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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma seguradora poderá reter parte do pagamento da indenização do seguro de responsabilidade civil D&O, por haver expressa previsão contratual. O colegiado afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no caso, tendo em vista que o segurado é pessoa jurídica com capacidade técnica suficiente.

01/03/2023

Na origem, houve a contratação de uma apólice de seguro D&O, com o propósito de cobrir os riscos de eventuais prejuízos que os administradores da empresa, no exercício de suas funções, causassem a terceiros. Embora essa modalidade de seguro seja destinada, em regra, à proteção apenas dos executivos, a empresa negociou sua inclusão no contrato, mediante condições específicas, para o caso de reclamações no âmbito do mercado de capitais.

Após acordo em ação coletiva, a empresa pagou valores referentes a prejuízos causados a seus acionistas e ao mercado, mas não recebeu da seguradora o repasse do valor integral. Por isso, acionou a companhia de seguros na Justiça, requerendo a complementação da indenização securitária, no valor de R$ 6,3 milhões.

Cláusula estabelecia desconto no valor da indenização

Em primeira e segunda instâncias, o pedido foi julgado improcedente, ao fundamento de que, com o endosso realizado no contrato, foi admitida a participação proporcional da empresa no sinistro. No recurso dirigido ao STJ, a empresa sustentou que, à luz do direito do consumidor, deveria receber o valor integral da indenização.

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que houve um endosso no contrato do seguro, a fim de incluir na cobertura o risco relativo a perdas e danos originados no mercado de capitais. Conforme ressaltou, uma das cláusulas específicas negociadas estabelecia o desconto de 10% no valor da indenização securitária devida à pessoa jurídica no caso de sinistro.

O ministro ressaltou que a cláusula de participação foi redigida de forma clara, ficando nítida a anuência da contratante com a retenção de parte da indenização a que teria direito.

Ausência de vulnerabilidade impede incidência do CDC

Bellizze apontou que o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) trouxe a possibilidade de se considerar consumidora uma pessoa jurídica, desde que seja a destinatária final do produto. No entanto – disse o magistrado –, o STJ adota a teoria finalista mitigada, que privilegia a análise da vulnerabilidade do adquirente do produto ou do serviço em cada caso, a fim de verificar eventual superioridade do fornecedor que justifique a incidência das regras protetivas do CDC.

“Considerar a segurada como hipossuficiente técnica não se mostra plausível, principalmente quando levadas em conta as atividades por ela exercidas e o seu porte econômico, possuindo assessoria e consultoria adequadas para a celebração de contratos de tamanha monta”, comentou. O ministro também afirmou que, no caso, não se pode falar em contrato de adesão (artigo 54 do CDC), pois a negociação de cláusulas entre as partes afasta essa hipótese.

Além disso, Bellizze destacou o fato de que, embora possa haver relação de consumo no seguro empresarial quando a pessoa jurídica contrata a proteção do próprio patrimônio, o seguro D&O busca proteger a atuação dos administradores, servindo, assim, como um insumo à atividade da empresa. 

REsp 1.926.477.

Fonte: STJ

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial de um banco para afastar o reconhecimento da supressio em execução que ficou suspensa, por longo período, por não terem sido encontrados bens do devedor. Com a decisão, o colegiado determinou a incidência de juros e correção monetária, na forma fixada em sentença, durante todo o período de existência da dívida, até a data do efetivo pagamento.

01/03/2023

Na origem, o banco ajuizou ação monitória, baseada em contrato de crédito rotativo, contra uma empresa e seus sócios. O juízo condenou os devedores ao pagamento do valor pleiteado pela instituição financeira.

Na fase de execução, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afastou a ocorrência de prescrição intercorrente, mas, com base no instituto da supressio, decidiu que não seriam computados juros nem correção monetária sobre a dívida durante o período em que o processo esteve sobrestado por não terem sido encontrados bens em nome dos executados.

Para a corte local, o banco teria se privilegiado com a incidência dos encargos enquanto permanecia inerte, sem tomar medidas para encontrar patrimônio dos devedores e permitir o regular processamento da execução.

Supressio exige análise sobre boa-fé da parte

O relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que, apesar de o instituto da supressio ter seu fundamento na necessidade de estabilização das relações jurídicas, ele não se confunde com a extinção de direitos que ocorre na prescrição ou na decadência.

O ministro afirmou que, para o reconhecimento da supressio, é preciso verificar acerca da boa-fé, do dever de lealdade e confiança, ao contrário do que ocorre na prescrição e na decadência, em que o mero transcurso do tempo implica a extinção do direito. A supressio, portanto, exige uma análise da omissão do credor e também do seu efeito quanto à expectativa do devedor.

De acordo com o magistrado, a supressio é a perda da possibilidade de exercer um direito, em razão do seu não exercício por certo período, pois isso gera na parte contrária a expectativa legítima de que ele não será mais exigido. Conforme explicou, a omissão “ganha relevância jurídica ao provocar na outra parte a convicção de que o direito subjetivo não mais será exercido”.

Inexistência de bens não gerou expectativa legítima nos devedores

No caso em julgamento, Antonio Carlos Ferreira observou que não é possível aplicar o instituto da supressio, pois a inexistência de bens no processo de execução não pode ter levado o réu à expectativa legítima de que não seria mais executado, nem ser considerada omissão relevante para a extinção do direito.

“Não se pode olvidar que o direito do recorrente foi efetivamente exercido ao ajuizar a ação e ao ser dado início ao cumprimento da sentença transitada em julgado”, afirmou, acrescentando que, embora os processos estejam sujeitos a delongas, “tais circunstâncias não podem ser consideradas verdadeiramente significativas, de modo a qualificar uma omissão como relevante para a extinção do direito”.

