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Concessionária responde por acidentes causados por animais domésticos na rodovia, decide Corte Especial do STJ

05/09/2024

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos ( Tema 1.122), estabeleceu a tese de que as concessionárias de rodovias respondem, independentemente de culpa, pelos danos decorrentes de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas sob concessão, aplicando-se a esses casos o Código de Defesa do Consumidor ( CDC) e a Lei das Concessões (Lei 8.987/1995).

Questão submetida a julgamento: (a) responsabilidade (ou não) das concessionárias de rodovia por acidente de trânsito causado por animal doméstico na pista de rolamento; e (b) caráter objetivo ou subjetivo dessa responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões.

Tese Firmada: As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões.

Anotação: Afetação na sessão eletrônica iniciada em 24/11/2021 e finalizada em 30/11/2021 (Corte Especial) – Vide Controvérsia nº 260/STJ.

Com a fixação da tese – que confirma precedentes das turmas de direito privado do STJ –, poderão voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos para a definição do precedente qualificado.

O julgamento teve a participação, como amicus curiae, da União, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias e da Defensoria Pública da União.

Relator do recurso repetitivo, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva lembrou que o STJ tem reconhecido tanto a responsabilidade das concessionárias pelos acidentes causados pela entrada de animais domésticos nas pistas – aplicando-se a teoria do risco administrativo – quanto a incidência do CDC nessa hipótese, jurisprudência também existente no Supremo Tribunal Federal (STF).

Contratos de concessão preveem regras para a remoção de animais das pistas

Rejeitando a tese da aplicação da culpa administrativa em favor das concessionárias, o relator comentou que, no julgamento do RE 608.880, o STF definiu que a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público é baseada na teoria do risco administrativo, inclusive nos casos de omissão.

Villas Bôas Cueva comentou que, embora as rodovias sejam extensas, as atividades de fiscalização, sinalização, manejo e remoção de animais das pistas são desenvolvidas em espaço “determinado e inalterável”, sendo aplicável, ainda, o princípio da prevenção (ou seja, quando se conhecem os riscos e são exigidas medidas para combatê-los ou mitigá-los).

Exatamente em razão da previsibilidade – apontou Cueva –, os contratos de concessão incluem, de forma expressa, a obrigação de apreensão dos animais nas faixas de domínio, inclusive com a utilização de veículos apropriados.

Não seria justo submeter a vítima ao “martírio” de identificar o dono do animal

O ministro destacou que, nos termos do artigo , inciso VI, do CDC, o usuário do serviço tem o direito básico à prevenção de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

“Por isso, não seria lícito afastar a responsabilidade civil das concessionárias e submeter a vítima de um acidente ao martírio de identificar o suposto proprietário do animal que ingressou na pista de rolamento, demandá-lo judicialmente e produzir provas sobre a propriedade do semovente”, disse.

Em seu voto, Villas Bôas Cueva ainda destacou que o argumento de que caberia aos órgãos públicos a apreensão e remoção dos animais que ingressam nas rodovias não pode ser invocado para afastar a responsabilidade das concessionárias. Sobre esse ponto, ele lembrou que, nos termos do artigo 25 da Lei 8.987/1995, incumbe à concessionária responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.

O acórdão no REsp 1908738/ SP restou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CONCESSIONÁRIAS DE RODOVIAS POR ACIDENTES CAUSADOS PELO INGRESSO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS NA PISTA DE ROLAMENTO (TEMA 1.122). RESPONSABILIDADE INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA. APLICAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS PADRÕES DE SEGURANÇA PREVISTOS NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO. INSUFICIÊNCIA. TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DA SOLIDARIEDADE E DA PRIMAZIA DO INTERESSE DA VÍTIMA. APLICAÇÃO. DEVER DE FISCALIZAÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA. NÃO OCORRÊNCIA.

1. Aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor aos casos de reparação de danos oriundos de acidentes causados pelo ingresso de animais domésticos nas faixas de rolamento das rodovias objeto de contrato de concessão.

