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A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu afetar um recurso especial de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, que corre em segredo de justiça, para definir, no rito dos repetitivos, se o gênero feminino é condição única e suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei Maria da Penha e afastar a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos casos de violência doméstica e familiar praticada contra criança ou adolescente.

23/05/2023

A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.186 na base de dados do STJ, está assim ementada: Se o gênero sexual feminino, independentemente de a vítima ser criança ou adolescente, é condição única para atrair a aplicabilidade da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) nos casos de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, afastando, automaticamente, a incidência da Lei 8.069/1990 (ECA).

O colegiado decidiu não suspender a tramitação dos processos que discutem a mesma questão, pois, além de já existir orientação jurisprudencial das turmas componentes da Terceira Seção, eventual demora no julgamento poderia causar prejuízos aos jurisdicionados.

Discussão sobre competência para julgar crimes sexuais contra menores de idade

Segundo o relator, o caráter repetitivo da matéria foi verificado a partir de pesquisa à base de jurisprudência STJ, que recuperou, pelo menos, sete acórdãos e mais de 400 decisões monocráticas tratando da mesma questão.

No recurso especial representativo da controvérsia, o Ministério Público do Pará aponta que o crime de estupro de vulnerável não configura hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher nos termos da Lei Maria da Penha, uma vez que a satisfação da lascívia, por um adulto, em detrimento de uma criança, não perpassa a submissão do gênero, tanto que o crime é praticado contra meninos e meninas, sendo o gênero da vítima irrelevante para a caracterização do delito.

Para o MP/PA, na fixação da competência para julgamento deve prevalecer a vulnerabilidade reconhecida na Constituição Federal e no ECA, independentemente do gênero da vítima menor de idade, a fim de conferir tratamento igualitário para crianças e adolescentes, independentemente do gênero, que venham a ser submetidos à prática delituosa que atente à sua dignidade sexual.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O Código de Processo Civil de 2015 regula, no artigo 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, o tribunal facilita a solução de demandas que se repetem na Justiça brasileira.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

O colegiado determinou a suspensão da tramitação de todos os processos que versem sobre a mesma matéria e tramitem no território nacional, nos termos do artigo 1.037, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC).

23 de Maio de 2023
Foto: Marcos Santos – USP Imagens

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 2.056.866 e 1.938.265, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

A questão representativa da controvérsia, cadastrada como Tema 1.188 na base de dados do STJ, é “definir se a sentença trabalhista, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, constitui início de prova material para fins de reconhecimento de tempo de serviço”.

O colegiado determinou a suspensão da tramitação de todos os processos que versem sobre a mesma matéria e tramitem no território nacional, nos termos do artigo 1.037, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC).

Segundo o relator, o tema discutido é apresentado reiteradamente no STJ e representa questão de relevância do ponto de vista do direito processual administrativo. Benedito Gonçalves destacou pesquisa feita pela Comissão Gestora de Precedentes e Ações Coletivas do STJ, mapeando 126 acórdãos e 3.942 decisões monocráticas sobre o assunto.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

Código de Processo Civil de 2015 regula, no artigo 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Fonte: STJ

Em um país cujos habitantes possuem mais de 139 milhões de animais de estimação (os dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação colocam o Brasil como a terceira nação do mundo nesse quesito), é difícil pensar que alguém brinque com o seu bem semovente ou o leve para passear. Foi essa caracterização de simples coisa, porém, que prevaleceu durante as últimas décadas no ordenamento jurídico brasileiro: os bichos seriam apenas um item do patrimônio de seu titular.

22/05/2023

Com a evolução do entendimento sobre a complexidade dos animais e uma nova visão das relações entre eles e as pessoas, também se desenvolveu o debate sobre qual o enquadramento jurídico adequado para os pets.

No mundo jurídico, surgem termos como “família multiespécie”, e são discutidos direitos intrínsecos aos animais não racionais; no mundo cotidiano, a histórica relação de dependência e sobrevivência que forjou os primeiros contatos entre humanos e bichos é alterada para algo muito mais íntimo e peculiar: por todos os lados, circulam os “pais de pet” levando seus “filhos” na coleira em roupas coloridas, pessoas se reúnem para comemorar o aniversário dos bichinhos, e se inauguram hotéis exclusivos para eles, com direito a banho de piscina e atividades lúdicas. 

Para além das discussões já existentes no Congresso Nacional – há projetos de lei, por exemplo, que pretendem admitir os animais como seres sencientes, passíveis de emoções e sentimentos e, como tal, sujeitos de direitos –, o Poder Judiciário tem dedicado maior atenção à caracterização dos animais de estimação. Esses debates chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também evoluiu ao analisar controvérsias sobre bichos.

Definição como simples coisas não resolve mais as controvérsias sobre os pets

A doutrina aponta que a natureza jurídica dos animais está prevista no artigo 82 do Código Civil, segundo o qual são considerados bens móveis aqueles “suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”. Nesse contexto, os bichos de estimação não teriam direitos, de forma que suas garantias estariam relacionadas aos direitos de seus donos, e as discussões sobre eles estariam mais próximas de institutos como a posse e a propriedade.  

Em dois precedentes recentes, os colegiados do STJ não alteraram essa caracterização legal, mas lançaram novas luzes sobre o tema ao apontar que a definição como simples coisa não é mais suficiente para tratar os litígios que envolvem animais de estimação.

Nem coisas, nem pessoas: animais de estimação seriam um “terceiro gênero”

No primeiro caso (processo sob segredo de justiça), em 2018, a Quarta Turma analisou a questão dos pets no bojo de uma controvérsia sobre a possibilidade de reconhecimento do direito de visitas após a dissolução de união estável. Em segunda instância, aplicando de forma analógica as regras legais para a guarda de filhos menores, o tribunal estadual entendeu ser possível a delimitação do direito de visitas ao animal de estimação que ficou com um dos ex-companheiros após a separação.  

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, lembrou que o Código Civil enquadrou os animais na categoria das coisas – portanto, objetos de relações jurídicas, conforme previsto não apenas no artigo 82, mas também nos artigos 4459361.4441.445 e 1.446.

Apesar dessa condição legal, o ministro considerou que “não se mostra suficiente o regramento jurídico dos bens para resolver, satisfatoriamente, tal disputa familiar nos tempos atuais, como se se tratasse de simples discussão atinente à posse e à propriedade”.

Para Salomão, não se trata de humanizar o animal, tampouco de equiparar a posse dos bichos com a guarda de filhos, mas de considerar que o direito de propriedade sobre eles não pode ser exercido de maneira idêntica àquele relativo às coisas inanimadas ou que não são dotadas de sensibilidade.

De acordo com o relator, é essa natureza especial que impõe uma série de limitações aos direitos de propriedade que recaem sobre os animais.

