou a declaração de circunstâncias excepcionais que justifiquem a sua ausência – e a aferição técnica da veracidade da assinatura atribuída à testadora.

No julgamento, o colegiado fez uma distinção entre os chamados vícios formais, relacionados a aspectos externos do testamento particular – e, portanto, passíveis de serem superados –, e os vícios formais-materiais, os quais não se limitam à forma do ato, mas contaminam o seu conteúdo e o invalidam.

O caso em análise começou quando os irmãos da autora da herança ajuizaram ação para reconhecimento da validade do testamento, a qual foi julgada procedente, apesar de controvérsias sobre a assinatura. Alegando a existência de diversos vícios, uma das irmãs, excluída da partilha dos bens, apelou ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), mas teve o recurso negado sob o argumento de que o juiz poderia mitigar um possível excesso de rigor formal, desde que fosse assegurada a última vontade da testadora.

Segundo o acórdão, a médica que acompanhou o tratamento da autora da herança atestou as suas condições mentais, e uma outra pessoa confirmou sua vontade de testar, reconhecendo tanto a assinatura como a grafia no documento.

Flexibilização de exigências legais não alcança testamento sem assinatura

Ao analisar o recurso especial, a relatora, ministra Nancy Andrighi, ponderou que a jurisprudência do STJ estimula a flexibilização das exigências para validação do testamento, buscando o equilíbrio entre o cumprimento das formalidades indispensáveis e o abrandamento de outras, de maneira que seja respeitada a última vontade do falecido.

Nesse sentido, apontou, vícios puramente formais seriam superáveis quando não houvesse dúvidas quanto à vontade do testador. Como exemplo, ela citou o REsp 701.917, em que foi reconhecida a legitimidade de um testamento particular sem o número mínimo de testemunhas, tendo em vista que não houve contestação quanto à veracidade do seu conteúdo.

Por outro lado, explicou a ministra, a corte não flexibilizou a exigência legal nos casos de testamentos sem a assinatura do próprio testador, pois isso causaria “fundada dúvida acerca da higidez da manifestação de vontade ali expressa” (REsp 1.618.754). Esse é um exemplo de vício formal-material, que atinge diretamente a essência do ato, inviabilizando o reconhecimento de sua validade.

Prova pericial seria instrumento ideal para comprovar assinatura em casos litigiosos

No caso dos autos, a magistrada destacou que o documento teria sido escrito de próprio punho pela autora da herança, sem a leitura perante testemunhas – até porque não havia nenhuma presente –, desobedecendo o que prescreve o parágrafo 1º do artigo 1.876 do Código Civil. A relatora também lembrou que o instrumento alternativo para suprir a falta de testemunhas – a declaração, na cédula testamentária, de circunstâncias excepcionais que justificassem essa ausência – não foi utilizado. 

Nancy Andrighi apontou, ainda, que não houve apuração adequada sobre a veracidade da assinatura e que o TJMG se contentou com os depoimentos da médica, responsável por atestar a capacidade civil da responsável pela herança, sem fazer menção ao testamento; e da pessoa que declarou conhecer a vontade de testar e reconhecer a assinatura e a grafia da falecida no testamento.

Ao dar provimento ao recurso especial, a relatora declarou que seria imprescindível, no mínimo, que não houvesse dúvida acerca da veracidade da assinatura da testadora, mediante produção de prova pericial – a qual, para ela, não é incompatível com procedimentos que começaram como jurisdição voluntária e depois se tornaram litigiosos, em razão de desacordo entre as partes.

REsp 2.005.877.

Fonte: STJ