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A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a Lei 9.656/1998 permite que os entes federados, ao cumprirem diretamente ordem judicial para prestar atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), possam requerer na Justiça o ressarcimento das despesas pela operadora do plano de saúde privado do qual o paciente seja segurado.

16/02/2024

Com esse entendimento, o colegiado determinou que uma operadora ressarcisse o Estado do Rio Grande do Sul pela cirurgia bariátrica de uma segurada, realizada em cumprimento de decisão judicial. Segundo o processo, após verificar que a paciente possuía plano de saúde, o ente público procurou a operadora para reaver o valor do procedimento. Sem êxito nessa tentativa, ajuizou ação de cobrança.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), contudo, ao examinar o artigo 32 da Lei 9.656/1998, compreendeu que somente poderiam ser objeto de reembolso os serviços prestados voluntariamente no âmbito do SUS, e não aqueles realizados por força de ordem judicial. A corte também decidiu que o ente federado não poderia ser considerado credor, mas apenas o Fundo Nacional de Saúde (FNS).

Lei não faz ressalva quanto ao cumprimento de ordem judicial

O relator do caso no STJ, ministro Gurgel de Faria, lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou a constitucionalidade do artigo 32 da Lei 9.656/1998, no julgamento do Tema 345. “Verifica-se que não há na fonte normativa nenhuma ressalva quanto ao ressarcimento nas hipóteses em que os serviços do SUS sejam realizados em cumprimento a ordem judicial”, disse.

Na sua avaliação, o artigo admitiu, de maneira ampla, a possibilidade de ressarcimento do serviço prestado em instituição integrante do SUS, independentemente de execução voluntária ou de determinação judicial.

Ente pode cobrar valor diretamente de operadora de saúde

O relator considerou possível o Estado do Rio Grande do Sul ajuizar a ação para cobrar diretamente o valor da cirurgia, não dependendo de procedimento administrativo na Agência Nacional de Saúde (ANS) – rito previsto na lei para os casos em que o paciente, segurado de plano privado, por razões de urgência ou emergência, usufrui de serviço do SUS.

Nesses casos, explicou, cabe à Agência Nacional de Saúde (ANS) – na via administrativa, seguindo as normas infralegais que disciplinam a matéria – definir o acertamento do serviço prestado, calcular o valor devido, cobrar o ressarcimento da operadora de saúde, recolher os valores ao FNS e, posteriormente, compensar o ente público que arcou com os custos.

Segundo Gurgel de Faria, quando o procedimento decorre de determinação da Justiça, não faz sentido seguir o rito administrativo por via da ANS, pois a própria ordem judicial para prestação do serviço do SUS já traz implicitamente os elementos necessários ao ressarcimento em favor do ente público que a cumpriu.

“O procedimento administrativo (protagonizado pela ANS e com destinação final ao FNS) é uma das vias de ressarcimento – a prioritária, que atende os casos ordinários –, mas não é o único meio de cobrança. Ele não exclui a possibilidade de que o ente federado, demandado diretamente pela via judicial, depois se valha da mesma via para cobrar os valores que foi obrigado diretamente a custear”, concluiu.

REsp 1.945.959.

Fonte: STJ

Por unanimidade, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que condenou a Igreja Universal do Reino de Deus a pagar mais de R$ 23 milhões como indenização por danos patrimoniais e morais coletivos, pela derrubada de três casas declaradas patrimônio cultural de Belo Horizonte.

15/02/2024

Ao confirmar decisão monocrática do ministro Sérgio Kukina, o colegiado entendeu que o processo de tombamento já estava em curso no momento das demolições e afastou as alegações apresentadas pela instituição, como a suposta falta de intimação quanto ao laudo técnico do Ministério Público de Minas Gerais que embasou parte do valor da indenização imposta.

Em julho de 2021, por meio de decisão cautelar, o ministro havia proibido a igreja de levar adiante seu plano de implantar um estacionamento no local.

Na ação civil pública que deu origem à condenação, o Ministério Público apontou que os imóveis foram destruídos em 2005 pela igreja com a finalidade de construir um estacionamento para os fiéis. Na época, os casarões já eram protegidos por atos administrativos de inventário e registro documental. O tombamento integral foi confirmado posteriormente pelos órgãos de preservação histórica e cultural da capital mineira.