“Penso que a resolução deve, realmente, depender da análise do caso concreto, mas será resguardada a ideia de que não se está diante de uma ‘coisa inanimada’, sem lhe estender, contudo, a condição de sujeito de direito. Reconhece-se, assim, um terceiro gênero, em que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos” – afirmou o ministro ao manter o julgamento de segundo grau, enfatizando a necessidade de que tal análise seja voltada para a proteção do ser humano e de seu vínculo afetivo com o animal.

Animais são seres dotados de sensibilidade

Em julgamento realizado no ano passado (REsp 1.944.228), a Terceira Turma abordou o tema ao analisar controvérsia sobre a divisão de despesas com os animais de estimação após o fim do relacionamento de um casal. Os gastos diziam respeito a seis cachorros, todos adquiridos durante a união estável. De acordo com os autos, após a separação, o ex-companheiro teria deixado de contribuir para a manutenção dos bichos.

Em segundo grau, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), considerando não existir regramento jurídico específico para o caso, adotou os princípios gerais do direito para obrigar o ex-companheiro a custear, em conjunto com a ex-companheira, as despesas geradas pelos pets, como forma de evitar seu enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 884 do Código Civil.

Ainda para o TJSP, uma vez estabelecida a relação de afeto entre as pessoas e os animais, não seria possível admitir, do ponto de vista ético, o abandono como causa lícita de extinção da propriedade e, por consequência, da responsabilidade pela manutenção.

No voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado, o ministro Marco Aurélio Bellizze considerou ser necessário compatibilizar as regras sobre o regime de bens da união estável com a natureza particular dos animais de estimação, “concebidos que são como seres dotados de sensibilidade”.

Para o ministro, com base na atual legislação sobre o tema, não seria possível falar no custeio das despesas com os animais no contexto do instituto da pensão alimentícia – típico das relações de filiação e, portanto, regido pelo direito de família.

Segundo Bellizze, as despesas com o custeio da subsistência dos animais são obrigações inerentes à condição de dono, ainda mais relevantes no caso dos bichos de estimação, que dependem totalmente dos cuidados de seus donos. Essa característica, apontou, torna fundamental analisar como as partes definiram o destino dos animais ao término da relação.

“Se, em virtude do fim da união, as partes, ainda que verbalmente ou até implicitamente, convencionarem, de comum acordo, que o animal de estimação ficará com um deles, este passará a ser seu único dono, que terá o bônus – e a alegria, digo eu – de desfrutar de sua companhia, arcando, por outro lado, sozinho, com as correlatas despesas”, apontou.

Nesse cenário, para o ministro, não seria possível ao dono reivindicar do ex-companheiro, que não é mais responsável pelo pet, o custeio de suas despesas.

No caso dos autos, Bellizze entendeu que, como a ex-companheira atribuiu a si todos os direitos em relação aos animais, era ela quem deveria, desde o término da relação, custear as respectivas despesas – ao mesmo tempo em que, “merecidamente, usufrui da companhia dos seus cães de estimação e deles recebe afeto, em reciprocidade”.

Projetos no Congresso retiram animais da categoria de objetos e garantem direitos

Enquanto a Justiça segue analisando controvérsias sobre os pets, o Poder Legislativo pode alterar, nos próximos anos, a caracterização desses animais no ordenamento jurídico.

Em 2019, o Senado Federal aprovou o PLC 27/2018, segundo o qual os animais deixam de ser considerados objetos e passam a ter natureza jurídica sui generis, como sujeitos de direitos despersonificados. Em consulta pública feita pelo Senado, a proposição recebeu aprovação de mais de 24 mil pessoas, contra apenas 731 votos negativos.

O projeto reconhece nos animais a condição de seres sencientes – ou seja, que têm sentimentos – e altera o Código Civil para que não sejam mais considerados bens semoventes. Como a proposta teve início na Câmara dos Deputados e foi aprovada com alterações no Senado, o projeto retornou à primeira casa para nova análise (PL 6.054/2019).

Neste ano, a Câmara dos Deputados recebeu o PL 179/2023, que busca regulamentar a família multiespécie – definida como a comunidade formada por seres humanos e animais de estimação – e prevê uma série de direitos para os pets, inclusive pensão alimentícia e participação no testamento do tutor.

De acordo com o projeto, os animais devem ser considerados filhos por afetividade e ficam sujeitos ao poder familiar. Caso o texto seja aprovado, os pets também passarão a ter acesso à Justiça para a defesa de seus interesses ou a reparação de danos materiais e existenciais, hipóteses em que caberá ao tutor – ou, na falta dele, à Defensoria Pública e ao Ministério Público – representar o bicho em juízo. A proposta ainda aguarda distribuição na Câmara.

  • Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1944228
  • Fonte: STJ

15/05/2023

A Bíblia já questionava: pode uma árvore má produzir bons frutos? A resposta bíblica (Mateus 7:17-20) é negativa, assim como também é a do direito penal, que tomou a imagem emprestada ao definir que as provas derivadas de uma prova ilícita, obtida com violação das regras legais ou constitucionais, são igualmente ilícitas – e, portanto, imprestáveis para o processo.

Embora a teoria dos frutos da árvore envenenada seja amplamente aplicada pela Justiça brasileira – e também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, ela encontra limites em outras duas teorias.

Uma é a da descoberta inevitável, segundo a qual é possível a utilização de uma prova ilícita por derivação, caso fique demonstrado que ela seria, de qualquer modo, descoberta por meios lícitos no curso normal da investigação. A outra é a da fonte independente, para a qual a prova derivada de uma ilícita não deve ser descartada se tiver também uma origem lícita, sem relação com a primeira.

Interferência policial na comunicação telefônica do suspeito

Em 2017, a Quinta Turma manteve acórdão do tribunal de origem que absolveu um réu acusado de tráfico de drogas, ao considerar nula a prova obtida a partir da escuta não autorizada de uma ligação atendida por ele no viva-voz do seu celular.

Conforme os autos, o telefone tocou durante a abordagem policial, e o suspeito foi obrigado a atender no viva-voz. Na conversa ouvida pelos agentes, a mãe lhe pediu que voltasse para casa, para retirar um certo “material” que ali estava guardado. Desconfiados da situação, os policiais foram à residência e arrecadaram as provas que serviram para fundamentar a condenação pelo juízo de primeiro grau.

O tribunal de segunda instância proveu o recurso da defesa por entender que houve quebra ilegal do sigilo de comunicação telefônica e que também não foi lícita a atitude dos agentes de levar o suspeito até a sua casa a fim de que ele lhes desse acesso ao interior do imóvel. 

No STJ, o relator do REsp 1.630.097, ministro Joel Ilan Paciornik, lembrou que as provas obtidas de forma ilícita são inadmissíveis e que “qualquer tipo de prova contra o réu que dependa dele mesmo só vale se o ato for feito de forma voluntária e consciente”.