2. A concessionária responde, independentemente da existência de culpa, pelos danos sofridos pelo usuário, sem prejuízo da observância dos padrões mínimos de segurança previstos no contrato, sendo inaplicável a teoria da culpa administrativa.

3. O princípio da primazia do interesse da vítima, decorrente do princípio da solidariedade, impõe a reparação dos danos independentemente da identificação do proprietário do animal cujo ingresso na rodovia causou o acidente.

4. O dever de fiscalização dos entes públicos não afasta a responsabilidade civil das concessionárias, nos termos do art. 25 da Lei das Concessões.

5. Tese fixada: “As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões”.

(STJ, REsp 1.908.738/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 21/8/2024, DJe de 26/8/2024).

Informações Complementares à Ementa:

“[…] ainda que as rodovias sejam extensas, as atividades de fiscalização, sinalização, manejo e remoção de animais das pistas de rolamento são desenvolvidas em espaço determinado e inalterável.

Ademais, como o ingresso de animais na pista é previsível, deve ser observado o princípio da prevenção […]”.

“Considerando o princípio da prevenção, as regras contratuais que impõem a instalação de bases operacionais com distâncias máximas entre elas, bem como a realização de rondas periódicas com intervalos máximos e a previsão de tempo máximo para o atendimento de ocorrências representam apenas padrões mínimos a serem observados pelas concessionárias. Não podem, portanto, ser utilizados como balizas para a definição da responsabilidade civil pelos acidentes causados pelo ingresso dos animais nas pistas […]”

Referência Legislativa: Lei nº 8.078/ 1990 – Art , Inc VI, Art 22 – ( CDC– Código de Defesa do Consumidor); Lei nº 8.987/ 1995 – Arts  e 25 – ( Lei de Concessoes); e Lei nº 13.105/ 2015 – Art 1.036 – ( Código de Processo Civil).

Jurisprudência Citada: (Responsabilidade Civil – Concessionária de Serviço Público – Responsabilidade Objetiva) – STJ – AgInt no AREsp 1717363-PR, AgInt no REsp 1646967-RJ, AgRg no AREsp 838337-PR, STF – ARE – AgR8021677RE6624055 (REPERCUSSÃO GERAL)

(Responsabilidade Civil – Concessionária de Serviço Público – Código de Defesa do Consumidor) – STJ – AgRg no AREsp 150781-PR, AgInt no AREsp 1644216-PR, REsp 467883-RJ.

Publicado por Wander Fernandes

Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por entender que o pedido de baixa de gravame hipotecário não está vinculado ao valor do imóvel, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e confirmou a fixação dos honorários advocatícios por equidade em processo que envolveu a proprietária do bem e uma empresa do ramo imobiliário.

02/09/2024

Na origem do caso, a Justiça atendeu o pedido de cancelamento do registro de hipoteca de um imóvel, pois a dívida já havia sido quitada pela proprietária. Na ocasião, o juízo de primeiro grau definiu os honorários de sucumbência em 10% do valor atualizado da causa.

Ao julgar a apelação da empresa, o TJDFT decidiu que a verba sucumbencial deveria ser arbitrada por equidade – critério previsto no artigo 85, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil (CPC), pensado para situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, o proveito econômico da demanda é irrisório ou inestimável, ou o valor da causa é muito baixo.

Diante da fixação dos honorários em R$ 1.500, as advogadas que atuaram em favor da autora da ação recorreram ao STJ. Elas alegaram a existência de proveito econômico correspondente ao valor do imóvel (R$ 114.824), visto que sua livre fruição seria consequência da baixa da hipoteca.

Fixação de honorários por equidade tem amparo legal e jurisprudencial

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, explicou que o artigo 85 do CPC estabelece critérios predeterminados para calcular os honorários, mas cada situação deve ser analisada individualmente, observando-se, sobretudo, qual tipo de tutela é buscada (declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva).

No caso das ações mandamentais em que é impossível definir seu proveito econômico, e quando o valor da causa não refletir o benefício obtido, a ministra afirmou que deve ser aplicado o critério da equidade.