O elemento significativo para a suspensão do processo e o adiamento da concretização do direito reconhecido na sentença – concluiu o relator – não foi a omissão do credor, mas a inexistência de patrimônio para o adimplemento da obrigação.

REsp 1717144

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a confissão da empresa em recuperação judicial sobre a impossibilidade de seguir cumprindo o respectivo plano não configura o seu real descumprimento e, portanto, não autoriza, por si só, a convolação em falência.

28/02/2023

Para o colegiado, o fato de a sociedade devedora pedir uma nova assembleia para modificar o plano vigente dá margem a uma mera conjectura sobre o seu descumprimento, mas isso pode não ocorrer.

A empresa interpôs agravo de instrumento contra a decisão do juízo de primeiro grau que decretou sua falência, após ela reconhecer que não conseguiria prosseguir no cumprimento do plano de soerguimento. Esse reconhecimento levou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) a negar provimento ao recurso, decidindo pela obrigatoriedade da convolação em falência e pela desnecessidade de convocação de uma nova assembleia geral.

Em recurso especial, a empresa apontou que, passado o prazo de dois anos da concessão da recuperação, não seria cabível a sua convolação em falência com base na impossibilidade de cumprimento do plano, por falta de amparo legal.

É possível modificar o plano de recuperação após o prazo bienal

Ao analisar as regras da recuperação judicial, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que, após a sua concessão pelo juiz, o devedor é mantido no plano até que sejam cumpridas as obrigações previstas, no prazo de dois anos. Segundo o ministro, durante esse período de estado recuperacional, o cumprimento das obrigações do plano se sujeita à supervisão judicial. Nada impede que sejam previstas obrigações excedentes a esse prazo, mas a supervisão se transfere aos credores.

Bellizze destacou que é possível modificar o plano depois do prazo de dois anos, quando não há sentença de encerramento da recuperação. Por outro lado – observou –, ocorrendo o descumprimento de qualquer obrigação do plano no período de supervisão judicial, a lei permite a convolação da recuperação em falência.

“A convolação da recuperação em falência equivale a uma sanção legalmente imposta ao devedor em soerguimento, haja vista a gravidade das consequências que dela resultam, devendo, portanto, ser objeto de interpretação estrita as hipóteses arroladas no artigo 73 da Lei Falimentar“, esclareceu o ministro.

Ele lembrou ainda que o STJ já estabeleceu, no julgamento do REsp 1.587.559, que as hipóteses de convolação em falência devem respeitar a taxatividade daquele rol.

Autos não registram descumprimento de obrigações

O juízo da recuperação considerou que a confissão da empresa quanto à impossibilidade de cumprir as obrigações do plano seria uma demonstração de inobservância dos seus termos. No entanto, Marco Aurélio Bellizze ponderou que o magistrado não deveria se antecipar no decreto falimentar, “antevendo uma possível (mas incerta) inexecução das obrigações constantes do plano, a pretexto de incidência do artigo 61, parágrafo 1º, e, por conseguinte, do artigo 73, inciso IV, ambos da Lei 11.101/2005, sem que efetivamente tenha ocorrido o descumprimento”.

Para o ministro, esse procedimento representaria uma ampliação indevida do alcance legal, dando interpretação extensiva a dispositivo que só comporta interpretação restritiva.

Além disso, o ministro lembrou que os autos não registram a inobservância de compromissos firmados, e a sequência cronológica das decisões demonstra a existência de parcelas de obrigações vincendas até janeiro de 2020, quase três anos depois do acórdão recorrido, datado de abril de 2017.

Na conclusão do voto, Bellizze afirmou que não seria possível verificar se houve adimplemento das obrigações do plano cujo prazo de vencimento era posterior aos julgados recorridos. “Afigura-se de rigor o retorno dos autos ao juízo da recuperação a fim de diligenciar nesse sentido, para só então decretar o encerramento da recuperação judicial ou a convolação em falência”, determinou o relator ao dar provimento ao recurso especial.

REsp 1.707.468.

Fonte: STJ

Como a a Lei 10.821/2003 já garantiu indenização às famílias das vítimas do acidente, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, afastou a indenização por danos materiais concedida a parentes de tecnologista que morreu em serviço, em decorrência do acidente ocorrido com um foguete no Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, em agosto de 2003.

27 de fevereiro de 2023

Para ministros, lei á garantiu STJ afasta indenização por morte na explosão de foguete em Alcântara
Reprodução

A explosão do Veículo Lançador de Satélites, que levaria o primeiro satélite de fabricação brasileira para o espaço, deixou 21 servidores mortos. A esposa e a filha de um deles foram à Justiça contra a União, pedindo indenização. O juízo de primeiro grau concedeu às autoras os pleitos de indenização pela morte e por danos morais.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) manteve a sentença, garantindo às parentes o valor integral da remuneração mensal do servidor, multiplicado pelo número de meses que faltavam para ele completar 70 anos; e 552 vezes a remuneração da vítima na data do acidente, mais 20%, a título de danos morais.

Pagamento em duplicidade
O relator do recurso no STJ, ministro Francisco Falcão, apontou que o artigo 3º da Lei 10.821/2003, editada para garantir o pagamento de reparações aos familiares das vítimas, estabeleceu que a indenização deveria ser paga em parcela única, correspondente ao valor da remuneração fixa recebida pelo servidor no mês anterior ao de sua morte, multiplicado pelo número de anos remanescentes até a data em que completaria 65 anos.

O magistrado destacou que, como a Lei 10.821/2003 garantiu indenização, a título de reparação de danos materiais, para as famílias das vítimas do acidente de Alcântara, a condenação do acórdão recorrido pelo evento morte deveria ser afastada, caso contrário ficaria caracterizado o pagamento em duplicidade.