Nessa mesma linha, em 2022, a Sexta Turma anulou condenação baseada em provas obtidas por policial que atendeu o celular do investigado e se passou por ele para induzir o corréu em erro e obter informação que levou à sua prisão em flagrante.

Desconfiados de que um motorista seria batedor do tráfico, os policiais rodoviários o mandaram parar, mas não acharam nada ilícito com ele ou em seu veículo. Mesmo assim, quando o telefone do motorista tocou, um dos policiais atendeu e, passando-se por ele, disse ao interlocutor que o caminho estava livre – o que resultou na apreensão de drogas e na prisão dos demais envolvidos.

O tribunal de origem entendeu que, além de o policial ter agido para atender o interesse público em detrimento dos direitos dos envolvidos, seria hipótese de aplicação da teoria da descoberta inevitável, pois o curso natural dos acontecimentos levaria fatalmente à apreensão das drogas.

Todavia, esse não foi o entendimento da Sexta Turma do STJ ao analisar o habeas corpus impetrado pela defesa do motorista abordado inicialmente. Para o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, não havia nada que justificasse a mitigação da inviolabilidade da comunicação telefônica, uma vez que o motorista nem sequer estava preso em flagrante no momento em que teve seu celular atendido pelo policial.

O ministro, ao observar a inaplicabilidade da teoria da descoberta inevitável, explicou que é necessária uma interpretação restritiva desse instituto, pois “não basta que se faça um raciocínio vago e abstrato de mera possibilidade de descoberta da prova por outro meio”.

Segundo Schietti, a teoria seria cabível se ficasse demonstrado que “os fatos naturalmente chegariam ao mesmo desfecho, a despeito da ilegalidade na ação policial”.

Exame de telefone sem autorização judicial foi irrelevante para a apuração do crime

Em 2019, a Quinta Turma não concedeu o habeas corpus requerido pela defesa de um homem acusado de tráfico de drogas, por considerar que, a despeito da alegação de ilegalidade da prova obtida diretamente de um celular apreendido pela polícia, havia outras provas para demonstrar a prática criminosa.

De acordo com o processo, no momento em que os policiais abordaram o carro em uma rodovia, um de seus ocupantes jogou duas sacolas pela janela, nas quais foi encontrada cocaína. Um deles admitiu ter comprado a droga e revelou o apelido do vendedor (o paciente no habeas corpus), o que permitiu que o policial o identificasse ao examinar o telefone. Posteriormente, a autoridade policial requereu o afastamento do sigilo de dados dos aparelhos apreendidos.

Após a condenação por tráfico de drogas e associação para o tráfico, a defesa sustentou que o acesso sem prévia autorização judicial ao conteúdo do celular do corréu invalidaria todas as provas decorrentes.

O relator do HC 521.228, ministro Jorge Mussi (aposentado), destacou a informação de que o dono do celular teria permitido à polícia acessá-lo no momento da abordagem. “Ainda que assim não fosse, os corréus confessaram informalmente a prática criminosa, afirmando que um deles adquiriu os entorpecentes do paciente, o que demonstra que as mensagens supostamente devassadas não foram determinantes para a apuração dos ilícitos”, afirmou o relator.

Para Jorge Mussi, “a apreensão dos celulares dos corréus levou a autoridade policial a requerer judicialmente o afastamento do sigilo dos dados neles contidos, o que foi deferido – pedido típico e comum em casos análogos, e que demonstra que se está diante de provas autônomas, nos termos dos parágrafos 1º e 2º do artigo 157 do Código de Processo Penal“.

Invasão ilegal de domicílio contaminou todas as outras provas

Ao reconhecer a nulidade das provas produzidas, a Quinta Turma confirmou decisão monocrática no HC 783.183 e absolveu um cidadão que havia sido condenado pelos crimes de posse irregular de arma de fogo e corrupção de menor.

Uma denúncia anônima – de que o indivíduo teria uma arma – fez com que policiais se dirigissem ao local indicado. Supostamente autorizados pelo morador, os agentes entraram na residência e encontraram dois carregadores de pistola e oito munições. Questionado, o morador teria confessado que a arma era sua, mas estava com um menor, em outro endereço.

O relator do habeas corpus, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, declarou nulas todas as provas decorrentes da ação policial, pois o alegado consentimento do morador para ingresso dos agentes não foi comprovado, e não havia mandado judicial nem indícios concretos de ocorrência de crime permanente no imóvel.

Ao recorrer à Quinta Turma, o Ministério Público (MP) sustentou que, como a localização da arma foi revelada pelo acusado, não se poderia dizer que a sua apreensão na casa do adolescente tenha sido decorrência direta da invasão ilícita do domicílio. Para o MP, deveria incidir no caso a teoria da descoberta inevitável, que rompe o nexo de causalidade e afasta a ilicitude, por derivação, da prova encontrada.

No entanto, Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que a teoria da descoberta inevitável era inaplicável no caso, já que não havia como afirmar que a arma seria encontrada de outra forma que não mediante a informação do acusado, prestada em decorrência de uma abordagem ilegal.

Acesso ilegal a dados de celular não invalida condenação baseada em prova independente

Com base na teoria da descoberta inevitável, a Quinta Turma manteve a decisão do relator, desembargador convocado Jesuíno Rissato, que não conheceu do HC 722.827, no qual a defesa de três homens condenados por tráfico de drogas pretendia anular as provas do processo.

O tribunal de origem considerou lícitas as provas obtidas nos celulares dos acusados após terem sido presos. Segundo a corte, naquele momento “já existiam elementos suficientes para capitulação das condutas criminosas que lhes foram imputadas, de modo que não se pode confundir referida situação com os casos em que a flagrância somente é alcançada com a adoção da citada medida [exame do celular]”.

No pedido de habeas corpus, a defesa sustentou que, “ainda que a condenação dos pacientes não tenha se centrado no conteúdo das mensagens de WhatsApp, todos os elementos de convicção derivaram do acesso ilegal da polícia aos aparelhos celulares”, razão pela qual tais provas seriam nulas.

Ao analisar o caso, Jesuíno Rissato afirmou – com base nas conclusões da segunda instância – que, além de as informações no celular terem sido coletadas após a prisão dos envolvidos, existiam outros elementos de prova suficientes para demonstrar a autoria e a materialidade delitiva.

O relator reconheceu que a jurisprudência do STJ considera ilegal a prova obtida sem autorização judicial diretamente do celular – mensagens de texto, aplicativos de conversa, correio eletrônico, fotografias –, porque isso viola os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade. No entanto, ele ressaltou que há firme jurisprudência da corte no sentido de excluir as provas derivadas das ilícitas que se enquadrem na teoria da descoberta inevitável.