“Diante de obrigação de fazer, consistente na baixa de gravame fiduciário de hipoteca incidente sobre imóvel que foi objeto de contrato de compra e venda, devidamente quitado, o proveito econômico é inestimável. Trata-se de ação para permitir que o autor exerça plenamente os direitos inerentes à propriedade – que já possui –, sendo que não há como vincular o proveito econômico ou o valor da causa ao valor do imóvel”, observou Nancy Andrighi.

Ao negar provimento ao recurso especial, a relatora, amparada por precedentes da corte, destacou que a fixação dos honorários por equidade na hipótese analisada é adequada, “uma vez que (I) não há condenação, (II) o proveito econômico não é mensurável e (III) o preço do imóvel não serve de parâmetro para estabelecer o valor da causa”.

REsp 2.092.798

Fonte: STJ

Não incide Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a transferência de quotas de fundo de investimento por sucessão, do falecido aos herdeiros, quando elas são apenas transmitidas, sem pedido de resgate dos valores

2 de setembro de 2024

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Transferência de quotas se deu pelo valor declarado pelo falecido na declaração do imposto de renda

A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que julgou ilegal uma norma da Secretaria da Receita Federal que previu a tributação para casos de transmissão de aplicações financeiras por sucessão hereditária.

O caso envolve a transferência de quotas do falecido pai para os filhos, no momento da abertura do inventário. Eles optaram por recebê-las pelo valor constante na última Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) apresentada pelo falecido.

Nesse momento, foram informados pela instituição financeira administradora da incidência do IRRF. Para afastar a tributação, os herdeiros ajuizaram mandado de segurança, julgado improcedente pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Para a corte, a transferência de titularidade do fundo para os herdeiros autorizaria a tributação por resultar em “alteração escritural inevitável”, conforme o artigo 65, parágrafos 1º e 2º da Lei 8.981/1995.

O entendimento se baseou ainda no Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal 13/2007, segundo o qual incide IRRF nos casos de transmissão de aplicações financeiras por sucessão hereditária, mesmo sem existência de ganho de capital.

Mera transferência

Relator, o ministro Gurgel de Faria refutou essa interpretação, a partir da interpretação dada ao artigo 65 da Lei 8.981/1995. A norma diz que há incidência do IRRF no rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa.

O parágrafo 1º diz que a base de cálculo é a diferença positiva entre o valor da alienação e o valor da aplicação financeira. E o parágrafo 2º diz que a alienação compreende qualquer forma de transmissão da propriedade.

Para ele, a norma não afeta o caso da transmissão por sucessão. Primeiro porque ela se refere a casos de fundos de renda fixa, e não de investimento. Segundo, porque alienação, como ato de vontade tributável, não abrange as transferências causadas pela morte do titular.

“A transferência de bens é inerente à sucessão causa mortis mas não determina, por si só, a incidência de imposto de renda. E alienação não pode ser equiparada à transmissão hereditária”, disse o relator.

Portanto, não há regra que obrigue a incidência de IRRF sobre a mera transferência de quotas de fundos de investimento decorrente de sucessão quando os herdeiros optam pela observância do valor constante da última declaração de bens do falecido.

“Somente incide o tributo se a transferência for realizada por valor de mercado e houver diferença positiva relativamente ao valor de aquisição”, afirmou o ministro Gurgel de Faria.

Interpretação ilegal

Por esse motivo, o relator ainda apontou que o Ato Declaratório Interpretativo 13/2007 da Secretaria da Receita Federal é ilegal ao prever a incidência de IRRF para casos de transmissão de aplicações financeiras por sucessão hereditária, sem vincular à existência de ganho de capital.

Tal ato não pode criar hipótese nova de incidência de tributo, nem ampliar ou diminuir o conteúdo normativo de alguma regra já definida em lei. Caberia, apenas, esclarecer a interpretação que deve ser dada conforme o entendimento fazendário.

“De fato, não cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil inovar para determinar a tributação pelo IRRF para situação diversa da prevista em lei, quando inexiste ganho de capital”, apontou.

“Não se pode presumir antecipação de liquidação ou resgate pela transferência legítima de quotas aos herdeiros quando, na verdade, ocorre mera atualização cadastral das quotas perante a instituição financeira administradora”, concluiu.