“Não se quer com isso diminuir a relevância do acidente ocasionado pela negligência da parte recorrente, pelo contrário, mas tão somente não perpetuar o pagamento indenizatório já efetuado pela via administrativa”, declarou o relator.

Indenização exorbitante
Francisco Falcão também ressaltou que o valor da indenização por danos morais fixado no acórdão da corte regional é exorbitante, pois 552 vezes a remuneração da vítima, mais 20% como fator de correção, superariam o montante de R$ 2 milhões.

O relator afirmou que é preciso comparar o valor com precedentes em casos análogos, para verificar eventual disparidade. Segundo o magistrado, em outro julgamento, que cuidou de caso relativo ao mesmo acidente, a indenização foi fixada em R$ 315 mil.

“Assim, acolhe-se o pedido da recorrente para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 500 mil para cada uma das autoras, levando-se em consideração a particularidade da situação, envolvendo servidor público no exercício de suas funções, em importante evento que, ao final, drasticamente dizimou o foguete e a plataforma de lançamento, levando pessoas à morte” – concluiu o ministro ao dar parcial provimento ao recurso especial da União.

O processo corre em segredo de justiça. 

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2023, 11h45

O ano de 2007 chegava a setembro quando uma família de Mato Grosso decidiu pedir indenização pelo acidente de trânsito que vitimou o pai e marido, ocorrido 20 anos antes, em 1987. Após múltiplas decisões judiciais, recursos de ambas as partes e diversas angústias, o caso foi finalmente encerrado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) neste início de 2023, quando o gabinete do ministro Marco Buzzi – relator do recurso especial que tramitava na corte – promoveu a celebração de um acordo.​​​​​​​​​

23/02/2023

Para o ministro Buzzi – com longa atuação na promoção das soluções consensuais e integrante do Comitê Gestor da Conciliação, instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, o sucesso desse acordo mostra a importância de, cada vez mais, serem abertos espaços para que as partes possam buscar uma solução amigável, mesmo após o início do processo, tendo no Judiciário um ponto de apoio para a criação de consensos.  

“O grande diferencial da conciliação, e também da mediação, em relação à decisão entregue pelo Estado-juiz, é que, por intermédio dos métodos consensuais de resolução de conflitos, as partes se tornam protagonistas, de modo que a solução é por elas próprias construída, levando em conta as circunstâncias do caso concreto e a realidade de cada uma”, apontou o magistrado.

Tempo: o senhor dos acordos

Uma década e meia de tramitação processual, e uma hora e meia para que o litígio fosse resolvido. A velocidade da audiência de conciliação, porém, esconde muitos elementos por trás do acordo, a começar pelo interesse das partes em encerrar a disputa de forma amigável.

A possibilidade de acordo foi levantada pela chefe de gabinete, Andréia Ramos Pereira, por ocasião de atendimento a advogada de uma das partes e, após, foram consultadas as demais, as quais concordaram em tentar uma composição.

De acordo com o relator, no âmbito do recurso especial, a ação ainda estava na fase de conhecimento, o que significa dizer que, após o trânsito em julgado do mérito do processo – e caso ele fosse favorável à família –, ainda haveria a fase de liquidação e cumprimento de sentença.

O tempo já percorrido no processo, perspectiva de ainda mais demora, o fato de uma das empresas estar em recuperação judicial – o que colocava em dúvidas a possibilidade de as partes efetivamente receberem eventual indenização, caso vencedoras –, bem como as incertezas sobre o trâmite processual, foram decisivos para que as partes considerassem a solução imediata do caso, disse a juíza auxiliar Aline Ávila, que conduziu o ato. “A viúva e os advogados já são mais idosos e, como o acordo englobou tanto o valor de indenização quanto os honorários, eles ficaram aliviados de obterem o pagamento imediato, ainda que parcelado”, comentou.

Além da predisposição das partes, o ministro Buzzi destacou a importância da participação dos advogados. “O papel dos advogados é fundamental na busca de soluções consensuais, mesmo em casos que já estejam tramitando nos tribunais superiores”, disse ele.

O combate à cultura de litígio

O sistema normativo brasileiro tem prestigiado os mecanismos de autocomposição. O Código de Processo Civil de 2015, por exemplo, prevê, em seu artigo 3º, parágrafo 3º, que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, em qualquer fase do processo.

No âmbito administrativo, o CNJ editou a Resolução 125/2010, que dispõe sobre os mecanismos consensuais para solução de controvérsias.

Apesar de tudo isso, Marco Buzzi lembra que, no Brasil, o uso da Justiça para resolução de litígios é um traço cultural, cuja modificação é mais lenta do que a modernização legislativa. Para o magistrado, essa predileção pelo litígio tem início nos cursos de direito, ainda muito voltados para a atuação adversarial, que implica a imposição de uma decisão pelo juiz.

“Advogados e partes habituados à conflituosidade, com predileção pela solução do litígio pela sentença; os próprios juízes, sob argumentos tais como a inviabilidade das pautas de audiência, baixos índices de acordo, falta de estrutura física e até mesmo de conciliadores ou mediadores, são aspectos que demonstram, em parte, como todos esses atores se furtam um pouco da responsabilidade de construir uma solução consensual”, apontou o ministro.

Todavia, ressalvou Buzzi, iniciativas como a que ocorreu no processo contribuem para que essa mentalidade de litigância vá sendo modificada, estimulando, assim, a valorização das soluções consensuais.