“Mesmo que decotando as provas relativas aos dados armazenados no telefone, há elementos probatórios suficientes e independentes para manter a condenação”, disse o magistrado, apontando que, conforme consta do processo, “havia investigação em curso, com campana, tendo os aparelhos celulares sido apreendidos já quando da prisão em flagrante, em razão de todo um desfecho investigatório”.

Reconhecimento espontâneo anterior à prisão ilegal não invalida a condenação

A Sexta Turma manteve acórdão do tribunal de origem que afastou a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada por entender que, apesar de ilegal a prisão dos envolvidos em um roubo de carga, existiam fontes independentes de prova capazes de subsidiar a sua condenação.

Na origem, um entregador dos Correios, ao se dirigir à delegacia para comunicar mais um roubo que havia sofrido, acompanhou os policiais na viatura, na tentativa de identificar os autores do crime. Antes mesmo da abordagem e da condução dos suspeitos para a delegacia, a vítima já os havia reconhecido nas redondezas da área em que os roubos costumavam acontecer.

Apesar de o juiz ter anulado todas as provas por entender que elas foram contaminadas pela prisão e pelo reconhecimento dos acusados – considerados ilegais –, o tribunal local afastou a incidência da teoria dos frutos da árvore envenenada, sob o fundamento de que havia outros elementos aptos a subsidiar a condenação dos acusados, de acordo com a teoria da fonte independente. 

No STJ, o relator do agravo regimental no REsp 1.573.910, ministro Nefi Cordeiro (aposentado), destacou que a ordem dos fatos é essencial na análise da viabilidade da ação penal, que se embasou em elemento idôneo e independente dos atos ilegais praticados posteriormente, qual seja, o reconhecimento espontâneo feito pela vítima antes da prisão dos envolvidos.

O ministro apontou que a conduta ilegal dos agentes não influenciou no reconhecimento dos réus pela vítima; ao contrário, foi o apontamento feito por ela que desencadeou a abordagem e a posterior condução dos envolvidos para a delegacia.

Prisão foi independente da obtenção ilegal de conteúdo do celular

No HC 423.794, a Quinta Turma entendeu que, mesmo após o acesso, sem autorização judicial, aos dados do celular de um preso em flagrante por tráfico de drogas, tal fato não anula as demais provas, por terem fontes independentes daquela considerada ilícita.

No caso dos autos, uma denúncia anônima subsidiou operação policial que resultou na abordagem e na prisão de dois homens que trafegavam por uma rodovia em Santa Catarina, portando, cada um, grande quantidade de entorpecentes.

A defesa alegou que a condenação foi embasada em prova ilícita, decorrente da violação do sigilo de comunicações e dados dos aparelhos celulares apreendidos com os acusados.

Todavia, tanto o juízo de primeiro grau quanto o tribunal local entenderam pela condenação dos réus, destacando que a operação montada pela Polícia Militar se baseou em denúncia anônima com informações suficientes para levar aos criminosos. Quanto às mensagens do celular que foram acessadas pelos policiais, o juízo apontou que não existe qualquer nexo causal entre elas e as demais provas.

O relator no STJ, ministro Jorge Mussi, destacou que, apesar de a Lei 9.296/1996 dispor apenas das comunicações telefônicas e de sistemas de informática e telemática – o que não inclui os dados e registros já contidos nos celulares –, tal fato “não permite que a polícia devasse a intimidade dos investigados a pretexto de obter provas do crime e de sua autoria, o que só é admitido mediante prévia autorização judicial”.

Em contrapartida, o ministro ressaltou que há no processo provas suficientes para demonstrar a prática do crime, sendo irrelevante o acesso às mensagens contidas nos aparelhos. Segundo concluiu, “tanto o flagrante quanto a posterior denúncia e a sentença condenatória não se embasaram no suposto acesso ilegal dos policiais aos dados contidos no celular”.

Prova nula não contamina outras produzidas de forma independente em PAD

A Terceira Seção, no agravo regimental na Rcl 42.292, confirmou decisão monocrática proferida pelo desembargador convocado Olindo Menezes, que suspendeu o uso em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) de provas anuladas na ação penal pelo STJ.

Na origem, a polícia instaurou investigação por suposta organização criminosa responsável por fraudes em órgão federais. As provas produzidas foram compartilhadas e juntadas ao procedimento administrativo instaurado para apuração do envolvimento de um servidor. A Sexta Turma, porém, determinou a exclusão de elementos probatórios declarados ilegais, entre eles as mensagens de e-mail de um investigado.

A Advocacia-Geral da União (AGU) manteve, na apuração administrativa, as informações do e-mail funcional, sob o entendimento de que essa ferramenta é disponibilizada aos servidores para atender às suas atividades profissionais.

Olindo Menezes explicou que a Sexta Turma, ao decidir pela nulidade das provas, não especificou se a ilicitude alcançava apenas o e-mail pessoal ou também o funcional, e não caberia fazê-lo no julgamento da reclamação. Apesar disso, concluiu que “não há nenhuma objeção à utilização das demais provas colhidas de maneira independente no processo administrativo”.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1630097HC 695895HC 521228HC 783183HC 722827REsp 1573910HC 423794Rcl 42292

Fonte: STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pelo cancelamento do Tema 1.090, que seria julgado sob o rito dos recursos repetitivos. Com o cancelamento, poderão voltar a tramitar todos os recursos especiais e agravos em recurso especial que tratam das mesmas questões jurídicas e estavam sobrestados nos tribunais de origem ou no STJ.

RECURSO REPETITIVO

10/05/2023

O tema foi cancelado após o ministro Herman Benjamin, relator, não conhecer do recurso representativo da controvérsia, REsp 1.828.606, que pretendia discutir cinco matérias.

A primeira definiria se, para provar a eficácia ou a ineficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI) para a neutralização dos agentes nocivos à saúde e à integridade física do trabalhador, para fins de reconhecimento de tempo especial, basta o que consta no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), ou se a comprovação pode ser por outros meios probatórios e, nessa última circunstância, se a prova pericial é obrigatória.

A segunda questão decidiria se é possível impor rito judicial instrutório rígido e abstrato para apuração da ineficácia do EPI, como fixado pelo tribunal de origem, ou se o rito deve ser orientado conforme os elementos de cada contexto e os mecanismos processuais disponíveis na legislação.

Já o terceiro ponto discutia se a corte regional ampliou o tema delimitado na admissão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e, caso positivo, se é legalmente praticável a ampliação.

A quarta matéria estabeleceria se é cabível fixar de forma vinculativa, em julgamento de casos repetitivos, rol taxativo de situações de ineficácia do EPI, e, sendo factível, examinaria a viabilidade jurídica de cada hipótese considerada pelo tribunal de origem (enquadramento por categoria profissional, ruído, agentes biológicos, agentes cancerígenos e periculosidade).

Por último, a quinta questão iria determinar se é admissível inverter, inclusive genericamente, o ônus da prova para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) demonstre ausência de dúvida sobre a eficácia do EPI atestada no PPP.