REsp 1.968.695

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur

A ausência de ato normativo secundário não pode impedir o exercício de um direito garantido por uma lei autoaplicável.

30 de agosto de 2024

Moeda estrangeira foi retida no aeroporto devido à falta de regulamentação prevista em lei pelo Banco Central

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou a União a indenizar uma corretora de câmbio pelos prejuízos sofridos com a indevida retenção de moeda estrangeira na alfândega do aeroporto de Guarulhos.

A empresa fez uma operação de câmbio mediante conversão de moeda estrangeira em valor equivalente a US$ 4 milhões. As cédulas foram transportadas do exterior e ficaram retidas no setor de cargas do aeroporto por seis meses.

A operação foi feita com base na Lei 12.865/2013, que ampliou o rol de pessoas jurídicas habilitadas a efetuar operações de entrada de papel-moeda em solo nacional, incluindo todas as entidades autorizadas a operar no mercado de câmbio.

Essa norma alterou o artigo 65 da Lei 9.069/1996 e, no parágrafo 2º, e fixou que o Banco Central regulamentaria a regra, definindo forma, limites e condições de ingresso de moeda estrangeira no país.

Essa regulamentação nunca foi feita. Por esse motivo, a alfândega anotou a ausência de amparo regulamentar para permitir que entidade não bancária efetuasse a transação e determinou a retenção do numerário.

O dinheiro só foi liberado e passou por desembaraço aduaneiro depois que a corretora de câmbio conseguiu decisão judicial favorável, por meio de mandado de segurança. Posteriormente, ajuizou ação para cobrar os prejuízos sofridos pelo atraso.

O pedido foi julgado improcedente nas instâncias ordinárias. No STJ, por unanimidade de votos, a 1ª Turma deu parcial provimento ao recurso, conforme o voto da relatora, ministra Regina Helena Costa.

Proibiu errado

Para a ministra, a indenização é devida porque a lei, ao definir que caberia ao Banco Central regulamentar questões referentes ao ingresso da moeda estrangeira no país, não impactou a autorização dada às entidades não-bancárias para fazer essa operação.

Ou seja, a autorização para corretora de câmbios não dependia da futura e eventual regulamentação feita de forma secundária pelo Banco Central.

Um entendimento diferente, diz a ministra, significaria condicionar a eficácia do caput (a cabeça) do artigo 65 da Lei 9.069/1996 à atuação do administrador. Ou seja, a inércia do Banco Central aniquilaria a lei aprovada pelo Legislador.

“A censurável ausência de regulamento específico para pessoas jurídicas não qualificadas como bancos não constitui fundamento idôneo a legitimar a retenção do numerário importado pela recorrente”, apontou Costa.

A situação mudou com a entrada em vigor da Lei 14.286/2021, que mudou a regra de novo para, desta vez, efetivamente dar ao Banco Central o poder de dispor, mediante ato infralegal, os tipos de instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio, incluindo casos de remessa ao Brasil.

“Por qualquer ângulo de análise, há de se reconhecer a ilicitude do ato praticado por servidores da Alfândega do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, consistente na retenção do numerário objeto de importação”, concluiu a ministra.

Com o provimento do recurso especial, os autos retornam ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região para que o tribunal avalie a extensão de eventual dano e o valor da indenização.


REsp 2.073.791

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur

Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é possível o julgamento antecipado de ação de interdição com base em laudo médico unilateral. Para o colegiado, a produção de prova pericial é imprescindível para a constatação da incapacidade civil da pessoa a ser interditada.

28/08/2024

O autor da ação pediu a interdição do pai devido a um acidente vascular cerebral isquêmico que teria causado perda transitória e eventual de memória, e apresentou laudo médico como prova. Ele disse estranhar a venda de bens por preço inferior a 50% do valor de mercado e o aumento de ações ajuizadas contra o pai – inclusive com penhora de bens.

A interdição foi negada em primeira instância, pois, na entrevista do interditando em juízo, o magistrado – apesar do laudo médico – avaliou não ter sido demonstrada a sua incapacidade civil. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a decisão, entendendo que a perícia não seria indispensável para a solução do caso. 