Por isso, finalizou o ministro, a importância de, cada vez mais, essas audiências serem oportunizadas aos interessados – os que são diretamente afetados pela eventual sentença –, de modo que tenham no Judiciário o espaço e o apoio jurídico necessários para realizarem um ajuste consensual, independentemente da fase ou instância em que se encontre o processo.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1803491

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a empresa estipulante do contrato de seguro de vida coletivo tem legitimidade para ajuizar ação contra a seguradora em defesa do cumprimento das obrigações pactuadas.

23/02/2023

No caso dos autos, a estipulante ajuizou ação para cobrar a indenização securitária que a seguradora teria se negado a pagar sob a alegação de que o segurado falecido tinha mais de 65 anos, idade não abrangida pelo contrato coletivo.

O juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, por entender que a estipulante não possuía legitimidade ativa. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu parcial provimento à apelação da estipulante e reverteu esse entendimento.

Ao STJ, a seguradora sustentou que a estipulante não tem legitimidade para exigir judicialmente o pagamento do seguro de vida em grupo, pois atua somente como mandatária dos segurados.

Estipulante pagou para obter o benefício securitário para terceiros

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que, segundo a jurisprudência do STJ, a estipulante age apenas como interveniente, na condição de mandatária do segurado, agilizando o procedimento de contratação do seguro. Por isso, segundo a magistrada, o STJ entende que a estipulante não tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação que visa o pagamento de indenização securitária.

No entanto, a ministra destacou que a situação é diferente quando se trata de legitimidade ativa, pois, na estipulação em favor de terceiros, tanto a estipulante quanto os beneficiários podem exigir do prestador de serviço o cumprimento da obrigação (artigo 436, parágrafo único, do Código Civil).

Dessa forma, Nancy Andrighi concluiu que deve ser reconhecida a legitimidade da estipulante, até porque ela pagou para beneficiar terceiros, e o eventual descumprimento de obrigações contratuais pela seguradora lhe traz prejuízos.

“Apesar de, em princípio, a estipulante não possuir legitimidade passiva em ações nas quais pleiteia-se o pagamento de indenizações securitárias, em se tratando de ação que questiona o cumprimento das obrigações firmadas entre as partes contratantes, merece ser reconhecida a legitimidade ativa da mandatária”, declarou a relatora ao negar provimento ao recurso especial.

REsp 2.004.461.

Fonte: STJ

No julgamento, aplicando o princípio da especialidade, a Terceira Turma afastou a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do artigo 402 do Código Civil.

Postado em 15 de Fevereiro de 2023

No sistema de financiamento de imóvel com alienação fiduciária, caso o comprador inadimplente permaneça no local mesmo após a consolidação da propriedade em favor do credor, este tem direito à taxa pela ocupação indevida, a qual é fixada em 1% ao mês ou fração sobre o valor atualizado do bem, nos termos do artigo 37-A da Lei 9.514/1997, e não admite redução pelo Judiciário.

O entendimento foi estabelecido por maioria de votos pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que havia reduzido a taxa de ocupação para 0,5%, por considerar que, no caso dos autos, o percentual de 1% colocaria o consumidor em condição de excessiva onerosidade.

No julgamento, aplicando o princípio da especialidade, a Terceira Turma afastou a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do artigo 402 do Código Civil.

De acordo com os autos, após tentativa frustrada de anulação do contrato pelos compradores, a propriedade do bem foi consolidada em nome da construtora. Apesar da decisão judicial desfavorável, os compradores permaneceram na posse do bem durante mais de um ano e meio. Em razão do tempo de permanência no imóvel, o juiz de primeiro grau fixou a taxa de ocupação em 0,5% – sentença mantida pelo TJDFT

Conflito aparente de normas deve ser resolvido com base no critério da especialidade

No voto que prevaleceu na Terceira Turma do STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que, embora o voto condutor tenha analisado a controvérsia a partir do artigo 402 do Código Civil, a questão sobre as consequências da ocupação indevida de imóvel pelo devedor fiduciante está regulada especificamente pelo artigo 37-A da Lei 9.514/1997, com redação dada pela Lei 13.465/2017.

Segundo o ministro, havendo mais de uma norma que, em tese, incida sobre o mesmo fato jurídico, é necessário considerar os critérios de especialidade e de cronologia estabelecidos pelo artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.  

“A partir desses parâmetros, é pacífica na jurisprudência desta corte a compreensão de que, em face de uma (aparente) antinomia normativa, a existência de lei posterior e especial regendo o tema determina a norma aplicável à hipótese concreta”, afirmou.

O ministro também citou jurisprudência do STJ no sentido de que, na hipótese dos autos, também não são aplicáveis as regras do CDC, exatamente em razão do critério da especialidade das normas. Como consequência, ele considerou plenamente aplicável o artigo 37-A da Lei 9.514/1997, de forma a autorizar a incidência da taxa de ocupação no percentual de 1% sobre o valor atualizado do imóvel.

Fonte: STJ

13/02/2023

Disciplinado, em especial, nos artigos 4º a 23 do Código de Processo Penal (CPP), o inquérito policial tem por finalidade subsidiar o oferecimento da denúncia ou da queixa pelo titular da ação penal e tem sido classificado como peça de natureza administrativa.

Em que pese essa classificação, os procedimentos realizados no inquérito costumam receber bastante atenção, visto que o delegado de polícia está mais próximo ao ambiente do delito, o que, consequentemente, facilita a resolução dos crimes.

Criado em 1871, enquanto ainda vigorava o regime imperial, o inquérito policial passou por intensas transformações ao longo do tempo, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual concebeu nova face ao direito penal e processual penal, à luz da dignidade da pessoa humana e do respeito aos direitos e às garantias fundamentais.

Com isso, o controle judicial da etapa investigativa passou a considerar todas essas evoluções históricas, sociais e políticas. Duração do procedimento, relevância desse instrumento para a apresentação da denúncia e validade da pronúncia feita apenas com base no inquérito são alguns dos temas já analisados pelo STJ.