Fonte: STJ

A falta de recurso contra a decisão que homologou o plano de recuperação judicial com cláusula de exoneração das garantias pessoais do devedor não a torna aplicável a todo e qualquer credor indistintamente.

10 de maio de 2023
Voto do ministro Villas Bôas Cueva aplicou precedente da 2ª Seção ao caso concreto
Lucas Pricken/STJ

Essa foi a conclusão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar recurso ajuizado pelo Banco do Brasil contra uma empresa que se encontra em recuperação judicial e tem uma dívida de R$ 168 mil, decorrente de empréstimo não quitado.

O banco iniciou a execução contra a empresa e os avalistas da dívida. Eles, então, pediram a extinção do processo por causa da aprovação do plano de recuperação judicial, que tem cláusula que libera e desonera todos os coobrigados das dívidas da empresa.

O Tribunal de Justiça de Goiás negou o pedido por considerar que a desoneração ofende a Súmula 581 do STJ. O enunciado diz que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.

Ao STJ, os avalistas alegaram que a posição do TJ-GO ofende a coisa julgada, uma vez que o plano de recuperação judicial foi aprovado e homologado pelo juízo, sem qualquer recurso do Banco do Brasil contra a cláusula que desonera as garantias pessoais.

A solução do problema passa pela posição recente da 2ª Seção do STJ, que em 2021 decidiu que a cláusula do plano de recuperação judicial que afastar as garantias reais e fidejussórias só vale para os credores que a aprovaram sem ressalvas.

Isso significa que seus efeitos não alcançam os credores ausentes na assembleia geral, que não votaram ou que votaram contrariamente. Logo, para manter a execução iniciada pelo Banco do Brasil, é preciso saber se o credor aprovou ou não a cláusula em questão.

A votação na 3ª Turma foi unânime e definida pelo voto-vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. A relatora da matéria, ministra Nancy Andrighi, incorporou os argumentos dele. O provimento do recurso devolve o caso ao TJ-GO, para avaliar a viabilidade do prosseguimento da execução iniciada pelo banco.

“Se a cláusula de desoneração não tem eficácia sobre o credor que com ela deixou de anuir, não faz sentido exigir que este mesmo credor recorra da decisão que homologou o plano, pois nem sequer interesse para tanto teria, já que contra ele não pode ser invocada a exoneração”, explicou o ministro Cueva.

“Se a jurisprudência já consolidou o entendimento de que nenhuma ação é exigida do credor para que ele possa ver mantida sua garantia, bastando a inércia diante da assembleia, dispensadas inclusive ressalvas e objeções, não há razão plausível para exigir dele que, depois de tudo isso, recorra da decisão que homologou o plano, a fim de ver reconhecido direito à garantia, do qual nunca deixou de ser titular”, reforçou o magistrado.

REsp 1.984.296

*Por Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2023, 8h48

Segundo o colegiado, a ação de habeas corpus não pode ser utilizada nessas circunstâncias porque o seu rito processual não permite o estudo aprofundado de fatos e provas do caso.

10 de Maio de 2023

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reafirmou o entendimento de que o habeas corpus não é o meio adequado para a defesa de interesses relacionados a guarda de filhos menores e direito de visitas – temas próprios do direito de família. Segundo o colegiado, a ação de habeas corpus não pode ser utilizada nessas circunstâncias porque o seu rito processual não permite o estudo aprofundado de fatos e provas do caso.

Com base nesse entendimento, a turma não conheceu do habeas corpus impetrado por um homem em benefício de seu filho menor de idade, no qual ele alegou que, ao deferir tutela de urgência para suspender a visitação assistida, o tribunal de segunda instância estaria causando constrangimento ilegal à criança.

Tribunal local suspendeu a retomada gradual das visitas

A mãe ajuizou contra o ex-cônjuge ação de reconhecimento de alienação parental, com pedido de tutela de urgência para que fossem suspensas as visitas do pai ao filho. Entendendo haver indícios de violência física e psicológica do pai contra a criança, a juíza da vara de família suspendeu o direito de visitas.

Após a instrução probatória e a realização de estudos psicológicos, o Ministério Público pediu a revogação da liminar que suspendeu as visitas. A juíza, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, restabeleceu de forma gradual o direito de visitas assistidas, e nomeou uma psicóloga para acompanhar os encontros.

Inconformada, a mãe recorreu ao tribunal de segundo grau, questionando o laudo de avaliação psicológica. Sustentou que os encontros causavam grande sofrimento para a criança e pediu a realização de um processo terapêutico com todos os envolvidos, aguardando-se que o filho voltasse a ter vontade de conviver com o pai. A corte, então, suspendeu a decisão que havia determinado a retomada gradual das visitas.

Criança não está em cárcere privado nem em abrigamento institucional

O relator do habeas corpus, ministro Moura Ribeiro, afirmou que não há informação de nenhuma ameaça ou violação ao direito de locomoção da criança que seja passível de proteção por meio do habeas corpus, pois ela não está em cárcere privado ou em situação de abrigamento institucional, tendo havido tão somente o sobrestamento da visitação paterna em tutela de urgência, a pretexto de atendimento do seu melhor interesse.

O ministro destacou que, especialmente em virtude da inviabilidade de incursão aprofundada na análise das provas, a jurisprudência do STJ considera o habeas corpus inadequado para veicular questões próprias do direito de família – a exemplo do direito de visita ou da discussão sobre guarda de menores –, as quais são reservadas às varas cíveis.

“É bem verdade que, em alguns julgamentos de processos prioritários por esta Terceira Turma, a jurisprudência excepcionalmente vem sendo mitigada, notadamente nas questões envolvendo abrigamento institucional de criança ou adolescente, o que não é o caso, devendo, ao meu juízo, ser observado o entendimento há muito tempo consolidado nas turmas que compõem a Segunda Seção”, declarou.

Poder Judiciário tem o dever de proteger as crianças

O relator também explicou que o direito de visitação tem por finalidade assegurar o relacionamento do filho com o genitor não guardião, que também compõe o seu núcleo familiar, interrompido pela separação do casal, tratando-se do direito fundamental de convivência familiar garantido pelo artigo 227, caput, da Constituição Federal.

Apesar disso, segundo Moura Ribeiro, a cláusula geral do melhor interesse da criança e do adolescente, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, recomenda que o Poder Judiciário cumpra o dever de protegê-los com prioridade absoluta, proporcionando-lhes um adequado e saudável desenvolvimento físico e psíquico.

“É visível que o menor precisa ser preparado adequadamente para a retomada do convívio com o pai, que os genitores devem ser obrigatoriamente submetidos a tratamento psicológico para poderem auxiliar o filho nessa seara, e não há dúvidas que as instâncias ordinárias não estão medindo esforços para encontrar a melhor forma de equacionar a questão”, concluiu o ministro.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

O instrumento processual adequado para que o proprietário retome a posse direta de imóvel alugado é a ação de despejo, nos termos do artigo 5º da Lei 8.245/1991 (Lei de Locação), não servindo para esse objetivo o ajuizamento de ação possessória.