Justiça de Minas fixou indenização e determinou construção de memorial

Reconhecendo que as casas destruídas estavam protegidas como patrimônio público, o TJMG fixou em cerca de R$ 18 milhões a indenização por danos patrimoniais causados ao meio ambiente cultural, e em R$ 5 milhões a reparação dos danos morais coletivos. A corte estadual também determinou que a Igreja Universal construísse um memorial em referência aos imóveis demolidos.

Em recurso especial, a Universal questionou a falta de intimação sobre o laudo técnico do Ministério Público e reiterou, entre outros argumentos, que não poderia ser condenada por prejuízos ao patrimônio histórico e cultural porque as casas foram derrubadas quando o processo legal de tombamento ainda não existia.

Falta de intimação sobre nota técnica não comprometeu o direito de defesa

O ministro Sérgio Kukina, relator do caso, destacou que a falta de intimação referente à nota técnica deveria ter sido alegada na primeira oportunidade, sob pena de preclusão. Segundo o ministro, a defesa da igreja teve vista dos autos, mas nada alegou a respeito da falta de intimação ou acerca do próprio documento encartado nos autos pelo órgão ministerial.

Quanto à constatação de que a sentença fez referência expressa à nota técnica, Sérgio Kukina afirmou que esse fato, por si só, não ofende os princípios da ampla defesa e do contraditório, “haja vista que, como expressamente reconhecido pelo magistrado, tal nota foi elaborada a partir de elementos probatórios já contidos nos autos, o que, a toda evidência, retira-lhe qualquer caráter inovador”.

Proteção do patrimônio cultural não se condiciona ao tombamento

O relator explicou ainda que, nos termos do artigo 216 da Constituição Federal, o tombamento não é a única forma de proteção do patrimônio cultural, de modo que a utilização da ação civil pública para sua proteção não se condiciona à existência de tombamento, sendo suficiente que o bem possua atributos que justifiquem a sua proteção.

Para Sérgio Kukina, deve-se considerar que o TJMG partiu da premissa de que o processo de tombamento estava em andamento e os imóveis encontravam-se protegidos por decreto de intervenção provisória. “Dessa forma, rever tal premissa demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ”, concluiu o ministro.

REsp 1.690.956.

Fonte: STJ

O crédito em moeda estrangeira deve ser incluído no quadro geral de credores na própria moeda em que está constituído. Esse entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que autorizou a habilitação de crédito de recuperação judicial em moeda estrangeira.

13 de fevereiro de 2024

STJ manteve decisão que autorizou habilitação de crédito de RJ em moeda estrangeira

Segundo o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, o crédito em moeda estrangeira só se converte para efeito de “cálculo do poder político na hora da assembleia”, mas é mantido em moeda estrangeira.

“O dispositivo em exame (Artigo 50, parágrafo 2, da Lei 11.101/2005) veicula a justificativa da opção legal adotada, sendo possível extrair, de seus termos, a conclusão de que a imediata conversão em moeda nacional, já por ocasião de sua habilitação, promoveria a indesejada disparidade entre o valor do crédito e o da obrigação que o originou”, disse o relator.

O tribunal analisou o recurso de uma metalúrgica contra decisão do TJ-SP que autorizou a habilitação de crédito em moeda estrangeira. No pedido de reconsideração feito ao STJ, a empresa afirmou que a conversão para moeda nacional deveria ter sido feita levando em conta a taxa de câmbio da data do pedido de recuperação.

Segundo Bellizze, no entanto, a Lei 11.101 (que regulamenta as falências e recuperações judiciais) rege integralmente o tema e só admite a conversão para moeda nacional “para fins exclusivos de votação em assembleia-geral”.

“Veja-se que a conversão em moeda nacional pelo câmbio da véspera da AGC destina-se tão somente a viabilizar a votação do credor na classe em que inserido  seu crédito, definindo, assim, o peso, a influência de seu voto nas correlatas deliberações”, disse.