Denúncia anônima exige verificação prévia

Ao julgar o RHC 139.242, a Quinta Turma determinou o trancamento de inquérito policial que apurava suposto esquema de pirâmide financeira, por entender que houve ilegalidade na instauração do procedimento exclusivamente com base em denúncia anônima.

“É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há ilegalidade flagrante na instauração de inquérito policial que não foi precedida de qualquer investigação preliminar para subsidiar a narrativa fática da delação apócrifa”, afirmou o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

O tribunal tem vários precedentes na mesma linha – que também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). No HC 496.100, julgado pela Sexta Turma, o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que “investigações iniciadas por delação anônima são admissíveis, desde que a narrativa apócrifa se revista de credibilidade e, em diligências prévias, sejam coletados elementos de informação que atestem sua verossimilhança”. Segundo o magistrado, ao receber uma denúncia anônima, a polícia não pode instaurar inquérito para averiguar sua veracidade.

“O que a denúncia anônima possibilita é a averiguação prévia e simples do que fora noticiado anonimamente e, havendo elementos informativos idôneos o suficiente, aí, sim, é viável a instauração de inquérito e, conforme o caso, a tomada de medidas extremas, como, por exemplo, a quebra de sigilo telefônico”, disse o magistrado.

Razoável duração do inquérito policial

No HC 653.299, a Sexta Turma do STJ decidiu pelo trancamento de inquérito policial que já perdurava por mais de nove anos. O colegiado entendeu que a situação violava o princípio da razoável duração do processo e impunha constrangimento ilegal ao investigado, que, mesmo não tendo sido submetido à prisão preventiva ou outra medida cautelar, conviveu durante todo esse tempo com o estigma de suspeito da prática de crime.

No voto que prevaleceu no julgamento, o ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que, sendo a razoável duração do processo uma cláusula pétrea no ordenamento jurídico brasileiro, torna-se inadmissível que um cidadão seja “indefinidamente investigado, transmutando a investigação do fato para a investigação da pessoa”.

O magistrado destacou ainda que o prazo para a conclusão do inquérito policial, em caso de investigado solto, é impróprio, ou seja, pode ser prorrogado conforme a complexidade das apurações. Entretanto, afirmou, “é possível que se realize, por meio de habeas corpus, o controle acerca da razoabilidade da duração da investigação, sendo cabível, até mesmo, o trancamento do inquérito policial, caso demonstrada a excessiva demora para a sua conclusão”.

“Ano que vem, o inquérito comemorará bodas de estanho – dez anos. Admitir essa demora será passar o pano para um evidente desinteresse do Estado em se estruturar para prestar dignamente suas funções”, declarou.

Leia tambémSexta Turma determina trancamento de inquérito que tramita há mais de nove anos

Peça dispensável para o oferecimento da denúncia

Em 2016, ao julgar processo sob segredo judicial, em que se questionou a nulidade de inquérito policial realizado pela Polícia Federal em crimes de competência estadual, a Quinta Turma reafirmou a jurisprudência do STJ de que eventual vício no inquérito não compromete a ação penal dele decorrente.

Relator do processo, o ministro Ribeiro Dantas disse que o inquérito é dispensável para o oferecimento da denúncia, podendo o titular da ação se valer de elementos informativos de outros instrumentos de investigação preliminar, inclusive da própria comunicação do fato criminoso.

No mesmo sentido entenderam a ministra Laurita Vaz (AgRg no AREsp 1.374.735) e os ministros Antonio Saldanha Palheiro (AgRg no AREsp 455.832) e Joel Ilan Paciornik (AgRg no AREsp 1.392.381).

“Eventual vício na prisão em flagrante ou no inquérito policial não tem o liame de contaminar a ação penal, dada a natureza meramente informativa das peças processuais e sua dispensabilidade na formação da opinio delicti“, afirmou Laurita Vaz ao relatar o AgRg no AREsp 1.374.735.

Falta de confissão do réu na fase inquisitorial

Em agosto deste ano, a Sexta Turma entendeu que a ausência de confissão do autuado durante o inquérito policial não impede que o Ministério Público analise o oferecimento do acordo de não persecução penal (HC 657.165). A relatoria foi do ministro Rogerio Schietti Cruz.

Na ocasião, o colegiado anulou decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o qual manteve sentença que negou pedido de remessa dos autos ao procurador-geral de Justiça – feito pela defesa de um acusado de tráfico de drogas após o membro do Ministério Público ter deixado de oferecer o acordo –, ao argumento de que o acusado não havia confessado o delito na fase do inquérito.

O juiz fundamentou ainda que o acordo de não persecução penal não é um direito subjetivo do acusado, mas uma faculdade do órgão acusador.

No STJ, o relator, ao determinar a remessa dos autos à instância revisora do Ministério Público, destacou que o acordo de não persecução penal é um instituto despenalizador que busca a otimização do sistema de Justiça criminal, por isso não pode deixar de ser aplicado sem justificativa idônea.

Schietti afirmou que a exigência de confissão ainda na fase policial poderia levar a uma autoincriminação antecipada, apenas com base na esperança de oferecimento do acordo, que pode nem ser proposto devido à falta dos requisitos subjetivos ou por algum outro motivo.

Oferecimento de denúncia contra parte dos investigados

Ao julgar a APn 989, a Corte Especial, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, fixou que, pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal, o oferecimento de denúncia em desfavor de alguns investigados no inquérito não gera arquivamento implícito para os não denunciados, em relação aos quais as provas sejam insuficientes no momento.