09 de Maio de 2023

​O instrumento processual adequado para que o proprietário retome a posse direta de imóvel alugado é a ação de despejo, nos termos do artigo 5º da Lei 8.245/1991 (Lei de Locação), não servindo para esse objetivo o ajuizamento de ação possessória.

O entendimento foi reafirmado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), segundo o qual a ação possessória seria cabível para que os possuidores indiretos – no caso, os herdeiros do proprietário falecido – reivindicassem a retomada do imóvel locado.

De acordo com os autos, após a morte de seu pai, um dos herdeiros avisou à locatária que não tinha mais interesse no aluguel, e solicitou a desocupação. Entretanto, a locatária se recusou a sair do imóvel, alegando que o teria comprado do proprietário anterior. 

Ao confirmar a sentença que determinou a reintegração de posse, o TJSP considerou que, tendo sido demonstrada a relação locatícia no imóvel transmitido aos herdeiros no momento da morte do pai (princípio da saisine), estava comprovada a posse indireta do autor da ação sobre o imóvel.

Apesar de considerar que, no caso, o procedimento adequado seria o da ação de despejo, o TJSP seguiu o princípio mihi factum, dabo tibi ius (“dá-me os fatos que lhe darei o direito”), concluindo que o juiz de primeiro grau agiu corretamente ao analisar o pedido de reintegração de posse.

Ações possessórias e de despejo têm natureza e fundamentos distintos

Relator do recurso da locatária no STJ, o ministro Antônio Carlos Ferreira comentou que o Código de Processo Civil, em seu artigo 554, prevê a fungibilidade (ou seja, a possibilidade de se aceitar um meio processual juridicamente inadequado) para os diferentes tipos de ação possessória: a reintegração de posse (no caso de esbulho), a manutenção de posse (na hipótese de turbação) e o interdito proibitório (em razão de ameaça à posse).

Por outro lado, observou, a ação de despejo prevê uma relação locatícia subjacente, da qual derivam os direitos e os deveres do locador e do locatário – sendo possível comprovar, a partir dessa relação, uma situação de posse indevida.

“Embora o pedido da reintegração de posse e da ação de despejo seja a posse legítima do bem imóvel, trata-se de pretensões judiciais com natureza e fundamento jurídico distintos, pois, enquanto a primeira baseia-se na situação fática possessória da coisa, a segunda se fundamenta em prévia relação contratual locatícia, regida por norma especial, o que, consequentemente, impossibilita sua fungibilidade”, completou.

Desocupação para uso próprio tem procedimentos específicos na Lei de Locação

No caso analisado, segundo o relator, o término do contrato de locação ocorreu em razão da necessidade de retomada do imóvel para moradia, contexto em que a Lei 8.245/1991 prevê procedimentos específicos para a desocupação, bem como sanções – até criminais – se o proprietário não utilizar o bem com a finalidade alegada.

“Ao se permitir o ajuizamento de ação possessória em substituição da ação de despejo, nega-se vigência ao conjunto de regras especiais da Lei de Locação, tais como prazos, penalidades e garantias processuais”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial e julgar improcedente a ação de reintegração de posse. 

Fonte: STJ

Prevista no artigo 183 da Constituição Federal e no artigo 1.240 do Código Civil (CC), a ação de usucapião especial de imóvel urbano possibilita o reconhecimento do direito ao domínio em favor da pessoa que, de forma pacífica e ininterrupta, tenha como sua área de até 250 metros quadrados, por cinco anos, sem oposição, utilizando-a para moradia própria ou de sua família, desde que não seja proprietária de outro imóvel urbano ou rural.

08/05/2023

Trata-se de uma forma originária de aquisição de imóvel que tem como objetivo atingir a função social da propriedade. Nas áreas urbanas, ela também é possível na forma do artigo 1.238 do CC, que disciplina a chamada usucapião extraordinária, com exigência de posse por 15 anos sem interrupção nem oposição.

No julgamento do REsp 1.818.564, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Moura Ribeiro explicou que “a usucapião está claramente vinculada à função social da propriedade, pois reconhece a prevalência da posse adequadamente exercida sobre a propriedade desprovida de utilidade social, permitindo, assim, a redistribuição de riquezas com base no interesse público”.

Em relação a outros dispositivos legais que abordam a usucapião de imóvel urbano, a ministra Nancy Andrighi destacou, em seu voto no REsp 1.777.404, a importância da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que trouxe esclarecimentos adicionais sobre quem pode se valer do instituto: “Veio regulamentar o texto constitucional e, nessa regulamentação, os legitimados a usucapir são o possuidor individualmente ou em litisconsórcio, os possuidores em composse e até a associação de moradores regularmente constituída, na qualidade de substituta processual”.

Comum nas cidades brasileiras, o instituto é alvo frequente de discussões: a aquisição de metade do imóvel impede o reconhecimento da usucapião? Ela pode ser reconhecida se o prazo só for alcançado no curso do processo judicial? A ação judicial de usucapião depende do prévio pedido na via extrajudicial? O uso simultâneo do imóvel para moradia e comércio compromete a usucapião especial urbana?

Essas e outras questões encontram resposta na jurisprudência do STJ.

Prazo para a usucapião pode ser reconhecido no curso do processo judicial

Ao julgar o REsp 1.361.226, a Terceira Turma considerou ser possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel se o requisito do prazo for alcançado durante a tramitação do processo judicial.

No início do caso, os recorrentes buscavam o reconhecimento da usucapião extraordinária, alegando a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel por mais de 17 anos, mas a sentença e o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negaram o pedido, ao fundamento de que o requisito temporal não tinha sido atingido quando do ajuizamento da ação. Ambos avaliaram que a situação estava sujeita ao artigo 550 do Código Civil de 1916, impondo-se o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Na data da sentença, entretanto, o juiz de primeiro grau destacou que a posse do imóvel já tinha mais de 20 anos. 

De acordo com o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o magistrado deve considerar fato constitutivo ou extintivo de direito ocorrido após a propositura da ação, independentemente de provocação das partes. Nessa mesma linha, o ministro citou o Enunciado 497 da V Jornada de Direito Civil (STJ/CJF), segundo o qual “o prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor”.

Além disso – destacou o ministro –, a contestação apresentada pelo réu não impede o transcurso do prazo. Para ele, a peça defensiva não é capaz de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião. “Contestar, no caso, impõe mera oposição à usucapião postulada pelos autores, e não à posse”, concluiu.