“Inarredável, assim, a conclusão de que o crédito em moeda estrangeira deve ser incluído no Quadro-Geral de Credores na própria moeda em que constituído, atualizado, em conformidade com os termos ajustados, até a data do pedido de recuperação judicial”, concluiu o relator.

Bellizze foi acompanhado pelos ministros Humberto Martins, Nancy Andrighi e Ricardo Villas Bôas. O ministro Moura Ribeiro se declarou impedido e não participou do julgamento.

REsp 1.954.441

Fonte: Revista Consultor Jurídico

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o artigo 100, parágrafo 1º, da Constituição Federal traz um rol exemplificativo dos tipos de verbas consideradas de natureza alimentar para pagamento preferencial de precatórios. Para o colegiado, a definição da forma de pagamento do precatório – com ou sem preferência – está relacionada à comprovação do vínculo entre a verba e a subsistência do credor e de sua família.

09/02/2024

​O entendimento foi estabelecido pela turma ao negar provimento ao recurso em mandado de segurança com o qual um servidor buscava garantir prioridade no recebimento do precatório, originado de indenização devida pelo estado da Bahia em razão da demora na concessão de sua aposentadoria.Relator do recurso, o ministro Sérgio Kukina explicou que a ação originária não discutiu eventual direito a valores de aposentadoria atrasados, mas a responsabilidade civil do estado pelo atraso na implementação do benefício.Valores em precatório não envolvem salários, proventos ou benefícios previdenciáriosCitando o precedente fixado pela Corte Especial no REsp 1.815.055, o ministro apontou que o artigo 100, parágrafo 1º, da Constituição não introduz rol taxativo das verbas consideradas de natureza alimentar, o que leva à conclusão de que “a definição da natureza alimentar de determinada verba encontra-se vinculada à sua destinação precípua para subsistência do credor e de sua família”.Kukina apontou que a verba discutida nos autos não diz respeito a salários, vencimentos, proventos ou benefícios previdenciários, mas, sim, à indenização por responsabilidade civil – crédito para o qual o dispositivo da Constituição não indica a natureza alimentar.Na avaliação do relator, a indenização devida pelo estado da Bahia não tem o objetivo de assegurar a subsistência do recorrente e de sua família – como seria o caso de seus proventos de aposentadoria –, mas única e exclusivamente reparar prejuízos causados pelo ato ilícito da administração pública, “situação que também evidencia a natureza comum do crédito em análise”.Leia o acórdão no RMS 72.481.

Fonte STJ

Na primeira sessão de julgamento de 2024, realizada nesta terça-feira (6), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para garantir a uma mulher transgênero o direito de permanecer em prisão domiciliar. O benefício havia sido revogado em primeiro grau, com a determinação de que ela se apresentasse a um presídio de Criciúma (SC) destinado apenas a presos masculinos.

07/02/2024

A mulher cumpria pena em regime domiciliar em Criciúma, mas o juízo da execução penal de Florianópolis determinou que ela escolhesse entre retornar à capital – condição para manter a prisão domiciliar – ou permanecer em Criciúma, caso em que deveria se apresentar voluntariamente ao presídio masculino.

No habeas corpus, a Defensoria Pública de Santa Catarina alegou que a determinação de recolhimento da mulher trans no presídio de Criciúma seria absolutamente ilegal, porque o local não teria celas separadas para pessoas transgênero e não ofereceria espaços de convivência específicos para indivíduos desse grupo.

Sistema carcerário brasileiro ainda tem contornos violentos e segregacionistas

Para o relator do habeas corpus, desembargador convocado Jesuíno Rissato, o caso reflete a situação prisional de várias pessoas no Brasil, que, por ter uma sociedade estruturalmente “racista, misógina, homofóbica e transfóbica”, possui um sistema carcerário “violento e segregacionista”.

Segundo o relator, em um primeiro momento, a concessão da prisão domiciliar havia se baseado no argumento de que o presídio de Criciúma não tinha condições adequadas para receber a mulher trans; posteriormente, contudo, o juízo da execução penal revogou o benefício, mas não esclareceu de que forma a prisão passou a estar preparada para abrigá-la.

“Não parece crível que a unidade prisional que foi considerada inapta (de acordo com a primeira decisão) para receber pessoas LGBTQIA+, passado menos de dois meses, já esteja apta a recebê-las, o que, supostamente, justificaria a revogação do cumprimento da pena em regime domiciliar”, completou.