O caso analisado pelo colegiado teve origem em denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra 18 indiciados por crimes diversos, especialmente contra a administração pública, envolvendo, entre outros acusados, o então governador do Rio de Janeiro, desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, juízes do trabalho e advogados.

“O Parquet, como dominus litis, pode aditar a denúncia, até a sentença final, para a inclusão de novos réus, ou, ainda, oferecer nova denúncia a qualquer tempo”, afirmou a relatora.

Ilegalidade da pronúncia baseada apenas no inquérito

Aplicando a orientação firmada pelo STF no HC 180.144, a Sexta Turma, em decisão unânime, mudou seu entendimento e concedeu habeas corpus a um réu que havia sido mandado a júri popular tão somente em razão de provas produzidas durante o inquérito policial. Além de despronunciar o réu, o colegiado revogou sua prisão preventiva (HC 589.270).

Em seu voto, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou que o princípio da presunção de inocência, positivado na Constituição Federal, impõe ao Ministério Público, como órgão acusador, a responsabilidade de comprovar suas alegações em todas as fases e todos os procedimentos do processo penal.

Ele salientou que a concretização dos princípios do contraditório e da ampla defesa, também constitucionalmente previstos, impede que a sentença de pronúncia tenha por base exclusiva provas não confirmadas na fase judicial.

“Objetivando reposicionar o entendimento desta Sexta Turma, entendo que é ilegal a sentença de pronúncia com base exclusiva em provas produzidas no inquérito, nos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal“, concluiu o ministro.

Leia também: Sexta Turma revê entendimento e decide que é ilegal pronúncia baseada apenas no inquérito policial

Dessa mesma forma já havia decidido a Quinta Turma no REsp 1.740.921, ao negar a pronúncia de um acusado de homicídio cuja denúncia se baseou apenas em prova colhida em inquérito – momento em que não há contraditório e ampla defesa. O colegiado ponderou que seriam necessários outros elementos de prova produzidos judicialmente para submeter o réu ao tribunal do júri.

“A prova produzida extrajudicialmente é elemento cognitivo destituído do devido processo legal, princípio garantidor das liberdades públicas e limitador do arbítrio estatal”, afirmou o ministro Ribeiro Dantas, relator

Inquérito arquivado por reconhecimento de legítima defesa

Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de legítima defesa, a coisa julgada material impede rediscussão do caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas.

Esse foi o entendimento da Sexta Turma ao julgar, em 2014, o REsp 791.471, de relatoria do ministro Nefi Cordeiro. O colegiado destacou que a permissão legal de desarquivamento do inquérito pelo surgimento de provas novas (artigo 18 do CPP e Súmula 524 do STF) somente tem incidência quando o fundamento do arquivamento foi a falta de provas sobre indícios de autoria e de ocorrência do crime.

O caso analisado pelo colegiado tratou da investigação de duas mortes atribuídas a policiais civis que tentaram repelir agressão durante uma tentativa de resgate.

“Pensar o contrário permitiria a reabertura de inquéritos por revaloração jurídica e afastaria a segurança jurídica das soluções judiciais de mérito, como no reconhecimento da extinção da punibilidade (por morte do agente, prescrição…), da atipia ou, como na espécie, de excludentes da ilicitude. A decisão judicial que define o mérito do caso penal, mesmo no arquivamento do inquérito policial, gera efeitos de coisa julgada material”, afirmou o relator.

No RMS 66.734, de relatoria do ministro João Otávio de Noronha, a Quinta Turma entendeu como válido o desarquivamento de inquérito para desconstituir decisão inadequadamente fundamentada. No julgamento, a turma determinou a revisão de arquivamento de inquéritos sobre fraude de mais de R$ 2,5 milhões.

“A decisão de homologação de arquivamento de inquérito judicial admite controle judicial em casos excepcionais, quando proferida em desconformidade com o ordenamento jurídico vigente”, destacou o relator.

Leia tambémQuinta Turma determina revisão de arquivamento de inquéritos sobre fraude de mais de R$ 2,5 milhões

Morte de civil por militar

Ainda sobre o tema, a Terceira Seção do STJ, em julgamento de 2016, definiu que, em crime doloso praticado por militar contra a vida de civil, a competência para julgamento é da Justiça comum – especificamente, do tribunal do júri, não sendo permitido à autoridade judiciária militar arquivar precocemente o inquérito ao argumento de que houve legítima defesa ou qualquer outra causa excludente de ilicitude (CC 145.660). A relatoria foi do ministro Rogerio Schietti.

Segundo os autos, foram abertos dois inquéritos paralelos, um perante a Justiça criminal comum e outro perante a Justiça Militar, para apurar a conduta de policiais militares acusados de matar dois assaltantes com os quais trocaram tiros.

No inquérito promovido pela Justiça Militar, o Ministério Público reconheceu a competência da Justiça comum e requereu a remessa dos autos. Porém, entendendo que os policiais agiram em legítima defesa, o juiz auditor da Justiça Militar considerou que a competência seria sua, não do tribunal do júri, e arquivou o inquérito.

O relator afirmou que, apesar da existência de precedentes do STJ no sentido de autorizar o juiz militar, quando avalia sua própria competência para o caso, a examinar eventuais fatores que excluam a ilicitude da conduta sob investigação, a Constituição e as leis definem claramente a competência da Justiça comum – especificamente, do tribunal do júri – para os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis.

Arquivamento do inquérito em ação penal pública incondicionada

Ao julgar mandado de segurança que tramitou em segredo de justiça, a Quinta Turma entendeu que a vítima de crime de ação penal pública incondicionada não tem direito líquido e certo de impedir o arquivamento do inquérito ou de peças de informação. A relatoria foi do ministro Raul Araújo.