Aquisição de metade do imóvel não impede usucapião especial urbana

Em outubro de 2022, a Terceira Turma fixou que a aquisição de metade do imóvel não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana. Para o colegiado, o fato de os moradores, autores do pedido, já terem a metade da propriedade não atrai a vedação do artigo 1.240 do CC, que impõe como condição não possuir outro imóvel urbano ou rural.

Ao dar provimento ao REsp 1.909.276, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, observou que a jurisprudência do STJ admite a usucapião de bem em condomínio, desde que o condômino exerça a posse com exclusividade. Para ele, essa interpretação se aplicava ao caso em julgamento, pois os recorrentes agiram como donos exclusivos: adquiriram metade do imóvel e pagaram as taxas e os tributos incidentes sobre ele, além de realizarem benfeitorias.

“Sob essa perspectiva, o fato de os recorrentes serem proprietários da metade ideal do imóvel que pretendem usucapir não parece constituir o impedimento de que trata o artigo 1.240 do Código Civil, pois não possuem moradia própria, já que, eventualmente, teriam que remunerar o coproprietário para usufruir com exclusividade do bem”, afirmou.

Ação de usucapião é viável se a enfiteuse não for registrada

A Quarta Turma, por maioria de votos, entendeu que é possível a ação de usucapião de imóvel urbano na hipótese em que, mesmo convencionada a constituição de enfiteuse entre o possuidor e o proprietário, o título respectivo não tenha sido levado ao registro imobiliário.

Para o colegiado, como o registro é um pressuposto de existência para a maioria dos direitos reais, a sua falta impede a configuração da enfiteuse, ainda que, durante anos, tenha havido o pagamento do foro e tenha sido exercido o direito de resgate. Inexistindo uma efetiva relação jurídica de direito real entre o senhorio direto e o foreiro – avaliou a turma –, não há impedimento à aquisição originária da propriedade pelo possuidor.

O caso teve origem em ação proposta por um casal que alegava ter a posse mansa e pacífica de terreno foreiro por 20 anos, tendo sido realizado o resgate da enfiteuse. A sentença considerou o pedido improcedente, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão, sob o fundamento de que o prazo para a prescrição aquisitiva não flui enquanto perdura a enfiteuse, pois faltaria o chamado animus domini ao enfiteuta.

Ao analisar o REsp 1.228.615, o relator do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o artigo 1.227 do CC, combinado com o artigo 172 da Lei 6.015/1973, indica o efeito constitutivo do registro em relação a direitos reais sobre imóveis, estabelecendo o princípio da inscrição, segundo o qual a constituição, a transmissão e a extinção de direitos reais sobre imóveis só ocorrem por meio da inscrição no cartório de registro imobiliário.

“A mera convenção entre as partes não é condição suficiente a ensejar a constituição da enfiteuse, fazendo-se mister a efetivação de um ato formal de ingresso do título no registro imobiliário, o qual poderia ensejar o verdadeiro óbice à aquisição originária da propriedade pelo enfiteuta – o qual inexiste na situação vertente”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial.

Cabe usucapião extraordinária em área inferior ao módulo urbano

Sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 985), a Segunda Seção estabeleceu que o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, não pode ser impedido em razão de a área discutida ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

Para o relator dos recursos especiais (REsp 1.667.843 e REsp 1.667.842), ministro Luis Felipe Salomão, se o legislador quisesse definir parâmetros mínimos para a usucapião de área urbana, ele o teria feito de forma expressa, a exemplo da definição de limites territoriais máximos para a usucapião especial rural, prevista no artigo 1.239 do Código Civil.

O ministro citou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 422.349, que não verificou inconstitucionalidade na lei municipal que fixa o módulo urbano em área superior a 250 metros quadrados, desde que isso não impeça ao particular a aquisição do direito de propriedade de área menor, no caso de o órgão de controle não questionar a aquisição no prazo legal.

Além disso, Salomão salientou que o parcelamento do solo e as normas de edificação são providências relativas à função social da cidade. Por outro lado – explicou –, a usucapião tem por objetivo a regularização da posse e, uma vez reconhecida judicialmente, assegura o cumprimento da função social da propriedade.

Ação de usucapião independe de prévio pedido na via extrajudicial

Em fevereiro de 2020, a Terceira Turma definiu que o ajuizamento da ação de usucapião não está condicionado à negativa do pedido em cartório, mesmo após as alterações feitas na Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) pelo Código de Processo Civil de 2015.

Com esse entendimento, o colegiado determinou o retorno de um processo que discutia a usucapião de imóvel ao juízo de origem, para prosseguimento da ação.

A sentença, desfavorável à autora, citou o Enunciado 108 do Centro de Estudos e Debates (Cedes-RJ), segundo o qual a ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a decisão.

No REsp 1.824.133, a Defensoria Pública alegou que o CPC/2015 faculta ao interessado pedir a usucapião em cartório, porém sem prejuízo de optar pela via judicial.

O relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), deu razão à DP, destacando que o artigo 216-A da Lei de Registros Públicos é claro: “Como se verifica já na abertura do caput desse enunciado normativo, o procedimento extrajudicial de usucapião foi disciplinado ‘sem prejuízo da via jurisdicional'”.

Gratuidade em ação de usucapião especial urbana não tem natureza objetiva

Ao julgar o REsp 1.517.822, a Terceira Turma entendeu ser inadmissível conferir isenções pecuniárias àquele que tem condições de arcar com as despesas da ação de usucapião especial urbana, mesmo que o parágrafo 2º do artigo 12 da Lei 10.257/2001 o permita. Para o colegiado, tal dispositivo deve ser interpretado conciliando-se com a norma especial que regula a matéria, a Lei 1.060/1950, e, a partir de 18 de março de 2016, com o CPC vigente.

Esse posicionamento foi adotado pela turma ao julgar recurso de um médico que ingressou com ação de usucapião especial urbana buscando a gratuidade da assistência judiciária estabelecida em lei, mesmo reconhecendo, na petição inicial, que não era “juridicamente pobre” e que não apresentaria falsa declaração de pobreza.

De acordo com o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Lei 10.257/2001 concede ao autor da ação uma presunção relativa de hipossuficiência, ou seja, de que aquele que pleiteia seja uma pessoa de baixa renda. Em razão disso, o benefício somente não será concedido se houver prova de que ele não é necessitado. No caso em julgamento, conforme apontou o relator, o próprio autor reconheceu que não preenchia os requisitos da Lei 1.060/1950 para obtenção da gratuidade.

Imóvel abandonado do Sistema Financeiro de Habitação não admite usucapião

No julgamento do REsp 1.874.632, a Terceira Turma definiu que não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), ainda que em situação de abandono. O colegiado avaliou que esse tipo de habitação está vinculado à prestação de serviço público, devendo ser tratado como bem público insuscetível à aquisição do direito de propriedade.