Laudo médico produzido unilateralmente não substitui perícia médica

A ministra relatora do caso no STJ, Nancy Andrighi, afirmou que alguns precedentes do tribunal admitem que a incapacidade civil seja constatada por provas distintas da perícia, enquanto outros julgados (como o REsp 1.685.826) entendem que, nas hipóteses de interdição, é imprescindível o laudo pericial produzido após exame médico.

Diante desse panorama jurisprudencial, a relatora disse que a prova pericial é fundamental para se constatar a causa que justifique a decretação, a extensão e os limite da interdição. Para a magistrada, a perícia técnica não pode ser substituída por laudo médico produzido unilateralmente ou pela entrevista do interditando em juízo.

Por outro lado, a ministra considerou inadmissível concluir que o autor da ação não tenha conseguido provar a necessidade da interdição e, ao mesmo tempo, julgar a causa antecipadamente, retirando do autor o direito de produzir a prova pericial que poderia confirmar as suas alegações. De acordo com a relatora, a sentença fundamentada em inexistência de provas, sem que se permita a produção de novas provas, é um caso claro de cerceamento de defesa.

Ao apontar que o laudo médico juntado ao processo é inconclusivo – apresentando apenas indícios de que não haveria capacidade para a prática de atos da vida civil em virtude de lapsos de memória –, a ministra Nancy Andrighi cassou o acórdão e a sentença para reconhecer o cerceamento de defesa e determinar a produção de prova pericial, nos termos do artigo 753 do Código de Processo Civil.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

A ocorrência do crime de lesão corporal por médico exige a demonstração de que a conduta foi negligente, imprudente ou imperita. É preciso que o profissional tenha se desviado do padrão de cuidado esperado da comunidade médica científica.

28 de agosto de 2024

Perícia concluiu que procedimento médico foi condizente com a técnica esperada em situação de urgência

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trancou a ação penal ajuizada contra o médico Roberto Kalil, acusado de violência obstétrica e lesão corporal no parto da influenciadora digital Shantal Verdelho.

O caso tornou-se público pela própria vítima, que afirmou nas redes sociais ter sofrido violência obstétrica praticada pelo médico. Os vídeos do parto de sua segunda filha mostram Kalil usando expressões grosseiras e machistas, além de xingamentos.

O episódio gerou denúncia pelo Ministério Público de São Paulo, tanto pelos xingamentos quanto pelas lesões que a influenciadora sofreu na região pélvica durante o parto.

Por maioria de votos, a 5ª Turma do STJ trancou as denúncias. No caso da violência obstétrica, a questão foi alvo de queixa-crime ajuizada pela influenciadora e que acabou resolvida com transação penal. Logo, não caberia processar o médico pelos mesmos fatos. Nesse ponto, não houve divergência.

Relator, o ministro Ribeiro Dantas propôs, todavia, manter a denúncia pelo crime de lesão corporal. Venceu o voto divergente do ministro Joel Ilan Paciornik, que não encontrou indícios que evidenciem que o médico tenha se afastado da conduta correta.

Autonomia médica

O voto divergente parte da doutrina sobre responsabilidade médica segundo a qual o crime de lesão corporal exige a demonstração de que a conduta foi negligente, imprudente ou imperita. Ou seja, é preciso que exista algum desvio dos padrões esperados.

No caso, a investigação do hospital e resultado da perícia indicam que as lesões sofridas pela influenciadora são características do parto normal. A conduta do médico, por sua vez, seguiu as recomendações dos conselhos de medicina.

A influenciadora, diz o processo, se recusou a autorizar a episiotomia — um procedimento cirúrgico que poderia ter facilitado a visualização e a passagem do feto. Em resposta a essa decisão, o médico optou por outra técnica.

Segundo a perícia, não há indícios de que esse procedimento, tomado no momento de urgência, tenha causado as lesões sofridas. A conduta do médico foi considerada apropriada, dentro do contexto descrito.

“Não se pode exigir que o médico, em situação de emergência, faça um juízo exaustivo de todas as hipóteses, em prejuízo da agilidade necessária para o tratamento adequado do paciente, situação aparentemente relatada no caso concreto”, disse Paciornik.