O processo analisado pelo colegiado se referia a um caso de suposto estupro de vulnerável, que, por não ter sido constatado por laudo do IML nem por avaliação psicológica do menor e da família, teve o inquérito policial arquivado. Os pais da criança questionaram, porém, a decisão foi mantida.

“Uma vez verificada a inexistência de elementos mínimos que corroborem a autoria e a materialidade delitivas, pode o Parquet requerer o arquivamento do inquérito e o juiz, por consequência, avaliar se concorda ou não com a promoção ministerial. Uma vez anuindo, fica afastado o procedimento previsto no artigo 28 do Código de Processo Penal, sem que, com isso, seja violado direito líquido e certo da possível vítima de crime de ver processado seu suposto ofensor”, concluiu o magistrado.

10/02/2023 06:50

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que é ônus da parte devedora a comprovação, para efeitos de impenhorabilidade (artigo 833, inciso VII, do Código de Processo Civil – CPC), de que sua propriedade rural, além de pequena, é trabalhada pela família para a própria subsistência. Com a decisão, fixada por maioria de votos, o colegiado resolveu divergência sobre se caberia ao devedor – como entendia a Terceira Turma – ou ao credor – conforme julgamentos da Quarta Turma – fazer prova da situação do imóvel rural com o objetivo de confirmar ou afastar a impenhorabilidade.

“Sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é certo que é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado, pois ele é o proprietário do imóvel e, então, pode acessá-lo a qualquer tempo. Demais disso, ninguém melhor do que ele para saber quais atividades rurícolas são desenvolvidas no local”, afirmou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

No julgamento, o colegiado também ratificou a jurisprudência segundo a qual a impenhorabilidade é mantida mesmo nos casos em que o imóvel foi dado em garantia hipotecária pelo proprietário.

Após a declaração de impenhorabilidade de um imóvel rural em ação de execução, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a decisão por considerar que os devedores não apresentaram documentos capazes de provar que a família produzia no local e dali tirava o seu sustento.

Para devedores, exploração familiar deveria ser presumida

No recurso especial, os devedores alegaram que, em se tratando de uma pequena propriedade rural, seria presumida a sua exploração em caráter familiar e para a própria subsistência. Assim, para os recorrentes, seria ônus do exequente fazer prova de que a propriedade não era trabalhada pela família.

A ministra Nancy Andrighi explicou que, apesar de o artigo 833, inciso VII, do CPC garantir a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, a legislação não esclareceu o que seria a pequena propriedade para esse fim. Em razão dessa lacuna, apontou, a jurisprudência tem utilizado o conceito trazido pela Lei 8.629/1993, segundo a qual a pequena propriedade corresponde àquela de até quatro módulos fiscais (o módulo fiscal é definido por município).

Segundo a ministra, é pacífico no STJ o entendimento de que incumbe ao devedor demonstrar que a propriedade penhorada não ultrapassa quatro módulos fiscais.

Já em relação à utilização do bem para a economia familiar, a relatora lembrou que cabe ao autor da ação o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito e, em contraposição, é dever do réu demonstrar o fato extintivo, impeditivo ou modificativo desse direito, nos termos do artigo 373 do CPC. Desse modo – concluiu a magistrada –, é sobre o executado que recai o encargo de comprovar os requisitos para o reconhecimento da impenhorabilidade.

Lei 8.009/1990 não obriga dono a provar que imóvel seja único para moradia

Em seu voto, Nancy Andrighi destacou que a Quarta Turma, ao reconhecer uma presunção relativa de que a pequena propriedade é trabalhada pela família, equiparou a impenhorabilidade do pequeno imóvel rural à impenhorabilidade do bem de família. Entretanto, a ministra lembrou que, apenas no caso do bem de família, não é necessária a demonstração de que o imóvel é único e destinado para moradia familiar, porque esse não é um requisito previsto pela Lei 8.009/1990.

“De forma diversa, o artigo 833, inciso VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual, repise-se, consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família”, concluiu a ministra ao manter o acórdão do TJSP.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1913234

Fonte: STJ

A quarta-feira (8/2) foi um dia ingrato para o contribuinte brasileiro. Em decisões quase simultâneas, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça admitiram a desconstituição de resultados definitivos em processos tributários, justificada pela mudança posterior de entendimento dessas duas cortes.

10 de fevereiro de 2023,

Coisa julgada tributária só será definitiva quando o STF decidir com eficácia geral

No STF, a quebra da coisa julgada tributária depende de algum pronunciamento da corte que conclua que a cobrança de determinado tributo é constitucional. Nesse caso, qualquer decisão definitiva anterior que tenha afastado essa cobrança deixa de valer automaticamente.

E o STJ, de alguma forma, complementou as pretensões fazendárias. A 1ª Seção da corte admitiu o uso da ação rescisória para desconstituir o acórdão definitivo, quando posteriormente houver mudança da posição. No caso concreto, o colegiado estabeleceu a modulação dos efeitos.

A discussão envolveu a cobrança de IPI sobre a revenda de produtos importados, que era negada pelo STJ em 2014 e passou a ser autorizada em 2015. Em 2020, o Supremo confirmou a constitucionalidade dessa cobrança. Esse foi o marco escolhido pela 1ª Seção para autorizar a desconstituição do acórdão definitivo.

Para tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, esse cenário gera um desequilíbrio na relação entre Fisco e contribuinte. Toda decisão favorável à parte mais vulnerável dessa relação, mesmo definitiva, estará passível de revisão posterior até que o STF dê um pronunciamento com eficácia geral.

Mais grave do que isso, segundo eles, é a justificativa usada no precedente. Há críticas à vulneração da segurança jurídica com base em argumentos consequencialistas, privilegiando o conteúdo econômico da decisão, e na aplicação de princípios da isonomia e em busca de justiça fiscal.