Presa trans tem o direito de ser questionada sobre local de cumprimento da pena

Jesuíno Rissato lembrou que, nos termos da Resolução 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a definição do local de cumprimento da pena da pessoa transgênero não é um exercício discricionário da Justiça, mas sim uma análise que tem por objetivo resguardar a liberdade sexual e de gênero, a vida e a integridade física desses indivíduos.

Segundo o relator, tanto a Resolução 348 do CNJ como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 527 determinam que as presas transexuais e travestis sejam questionadas sobre o local de preferência para o cumprimento da pena.

“É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas”, concluiu o magistrado ao manter a prisão domiciliar.

HC 861817

Fonte: STJ

A antropização — ou seja, a consolidação da intervenção humana — em área de preservação permanente não justifica a manutenção de uma situação danosa ao meio ambiente. Conforme determina a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não existe o direito adquirido a praticar a degradação ambiental.

7 de fevereiro de 2024, 8h49

Empresa iniciou construção de posto de combustível no entorno de área de preservação permanente da Mata Atlântica

Com esse entendimento, a 2ª Turma do STJ determinou a interrupção da instalação de um posto de combustíveis no entorno do Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange, no litoral do Paraná, com desocupação da área e demolição das construções.

O colegiado também decidiu que a empresa responsável pelas obras, dois empresários e o antigo Instituto Ambiental do Paraná (hoje chamado Instituto Água e Terra) devem ser condenados a reparar os danos ambientais causados. Os valores serão apurados pelas instâncias de origem.

Contexto
O Ministério Público Federal e o MP do Paraná ajuizaram ação civil pública na qual apontaram os danos ambientais causados pelo empreendimento.

Segundo os MPs, os réus estavam promovendo “sensíveis alterações geológicas” e, assim, possibilitando processos de erosão, degradação da Mata Atlântica e destruição de área de preservação permanente.

A ação também apontou a falta de qualquer estudo ambiental em relação ao local de instalação do posto. De acordo com os autores, o instituto concedeu licença prévia a partir de um relatório de inspeção superficial e desconsiderou que a área já estava embargada após um auto de infração ambiental.

Outro argumento foi a falta de consentimento do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense (Colit) para a promoção das obras, como manda a legislação local.

O juízo de primeiro grau negou os pedidos dos MPs. E o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) observou que a licença foi concedida muito antes da instalação do empreendimento, e por isso manteve a sentença.

Os desembargadores reconheceram que houve a instalação de empreendimento em área de preservação permanente, mas entenderam que as construções deveriam ser mantidas, pois a área já estava degradada.

Fundamentação
Após recurso do MP-PR ao STJ, o ministro Francisco Falcão, relator do caso, considerou que os fundamentos usados pela corte paranaense foram contraditórios.

Como lembrou o magistrado, um precedente de 2021 da 2ª Turma do STJ (REsp 1.911.922) estabeleceu que a antropização de uma área não autoriza a permanência de construções irregulares, com danos ambientais.

“Irrelevante o fato de que a intervenção nas áreas de preservação permanente tenha sido promovida em um momento anterior e/ou por outra pessoa jurídica”, assinalou o relator.

Com base no Código Florestal e na Súmula 623 do STJ, Falcão explicou que a obrigação de recuperar o meio ambiente é transmitida junto à propriedade do imóvel (ou seja, se alguém compra o imóvel, também passa a ser responsável pelas obrigações ambientais).

No caso concreto, o ministro entendeu que foram comprovados o cenário prejudicial à área de preservação permanente e a omissão das licenças ambientais quanto a isso.

Falcão lembrou que o artigo 10 da Lei 6.938/1981 exige licenciamento ambiental prévio para construção, instalação e funcionamento de estabelecimentos e atividades que são capazes de degradar o meio ambiente. Com a presunção do prejuízo causado, há dever de indenizar.


REsp 1.877.192

  • Por José Higídio – repórter da revista Consultor Jurídico.
  • Fonte: Conjur

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, confirmou a legalidade de cláusula limitativa de responsabilidade definida no contrato entre uma empresa multinacional do ramo de tecnologia e uma companhia brasileira que atuava como sua representante no país.

06/02/2024

Ao considerar as circunstâncias do caso, o colegiado entendeu que o valor máximo para indenização estabelecido previamente pelas partes deve prevalecer, sendo presumível que elas avaliaram as vantagens e desvantagens do acordo. Com isso, a indenização por danos materiais e morais por abusos contratuais pretendida pela representante brasileira ficou limitada a US$ 1 milhão, como previsto no contrato.

“Tendo em vista que não ficou minimamente comprovado o dolo na fixação da cláusula penal nem foi prevista no contrato a possibilidade de o credor demandar indenização suplementar, deve mesmo prevalecer o limite imposto no ajuste”, afirmou o ministro Moura Ribeiro, no voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado.

Relação teria sido prejudicada por alterações contratuais e decisões arbitrárias

A relação comercial das empresas teve início da década de 1990, quando a companhia brasileira comprava equipamentos de informática com desconto e os revendia ao consumidor final, obtendo lucro com a diferença dessa operação. No entanto, o vínculo se deteriorou, e ela ajuizou ação requerendo indenização por danos materiais e morais em virtude de supostos abusos praticados pela multinacional, como alterações unilaterais de contrato e decisões que visavam apenas aumentar seu lucro em detrimento da margem estipulada para revendedores.

O juízo de primeira instância validou a cláusula limitativa de responsabilidade e restringiu a indenização requerida ao valor de US$ 1 milhão, mas a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Ao apontar uma possível infração à ordem econômica, a corte avaliou que a multinacional teria se aproveitado da sua superioridade técnica e econômica para aumentar arbitrariamente seus lucros, em prejuízo da companhia brasileira.

O caso chegou ao STJ sob a relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que, em decisão monocrática, manteve o acórdão do tribunal paulista. Em sua avaliação, houve quebra do equilíbrio contratual e aumento excessivo da dependência econômica da representante brasileira.

Não se pode supor vulnerabilidade de uma empresa de grande porte

No colegiado, entretanto, prevaleceu o voto divergente do ministro Moura Ribeiro, no sentido de que a eventual infração à ordem econômica poderia até ser alegada para o rompimento de contrato, mas não para afastar a cláusula de limitação de responsabilidade.

Segundo Moura Ribeiro, ainda que a multinacional detivesse posição dominante, a distribuidora era uma empresa de grande porte, que cresceu expressivamente no período da parceria comercial. Dessa forma, prosseguiu, não se pode supor que era vulnerável a ponto de não compreender a cláusula contratual.

Ao analisar o processo, o magistrado também constatou que o prejuízo efetivamente sofrido pela empresa brasileira não foi superior ao valor estabelecido na cláusula penal.

“Não parece lógico, nem mesmo razoável, determinar uma indenização diversa, apenas com base em meras suposições. Nas circunstâncias, ao contrário, merece prevalecer o limite estabelecido pela vontade das partes, as quais, é de se admitir, sopesaram prós e contras quando da contratação”, concluiu Moura Ribeiro ao restabelecer a sentença de primeiro grau.

REsp 1.989.291.

Fonte: STJ

Decisão do Plenário autoriza a opção por regime de bens diferente do obrigatório previsto no Código Civil

02 de Fevereiro de 2024

O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, nesta quinta-feira (1°), que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes. Por unanimidade, o Plenário entendeu que manter a obrigatoriedade da separação de bens, prevista no Código Civil, desrespeita o direito de autodeterminação das pessoas idosas.

Segundo a decisão, para afastar a obrigatoriedade, é necessário manifestar esse desejo por meio de escritura pública, firmada em cartório. Também ficou definido que pessoas acima dessa idade que já estejam casadas ou em união estável podem alterar o regime de bens, mas para isso é necessário autorização judicial (no caso do casamento) ou manifestação em escritura pública (no caso da união estável). Nesses casos, a alteração produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.

Vedação à discriminação

Relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642, com repercussão geral, o ministro Luís Roberto Barroso (presidente) afirmou que a obrigatoriedade da separação de bens impede, apenas em função da idade, que pessoas capazes para praticar atos da vida civil, ou seja, em pleno gozo de suas faculdades mentais, definam qual o regime de casamento ou união estável mais adequado. Ele destacou que a discriminação por idade, entre outras, é expressamente proibida pela Constituição Federal (artigo 4º).

No processo em análise, a companheira de um homem com quem constituiu união estável quando ele tinha mais de 70 anos recorreu de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que negou a ela o direito de fazer parte do inventário ao aplicar à união estável o regime da separação de bens.

Segurança jurídica

No caso concreto, o STF negou o recurso e manteve decisão do TJ-SP. O ministro Barroso explicou que, como não houve manifestação prévia sobre o regime de bens, deve ser ao caso concreto aplicada a regra do Código Civil. O ministro salientou que a solução dada pelo STF à controvérsia só pode ser aplicada para casos futuros, ou haveria o risco de reabertura de processos de sucessão já ocorridos, produzindo insegurança jurídica.

A tese de repercussão geral fixada para Tema 1.236 da repercussão geral, é a seguinte:

“Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública”.

Fonte: STF

Para justificar o pedido de regresso, o médico havia apontado que a própria sentença reconheceu a solidariedade ao estabelecer a condenação

01 de Fevereiro de 2024

Em razão de divisão de responsabilidades definida em instrumento de distrato, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por médico que, após pagar integralmente indenização a paciente por dano sofrido durante cirurgia, buscava ser ressarcido da metade do valor por meio de ação de regresso ajuizada contra o antigo sócio. Para justificar o pedido de regresso, o médico havia apontado que a própria sentença reconheceu a solidariedade ao estabelecer a condenação.

De acordo com o colegiado, contudo, o distrato previa que cada médico assumisse responsabilidade civil, criminal, técnica e ética pelos seus atos e pacientes – no caso, a paciente estava sob os cuidados do recorrente, tendo o antigo sócio, também médico, apenas prestado auxílio na cirurgia.

Na origem do processo, os dois médicos foram condenados solidariamente a ressarcir os danos causados à paciente em cirurgia na qual atuaram, tendo a sentença transitado em julgado. Na fase de execução, o recorrente arcou integralmente com a condenação, mas propôs ação de regresso contra o colega de profissão, por entender que ele deveria ressarci-lo em 50% do valor indenizatório.

O juízo de primeiro grau negou o pedido sob a alegação de que o distrato estabelecido entre autor e réu visava exatamente separar obrigações e direitos que os sócios tivessem compartilhado no período em que atuaram juntos. Ao manter a sentença, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) reforçou que a vítima era paciente do recorrente.

Em recurso especial, o médico argumentou, entre outros pontos, que o distrato não poderia ser utilizado para alterar a relação de responsabilidade solidária definida na sentença.

Divisão de responsabilidades de codevedores é regulada pelo Código Civil

Segundo o relator do processo, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o devedor que pagar dívida comum por inteiro tem o direito de exigir dos demais codevedores a sua quota-parte, conforme previsto no artigo 283 do Código Civil. Caso a dívida se refira exclusivamente a um dos envolvidos, ressaltou, ele responderá pela integralidade do montante.

O ministro acrescentou que, mesmo quando a solidariedade decorre da reparação de danos analisados sob a ótica da responsabilidade objetiva, a regra do artigo 283 – caracterizada pelo contexto negocial – pode ser afastada para que seja analisada a contribuição de cada devedor para o prejuízo.

Villas Bôas Cueva observou que, no entendimento do TJMS, as partes estabeleceram a forma como a responsabilidade iria ser dividida, além de reconhecer, com fundamento no artigo 285 do Código Civil, que a dívida interessava apenas ao recorrente. Entretanto, de acordo com Cueva, para que a corte estadual pudesse confirmar que o proveito financeiro seria apenas do recorrente, haveria a necessidade de verificar como os médicos dividiam os honorários entre si quando auxiliavam na realização das cirurgias, o que não foi examinado pelo tribunal local.   

Distrato é o instrumento adequado para verificar atribuições de cada sócio

Por outro lado, o ministro Cueva apontou que as partes, no momento da dissolução da sociedade, firmaram o distrato e definiram a divisão das responsabilidades entre eles. O instrumento foi pactuado em agosto de 2000, e a cirurgia, datada de março de 1999, foi realizada ainda durante a vigência da sociedade, sendo incabível, para o relator, afastar a incidência do ajuste firmado entre as partes.