Com esse entendimento, foi negado recurso especial a um grupo de pessoas que buscava seguir na posse de um imóvel localizado em um conjunto residencial de Maceió.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, “na eventual colisão de direitos fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público, deve prevalecer, em regra, este último, norteador do sistema jurídico brasileiro, porquanto a prevalência dos direitos da coletividade sobre os interesses particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável”, explicou.

A relatora lembrou que o imóvel foi adquirido integralmente com recursos públicos e destinado à resolução do problema habitacional no país, não sendo admitida, portanto, a prescrição aquisitiva. Para ela, a inércia dos gestores públicos não pode justificar a ocupação ilícita de área pública, sob pena de serem chanceladas situações ilegais de invasão de terras.

Loteamento em Planaltina (DF) foi alvo de controvérsia envolvendo usucapião

Em julgamento de recurso repetitivo (Tema 1.025), a Segunda Seção confirmou que é cabível, por usucapião, a aquisição de imóveis particulares desprovidos de registro no Setor Tradicional de Planaltina (DF).

Os imóveis em discussão eram situados em loteamento que, embora consolidado havia décadas, não foi autorizado nem regularizado pela administração do Distrito Federal.

Na fundamentação do REsp 1.818.564, o relator, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que a possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é indispensável para o reconhecimento do direito material de propriedade, fundado na posse ad usucapionem e no decurso do tempo. Para ele, o registro seria um efeito da sentença declaratória de usucapião, e não uma condição para o reconhecimento do direito material de propriedade ou para o exercício do direito de ação.

“Não há, portanto, como negar o direito à usucapião sob o pretexto de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) não se confunde com a certificação e a publicidade que emergem do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística)”, declarou Moura Ribeiro.

Uso de imóvel para moradia e comércio não impede usucapião especial urbana

O exercício simultâneo de pequena atividade comercial em propriedade que também é utilizada como residência não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana. Com base nesse entendimento, a Terceira Turma deu provimento ao recurso especial (REsp 1.777.404) de dois irmãos e reconheceu a usucapião de um imóvel utilizado por eles de forma mista.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a exclusividade de uso residencial não é requisito expressamente previsto em nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que tratam da usucapião especial urbana. “O uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família”, disse.

De acordo com a relatora, é necessário que o imóvel reivindicado sirva de moradia para o requerente ou sua família, mas não se exige que essa área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio requerente, como na hipótese em julgamento.

Não cabe intervenção de terceiros na modalidade de oposição em ação de usucapião

A Terceira Turma também definiu que não cabe intervenção de terceiros na modalidade de oposição em ações de usucapião. Com isso, foi confirmado acórdão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) que não permitiu a participação de um terceiro interessado em ação judicial.

No julgamento do REsp 1.726.292, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que a intervenção pretendida era desnecessária, pois a tutela buscada por meio da oposição poderia ser alcançada pela simples contestação à ação de usucapião.

“O opoente carece de interesse processual para o oferecimento de oposição na ação de usucapião porque, estando tal ação incluída nos chamados juízos universais (em que é convocada a integrar o polo passivo por meio de edital toda a universalidade de eventuais interessados), sua pretensão poderia ser deduzida por meio de contestação”, afirmou.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1818564REsp 1777404REsp 1909276REsp 1361226REsp 1228615REsp 1824133REsp 1517822REsp 1726292REsp 1874632REsp 1667843REsp 1667842

Fonte: STJ

Segundo o processo, a respiração da criança foi bloqueada após sua cabeça ficar presa no vão entre o colchão e o forro lateral do berço, o que provocou a morte por asfixia.

08 de Maio de 2023

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de uma empresa importadora e vendedora de berços que foi condenada a pagar indenização pela morte de um bebê de seis meses. Segundo o processo, a respiração da criança foi bloqueada após sua cabeça ficar presa no vão entre o colchão e o forro lateral do berço, o que provocou a morte por asfixia.

O colegiado reconheceu a responsabilidade civil da empresa, nos termos do artigo 12 do Código de Defesa ao Consumidor (CDC), caracterizada pela falha no dever de informar o comprador quanto à utilização adequada do produto. De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) – que manteve a indenização por danos morais de R$ 100 mil para cada um dos três membros da família que ajuizaram a ação –, o manual de instruções do berço não trazia qualquer informação, à época do acidente, sobre o risco de asfixia do bebê no caso de uso inadequado do colchão.

Ao STJ, a empresa alegou a inexistência de responsabilidade civil de sua parte, pois o produto estaria dentro das regras técnicas, tendo, inclusive, o selo de aprovação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Ainda segundo a recorrente, os familiares não apresentaram o colchão utilizado no berço no momento do acidente, de forma que não foi possível verificar se o item estava em conformidade com as orientações técnicas.

Após o acidente, fabricante alterou significativamente a estrutura do berço

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que, apesar de o produto ter obtido a certificação do Inmetro, verificou-se, logo após o acidente, que o modelo de berço comercializado representava risco aos usuários, especialmente em razão das informações insuficientes que acompanhavam o produto.

O ministro ressaltou que, conforme registrado pelo TJSP, a fatalidade ocorrida com o bebê levou o fabricante a fazer um recall dos berços e, posteriormente, a alterá-los de maneira significativa, aumentando a segurança para evitar novos acidentes.

Com base nas informações dos autos, Bellizze apontou que, embora o laudo pericial tenha considerado suficientes as informações sobre o colchão que eram apresentadas no manual, “na visão do homem médio” o documento continha especificações capazes de gerar confusão, por exigir “operações aritméticas para encontrar as medidas exatas do colchão adequado, agravando, assim, o risco na utilização do produto”.

“Tem-se, assim, através da análise do conjunto fático-probatório delineado pelas instâncias ordinárias, que a ora recorrente não atendeu a contento o dever de informar adequadamente os consumidores sobre as medidas exatas do colchão a ser utilizado no berço, nem mesmo alertando sobre o risco grave oriundo da inobservância de tais especificações”, afirmou.

Para Inmetro, acidente poderia ocorrer independentemente do colchão utilizado

Bellizze destacou ainda que, de acordo com a análise das instâncias ordinárias, a falta de exame do colchão utilizado no momento do acidente não teve influência na responsabilização da importadora, tendo em vista que o próprio Inmetro constatou a possibilidade de alojamento da cabeça do bebê por causa do afrouxamento dos tecidos do berço – ou seja, para a Justiça paulista, mesmo estando o colchão em conformidade com a especificação exigida no manual, existia a possibilidade de acidentes como o ocorrido.

“Portanto, estando comprovados os defeitos de informação e de concepção do produto colocado em circulação no mercado consumidor brasileiro pela recorrente, que acarretou a morte da filha e irmã dos recorridos, de rigor é o reconhecimento da responsabilidade da recorrente pelo fato do produto e, assim, da obrigação de reparação civil”, concluiu o ministro.

Fonte: STJ