Efeito da coisa julgada
“Até ontem (quarta-feira), o entendimento corrente era de que o efeito da coisa julgada, nas relações de trato sucessivo, só cessaria de forma automática de sobreviesse alteração legislativa que tornasse prejudicado o fundamento jurídico utilizado pela decisão transitada em julgado. Como o Poder Judiciário não pode legislar, entendia-se que suas decisões não mudavam a legislação e, portanto, não podiam interromper os efeitos da coisa julgada”, explica Hugo Funaro, sócio do escritório Dias de Souza Advogados.

“Agora, o STF equiparou a uma lei as suas decisões em controle abstrato de constitucionalidade ou em recurso extraordinário com repercussão geral. E o STJ entendeu que, nesses casos, cabe ação rescisória, pelo menos com relação aos efeitos posteriores ao julgamento da questão pelo STF”, acrescenta ele.

Plenário do Supremo admitiu a quebra automática da coisa julgada tributária
Nelson Jr./SCO/STF

Na opinião de Leonardo Moraes e Castro, sócio da área tributária do VBD Advogados, o fato de o STJ autorizar o uso da rescisória na esteira da decisão do STF mostra que a aplicação da tese da quebra da coisa julgada tributária será ampla, o que cria um ambiente de desequilíbrio na relação fiscal.

“Sob o viés do contribuinte, a segurança jurídica só poderá ser considerada como um princípio protegido pela Constituição Federal após um pronunciamento com eficácia geral do STF. Portanto, nenhuma relação jurídica em matéria tributária, mesmo que definitiva, é certa, já que o STF sempre poderá revisar seu entendimento e essa revisão valerá a partir do ano seguinte para todos os contribuintes.”

“Sempre uma decisão tributária em favor do contribuinte será considerada ‘eternamente provisória’, podendo ser a qualquer tempo revisitada em sentido contrário. Isso é a própria negação da segurança jurídica”, continua ele.

O advogado acrescenta que, se o futuro em matéria tributária é incerto, o passado é mais ainda. “O mais preocupante de tudo isso é identificar em alguns argumentos que a quebra automática da coisa julgada é baseada na aplicação de princípios da isonomia e justiça fiscal, sem contrapor, efetivamente, os atributos da segurança jurídica em si.”

Isonomia entre contribuintes
Tales Rodrigues
, coordenador tributário do Nelson Wilians Advogados, também chamou a atenção para esse aspecto. O STJ autorizou o uso da rescisória considerando o risco de prejuízos aos princípios da livre iniciativa e concorrência, além de ofensa à isonomia em relação aos demais contribuintes. Ou seja, aqueles beneficiados por decisões anteriores estariam em vantagem em relação aos que se submeteram às teses posteriores.

Para Tales, o fato de os tribunais terem sopesado princípios de ordem econômica em desfavor da coisa julgada demonstra o desapego do modelo normativo constitucional, privilegiando o conteúdo econômico da decisão. “Garantia constitucional, tal como a coisa julgada, não pode ser superada com base em argumentos consequencialistas”, critica.

“No Estado democrático de Direito não deveria haver espaço para concessões, ainda que jurisdicionais, com o intuito de excepcionalizar normas jurídicas vigentes e válidas, especialmente a coisa julgada. Permitir a manipulação ou excepcionalização do instituto é reduzir a garantia constitucional a mero adorno normativo, além de evidenciar o déficit democrático nas decisões dos tribunais superiores”, diz ele.

STJ adotou posição inovadora ao admitir rescisória na mudança de jurisprudência
U.Dettmar

Na opinião de Arthur Barreto, sócio da área tributária do DSA Advogados, o baque que as empresas prejudicadas pela desconstituição da coisa julgada sofrerão poderá também gerar um descompasso concorrencial imediato e grave, já que ocorre sob um pretexto de justiça fiscal. Só os juros de valores que poderão ser recolhidos podem superar o montante dos tributos não pagos graças à coisa julgada anterior.

“A legislação pressupõe que as decisões definitivas são, em regra, imutáveis, sob pena de instabilidade e incerteza quanto ao passado já julgado. A proteção da concorrência não deveria ser usada como pretexto para punir contribuintes que acreditaram no Judiciário — era essencial que os efeitos dessas decisões fossem, no mínimo, apenas prospectivos e resguardassem períodos anteriores, mas, infelizmente, o desfecho não foi esse.”

Modulação no STF
A questão da modulação dos efeitos da decisão também foi destacada por Hugo Funaro. Para ele, o prejuízo à segurança jurídica ocorre nem tanto pelos resultados, mas pela rejeição à proposta de modular os efeitos no Supremo Tribunal Federal. Isso porque um dos pilares da segurança jurídica é a previsibilidade, que supõe o conhecimento das regras do jogo de modo prévio e com a devida antecedência.

“No caso, a jurisprudência do STJ garantia a prevalência da coisa julgada sobre decisões posteriores do STF, que também possuía jurisprudência no sentido da intangibilidade da coisa julgada, salvo em ação rescisória ou revisional. Assim, os contribuintes tinham a justa expectativa de que tal orientação fosse confirmada.”

A princípio, as teses de repercussão geral possuíam efeitos restritos ao Poder Judiciário e considerando os processos em curso, salvo se aprovada súmula vinculante por dois terços dos ministros.

“Agora o STF decidiu que as teses de repercussão geral devem ser observadas de imediato e por todos a partir da publicação da ata do respectivo julgamento, inclusive pelos detentores de títulos judiciais definitivos. É uma novidade e, pelo menos aqui, caberia maior ponderação quanto à modulação”, conclui Funaro.

AR 6.015

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2023, 13h53