Quanto à alegação do recorrente de que o distrato não poderia ser usado para regular as relações pessoais entre os médicos, Villas Bôas Cueva salientou que o instrumento trata exatamente das atribuições assumidas por cada sócio a partir da dissolução da sociedade.

“Assim, tendo o recorrente assumido a responsabilidade ‘civil, criminal, técnica e ética por seus atos e pacientes’, deve responder pela integralidade da dívida decorrente de ação indenizatória movida por paciente sua”, concluiu o relator.

Fonte: STJ

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) segundo o qual não seriam devidos honorários na hipótese de rejeição da impugnação do devedor, pois, diferentemente dos embargos à execução – que possuem natureza jurídica de ação –, a impugnação seria mero incidente processual, assim como a exceção de pré-executividade

30 de Janeiro de 2024

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), são cabíveis honorários advocatícios de sucumbência em virtude da rejeição de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, nas hipóteses em que se pede a anulação do julgamento arbitral com fundamento nos artigos 26 (requisitos obrigatórios da sentença) e 32 (hipóteses de nulidade da sentença) da Lei 9.307/1996.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) segundo o qual não seriam devidos honorários na hipótese de rejeição da impugnação do devedor, pois, diferentemente dos embargos à execução – que possuem natureza jurídica de ação –, a impugnação seria mero incidente processual, assim como a exceção de pré-executividade.

Relator do recurso especial, o ministro Antônio Carlos Ferreira reconheceu a existência de precedentes do STJ no sentido de que não seriam cabíveis os honorários advocatícios sucumbenciais no caso de rejeição da impugnação.

Contudo, de acordo com o ministro, a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral possui peculiaridades em relação às impugnações em geral, pois, além das matérias de defesa previstas no artigo 525, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, também é possível pleitear a anulação da própria sentença arbitral, nos termos do artigo 33, parágrafo 3º, da Lei 9.307/1996.

“Em suma, a invalidação da sentença arbitral pode ser reconhecida em ação autônoma de nulidade (artigo 33, parágrafo 1º) ou pleiteada por intermédio de impugnação ao cumprimento da sentença (artigo 33, parágrafo 3º) quando estiver sendo executada judicialmente”, completou.

Se nulidade fosse pedida em ação autônoma, também haveria honorários

Segundo Antônio Carlos Ferreira, quando a impugnação é utilizada para questionar a validade da sentença arbitral com fundamento nos artigos 26 e 32 da Lei 9.307/1996, o incidente processual passa a ter potencial de encerrar ou modificar significativamente o processo de execução judicial.

Nesse sentido, o relator lembrou que, ao julgar o EREsp 1.366.014, a Corte Especial considerou cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios quando o incidente processual for capaz de extinguir ou alterar consideravelmente o processo principal.

“É incontestável que o incidente de impugnação ao cumprimento de sentença, com pedido de nulidade da sentença arbitral, desenvolve atividade jurisdicional de cognição exauriente, com decisão interlocutória que resolve o mérito em relação à tese de invalidade da sentença arbitral, com potencial para fazer coisa julgada sobre esse tema”, apontou Ferreira.

Em seu voto, o ministro comentou que, se a parte executada tivesse optado por ingressar com ação autônoma de nulidade, a condenação ao pagamento de honorários seria um desdobramento lógico da decisão que acatasse ou rejeitasse os argumentos apresentados.

“Logo, ao optar pela impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, o desfecho deve ser análogo ao da ação de nulidade. Entender de forma contrária implica privar o advogado da remuneração pelo trabalho desenvolvido em incidente processual complexo, expressamente previsto na legislação de regência e que equivale a uma demanda declaratória autônoma. Importa ainda sobrelevar que a legislação é inequívoca ao garantir o direito do advogado de receber honorários em todas as ações em que seus serviços resultem em benefícios para a parte que ele representa”, concluiu o relator ao condenar o executado ao pagamento de honorários sucumbenciais.

Fonte: STJ