“Importante destacar que, embora a autonomia médica seja um princípio fundamental, ela não é absoluta. No caso em tela, a análise da documentação e da narrativa da própria parturiente não permitem concluir que o médico tenha extrapolado os limites da autonomia médica.”

Formaram a maioria os ministros Messod Azulay, Daniela Teixeira e Reynaldo Soares da Fonseca, que fundamentaram seus votos principalmente na conclusão pericial de ausência de indícios de imperícia, imprudência ou negligência médica.

AREsp 2.587.582

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur

No entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tem poder normativo para restringir as ações das empresas em matéria de propaganda comercial de fármacos, especialmente quando seus atos regulamentares contrariam as regras estabelecidas na Lei 9.294/1996 e em outros atos legislativos.

26/08/2024

Para o colegiado, embora a agência reguladora tenha sido genericamente autorizada a emitir normas para assegurar o cumprimento de suas funções, no que tange especificamente à propaganda de produtos sob controle sanitário, essa competência é mais limitada, estando definida no artigo 7º, inciso XXVI, da Lei 9.782/1999.

No caso, uma empresa farmacêutica moveu ação contra a Anvisa, buscando impedir que a agência lhe aplicasse sanções relacionadas ao descumprimento da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 96/2008, que estabeleceu regras sobre propaganda, publicidade, informação e outras práticas ligadas à promoção comercial de medicamentos. Segundo a empresa, a Anvisa teria excedido sua competência ao criar restrições não previstas em lei, o que motivou o pedido para que ela se abstivesse de aplicar penalidades.

O juízo de primeiro grau decidiu parcialmente a favor da farmacêutica, suspendendo os efeitos da RDC 96/2008, por entender que a agência reguladora violou o princípio da legalidade ao editar o ato. A decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que destacou que a competência para regular a promoção comercial de medicamentos é reservada à lei federal, conforme estabelece a Constituição de 1988 (CF/88).

A agência recorreu ao STJ, sustentando que, além de muito importante para a saúde pública, sua atuação normativa é legítima, uma vez que ela tem o dever de estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações em seu âmbito de atuação, bem como de controlar e fiscalizar a propaganda de produtos submetidos a tal regime.

Anvisa deve apenas fiscalizar as práticas publicitárias

A ministra Regina Helena Costa, relatora, disse que o artigo 220 da Constituição proíbe qualquer forma de censura, mas permite que a legislação federal estabeleça restrições à propaganda comercial de produtos como tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, para proteger a sociedade de danos à saúde ou ao meio ambiente. Segundo a ministra, as limitações à propaganda de remédios estão definidas na Lei 9.294/1996, complementada pelo Decreto 2.018/1996, e têm aplicação imediata, devendo ser respeitadas por todos – o que inclui a administração pública.

De acordo com a relatora, a Lei 9.782/1999 estabelece que a atuação da Anvisa em relação aos medicamentos deve estar alinhada à legislação vigente, e, embora a agência tenha um papel regulatório importante, ela não possui o poder de legislar, cabendo-lhe apenas detalhar as regras fixadas em lei para garantir sua plena aplicação.

Contudo, na avaliação da ministra, a RDC 96/2008 tem diversas disposições cujo conteúdo ultrapassa os limites estabelecidos na Lei 9.294/1996, tais como a proibição de propaganda indireta em cenários de espetáculos e filmes; a vedação de publicidade que mostre pessoas usando medicamentos, especialmente se sugerirem características agradáveis, como sabor; a exigência de advertências, como a indicação de substâncias com efeitos de sedação ou sonolência; e a restrição ao uso de certas expressões na publicidade de medicamentos que não exigem prescrição médica.

Dessa forma, a ministra apontou que, ao editar a resolução, a Anvisa criou obrigações para os particulares, extrapolando sua atribuição de fiscalizar, acompanhar e controlar o exercício das práticas publicitárias, o que é incompatível com sua função regulatória. “São ilegais as disposições da RDC 96/2008 que, contrariando regramentos plasmados em lei federal, especialmente a Lei 9.294/1996, impõem obrigações e condicionantes às peças publicitárias de medicamentos”, concluiu ao negar provimento ao recurso especial.

Instauração de diálogo institucional

Apesar do resultado contrário à Anvisa, a Primeira Turma, de maneira inédita, entendeu necessário abrir um diálogo institucional, comunicando o resultado do julgamento ao Ministério da Saúde e ao Congresso Nacional.

Para a relatora, a iniciativa da agência foi louvável, uma vez que a legislação sobre propaganda de medicamentos precisa ser atualizada para se adequar às novas tecnologias, especialmente em razão da massificação de interações sociais pela internet e dos altos índices de automedicação constatados na sociedade brasileira.

No entanto, mesmo reconhecendo a importância da iniciativa, a ministra ponderou que as restrições efetuadas pela Anvisa não podem ocorrer sem alteração da lei.

Assim, após constatar aparente concordância entre os Poderes Executivo e Legislativo a respeito da necessidade de aperfeiçoamento das regras de propaganda desses produtos, Regina Helena Costa observou que o Poder Judiciário poderia, em diálogo institucional, comunicar a decisão aos órgãos competentes para que avaliem a pertinência de alterar as regras legais sobre a publicidade de medicamentos ou as normas que conferem poderes à Anvisa – entendimento que foi acolhido pelo colegiado.

REsp 2.035.645

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a legitimidade passiva de uma fiadora que, durante a vigência do contrato de locação por prazo determinado, pediu para ser exonerada da obrigação, alegando que havia prestado a garantia devido ao vínculo afetivo com um sócio que se retirou da empresa locatária.

26/08/2024

Segundo o processo, a locatária sofreu alteração no seu quadro societário durante o prazo do contrato de aluguel, e a fiadora notificou extrajudicialmente o locador sobre sua vontade de se exonerar da garantia. Porém, antes do término do contrato, foi ajuizada ação de despejo e cobrança de aluguéis. O juízo reconheceu a dívida, mas declarou a ilegitimidade passiva da fiadora.

O tribunal de segundo grau manteve a decisão, sob o fundamento de que, com a alteração do contrato social, não mais existiria o intuito personae que justificou a prestação da garantia. A corte também levou em conta que já havia sido enviada a notificação exoneratória ao locador.

No recurso dirigido ao STJ, o locador sustentou que não há motivo que autorize a exoneração da fiadora, a qual deve responder pela fiança durante o prazo de validade do contrato.

Notificação extrajudicial não é suficiente para a exoneração

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, embora válida a notificação extrajudicial, na locação por prazo determinado, a exoneração somente surte efeito no término da vigência do contrato ou após 120 dias da data em que o contrato é prorrogado – o que o torna indeterminado.

Conforme enfatizou a ministra, nessa espécie de contrato, embora seja admitida a notificação extrajudicial do fiador durante a sua vigência, somente haverá exoneração da garantia com o fim do prazo contratual.

“A mera notificação extrajudicial elaborada unilateralmente pelo fiador não pode ser requisito suficiente para a exoneração, sob o risco de enfraquecimento da garantia fidejussória mais utilizada no país”, completou.

A ministra apontou que, para os contratos com prazo determinado, não se aplica o disposto no artigo 40, X, da Lei 8.245/1991, que trata com exclusividade da exoneração do fiador nos contratos com prazo indeterminado.

Vínculo pessoal deve estar expresso no contrato

A relatora ressaltou que a fiadora prestou garantia à pessoa jurídica locatária, e não a um de seus sócios. Segundo observou, a alteração de quadro societário é uma situação previsível a que as empresas estão sujeitas.

Por fim, a ministra mencionou que, para que o vínculo pessoal entre o fiador e algum dos sócios da empresa afiançada fosse essencial na manutenção da garantia, ele deveria estar expresso no contrato, conforme o artigo 830 do Código Civil

REsp 2.121.585.

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o trânsito em julgado da decisão que indefere o pedido de desconsideração da personalidade jurídica impede que outro pedido semelhante seja apresentado no curso da mesma execução.

19/08/2024

De acordo com os autos, foi ajuizada uma ação de execução de honorários advocatícios contra uma empresa. O credor requereu a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, o que foi deferido pelo juízo de primeira instância.

Entretanto, a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), sob o fundamento de que estariam ausentes os requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil (CC). Em autos apartados, o advogado formulou um novo pedido de desconsideração, alegando a existência de novos fatos e documentos, o qual foi indeferido sob a justificativa da existência de coisa julgada material.

No recurso ao STJ, o advogado afirmou que o julgamento de um pedido não veda nova apreciação da desconsideração da personalidade jurídica, e, além disso, as decisões interlocutórias – como a que negou o primeiro pedido – não geram coisa julgada material.

Em regra, preclusão impede nova apreciação do pedido

A relatora, ministra Nancy Andrighi, disse que deve ser reconhecido o trânsito em julgado da decisão que analisou a desconsideração da personalidade jurídica do devedor, tornando preclusa a possibilidade de uma nova análise de pedido idêntico no mesmo processo, ainda que em autos apartados. 

A ministra ressaltou que, apesar de o acórdão recorrido citar que houve coisa julgada material, a Terceira Turma entende que o ato jurisdicional que aprecia a desconsideração da personalidade jurídica tem natureza interlocutória. Assim, a regra é que ocorra a preclusão, impossibilitando a parte de rediscutir o assunto no mesmo processo.

A relatora observou que a confusão entre os institutos da coisa julgada e da preclusão não altera a conclusão do TJMT acerca da impossibilidade de se examinar novamente o pedido de desconsideração.

Por fim, Nancy Andrighi aplicou a Súmula 7 em relação à análise do conteúdo dos supostos documentos e fatos novos indicados pelo recorrente.

REsp 2.123.732.

Fonte: STJ

Para evitar o risco de sequestro internacional de menores, a Justiça brasileira negou a autorização judicial para a emissão de passaportes para os filhos menores de uma brasileira que vive com eles na Noruega.

19 de agosto de 2024

Os irmãos nasceram no Brasil, têm dupla nacionalidade e vivem na Noruega desde 2015. Em 2017, os pais se divorciaram. Em ação judicial, ficou definido que a guarda das crianças ficaria com a mãe, sendo o pai autorizado a visitá-los.

A partir daí, o pai não concordou com a renovação dos passaportes dos filhos. Por temer que a eles viajem ao Brasil com a mãe e não voltem mais. Sem a concordância de ambos os pais, o documento não pode ser renovado.

A brasileira então ajuizou ação contra a União para pedir autorização judicial para a emissão de passaportes para seus filhos menores, em razão da negativa do pai. O pedido foi negado pelas instâncias ordinárias e pelo Superior Tribunal de Justiça.

A tentativa da mãe se baseou no parágrafo único do artigo 27 do Decreto 5.978/2006, que diz que, havendo divergência dos pais quanto à concessão do documento, caberá à Justiça brasileira ou à estrangeira legalizada dirimir a lide.

Facilitar o sequestro

O problema, segundo o ministro Afrânio Vilela, relator do caso na 2ª Turma do STJ, é que a Justiça norueguesa, quando decidiu sobre a guarda dos filhos, não se posicionou sobre a possibilidade de saída dos menores do país de domicílio.

“O acolhimento do pedido pleiteado nesta ação poderia facilitar a vinda das crianças ao Brasil sem a expressa anuência do genitor ou da autoridade judicial competente”, afirmou.

“Nesse cenário, eventual decisão judicial brasileira que supra a autorização paternal para emissão do passaporte das crianças poderia caracterizar violação aos princípios emanados pela Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças”, acrescentou.

A Convenção citada busca proteger a criança dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas — casos de sequestro internacional de menores por um dos genitores.

“Devido às peculiaridades do caso, o pedido para suprir a autorização do pai para a expedição do passaporte dos menores deve ser analisado pela Justiça Norueguesa, por envolver questões atinentes à guarda das crianças, garantindo ao genitor o direito de ingressar nos autos para exercer plenamente sua defesa e contribuir para a instrução processual”, concluiu o relator.


REsp 1.992.735

  • Danilo Vitalé correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur