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Ao definir se o banco que concede o financiamento para a compra de um imóvel pode ser arrastado para arcar com a dívida de condomínio feita pelo comprador, o Superior Tribunal de Justiça  pode estar incentivando uma crise quase tão grave quanto a da hipoteca, que arrasou o mercado imobiliário em 1980.

24 de junho de 2024

Penhora do imóvel para quitar dívida de condomínio terá impacto nas relações sociais e financeiras

O impacto negativo do julgamento sobre a possibilidade de penhorar um imóvel comprado com contrato com alienação fiduciária para quitar a taxa de condomínio é o principal fator levantado até agora pelo mercado. O tema será apreciado pela 2ª Seção.

Na alienação fiduciária, o banco dá o crédito para a compra do bem e se torna o proprietário. O comprador fica na posse e pode usufruir do imóvel, mas só recebe a propriedade depois de quitar as parcelas.

O imóvel, portanto, é a garantia real do financiamento. Se o devedor fiduciante não honrar as parcelas, a propriedade se consolida em favor do credor fiduciário (banco), que leva o bem a leilão para quitar a dívida e os encargos. O que sobrar — se sobrar — volta para o devedor.

Esse sistema, inaugurado pela Lei 9.514/1997, certamente será impactado se o STJ entender que o imóvel pode ser penhorado para quitar uma dívida em favor de quem não faz parte dessa relação: o condomínio.

A obrigação de pagar condomínio é propter rem (da própria coisa). A discussão é se o banco, que é proprietário da coisa, mas não usufrui dela, pode ser arrastado para essa relação.

Se isso não for possível, como ficam os condomínios, responsáveis pelo rateio das despesas e por garantir a manutenção e operação do próprio imóvel, em favor da valorização e preservação do bem?

Tamanho do problema

Essas crises são tão reais que o Judiciário ora pende para um lado, ora para outro. O STJ, responsável por uniformizar a interpretação do direito federal, também passou a divergir.

A 3ª Turma entende que não é possível penhorar o imóvel, mas apenas seu direito real de aquisição — ou seja, o direito de assumir a propriedade do bem, uma vez que a dívida seja quitada com o banco credor fiduciário.

Já a 4ª Turma diz que é possível a penhora do imóvel que originou a dívida, em razão da natureza propter rem da dívida condominial, a qual alcança tanto aquele que tem a posse (o devedor) como aquele que tem a propriedade (o banco).

Antonio Carlos Ferreira 2024

Antonio Carlos Ferreira é o relator do recurso que será julgado na 2ª Seção (Pedro França/STJ)

A 2ª Seção do STJ tem um recurso especial afetado para pacificar a questão. Relator, o ministro Antonio Carlos Ferreira promoveu audiência pública sobre o tema, ocasião em que ficou claro que caberá à corte observar bem a chance de crises.

A discussão se insere em um mercado de crédito imobiliário que, em fevereiro de 2024, tinha mais de R$ 1 trilhão de saldo, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Esse valor representa cerca de 10% do produto interno bruto (PIB) brasileiro.

Há um evidente impacto social, já que 40% dos tomadores de crédito estão em famílias com renda de até três salários-mínimos. E afeta principalmente a Caixa Econômica Federal, hoje a principal agente do Sistema de Financiamento Habitacional (SFH), responsável por 70% do crédito imobiliário no Brasil.

Por outro lado, os condomínios por todo o país reúnem cerca de 23,5 milhões de pessoas, com faturamento anual de R$ 46 bilhões em taxas condominiais, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio.

Levantamento da administradora BrCondos divulgado pelo Estadão mostrou que, entre janeiro de 2023 a janeiro de 2024, a média de inadimplência dessas obrigações ultrapassou 11%. Há um universo de casos em que a penhora pode ser a saída para evitar a ruína condominial.

A experiência da hipoteca

Independentemente de como o STJ definir a questão, sistema nenhum vai ruir — nem o de financiamento da habitação, muito menos o de rateio de despesas dos condomínios. Mas haverá impacto e, possivelmente, crises. E a resposta a essas crises é o mais importante.

Para os que defendem a impenhorabilidade do imóvel alienado fiduciariamente, o melhor exemplo vem da crise da hipoteca, instrumento que, até o surgimento da alienação fiduciária, era a principal garantia para o financiamento imobiliário.

Audiência Pública STJ 2ª Seção

2ª Seção do STJ promoveu audiência pública sobre o tema (Lucas Pricken/STJ)

Na hipoteca, o comprador dá o imóvel como garantia do financiamento, com o registro na matrícula junto ao cartório. Se houver inadimplência, o banco pode ajuizar a ação para requerer a propriedade do bem.

Além de ser um instrumento mais moroso e burocrático, a hipoteca ruiu no Brasil na década de 1980, em decorrência da hiperinflação e da crise que levou à extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH), então o responsável por financiar empreendimentos imobiliários.

Em 1984, quando a inflação atingiu inimagináveis 246%, a ditadura militar percebeu que os tomadores de financiamento não conseguiriam arcar com os reajustes das parcelas e do saldo devedor. Por meio de decreto-lei, limitou a correção a 112%.

A diferença ficou para ser paga pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), criado em 1967 justamente para quitar saldos remanescentes de financiamentos imobiliários concedidos pelos mutuários do Sistema Financeiro de Habitação.

O resultado foi um rombo no FCVS que persiste até hoje. Em 1994, quando o Plano Real foi criado, era de R$ 1 bilhões. Em 2023, o jornal Valor Econômico noticiou que o governo federal buscava soluções para honrar créditos que já alcançavam R$ 92 bilhões.

Nesse cenário, a criação da garantia por alienação fiduciária renovou o financiamento imobiliário, viabilizando o retorno do capital ao mercado habitacional, tudo baseado em uma grande segurança: a garantia real representada no próprio imóvel.

Melhim Namem Chalhub

Melhim Namem Chalhub participa de audiência pública no STJ (Lucas Pricken/STJ)

Crédito mais caro

Anselmo Moreira Gonzalez, pela Febraban, destacou na audiência pública no STJ que a taxa de juros do crédito imobiliário é menor hoje porque há 20 anos a lei e o Judiciário vêm dando segurança a esse sistema. Quanto melhor é a garantia, menor o custo do capital.

“Não queremos atrair para ambiente de crédito imobiliário os problemas que vimos com a hipoteca”, disse. José Carlos Baptista Puoli, que falou pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis de São Paulo (Secovi-SP) seguiu a mesma linha.

“A penhora que venha a atingir o patrimônio de quem não é devedor ou detentor da responsabilidade pelo condomínio trará problemas creditórios importantes, com a diminuição do volume de relações creditícias”, disse.

Na análise de Melhim Namem Chalhub, que representou a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o temor é que decisões equivocadas hoje, como as da década de 1980, causem impacto negativo duradouro nesse sistema.

“Vai aumentar o custo do financiamento, porque o credor vai colocar na conta a eventualidade de ele ter que desembolsar o custo do condomínio. E, ao permitir-se isso, abre-se a porta para amanhã ou depois colocar também o IPTU ou o IPVA. E tem gente que defende isso”, disse, à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Regina Céli Silveira Martins, pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), apontou que o banco financiador tem apenas uma forma de garantir a operação: usufruindo do imóvel como garantia real. Já os condomínios têm à disposição diversas ferramentas autorizadas pelo Judiciário e pela jurisprudência para cobrar a dívida.

Na prática, o banco sequer sabe que o devedor fiduciante está endividado, principalmente se ele estiver em dia com as parcelas do financiamento. “É justo o credor fiduciário perder sua garantia em razão de um condomínio não diligente?”, indagou. “É justo responder por um débito de condomínio de um imóvel que ele não pode usar e dispor?”, complementou.

Marco Aurélio Bellizze e Antonio Carlos Ferreira 2024

Marco Aurélio Bellizze participou da audiência pública organizad por Antonio Carlos Ferreira 2024 (Lucas Pricken/STJ)

A última chance

Para os condomínios, a penhora do próprio imóvel é mesmo a última chance, diante de devedores recalcitrantes. Principalmente porque a outra opção, de penhorar os direitos aquisitivos, é muito menos atrativa.

Roberto Garcia Merçon, que representou o Sindicato Patronal de Condomínios do Espírito Santo (Sipces), alertou que a possibilidade de penhora do bem é uma condição fundamental para evitar a inadimplência dos condôminos.

“Uma vez sabido dentro dessas comunidades de que o imóvel alienado fiduciariamente não vai ser mais passível de penhora, essa inadimplência vai crescer e muito”, disse.

O comprador em crise, ao perceber que terá que escolher para quem dever, perceberá que melhor será sacrificar o condomínio — justamente a entidade que faz o rateio das despesas, que é responsável pela imediata conservação do bem.

A melhor aposta é confiar no argumento vencedor na 4ª Turma: a obrigação de pagar o condomínio é ligada ao imóvel. Se há dois titulares de direito sobre a coisa — um com a propriedade, outro com a posse — ambos podem ser responsabilizados.

“O que é obrigação propter rem?”, indagou Marcus Vinicius Kikunaga, pela Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (Ad Notare). “É uma obrigação de natureza mista. É aquela que surge da coisa e obriga seu titular, seja quem for. Na alienação fiduciária, temos dois titulares de direitos reais sobre a coisa”, seguiu.

Rubens Carmo Elias Filho, por sua vez, destacou que, quando o artigo 1.368-B do Código Civil diz que o credor fiduciário só responde pela taxa condominial a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem, isso não se aplica ao condomínio.

“Ela é aplicada no acertamento de contas entre credor fiduciário e devedor fiduciante. É uma regra prevista para que, no momento em que o credor consolidar a propriedade, se defina quando ele passa a pagar ou não, inclusive para consolidação da dívida.”

Rubens falou na audiência pública em nome de três entidades: Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC-SP), a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI) e Associação Brasileira de Empresas do Mercado Imobiliário (ABMI).

REsp 1.929.926

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em julgamento sobre tutela antecipada antecedente, que a intimação específica do autor para aditar a petição inicial é necessária, não bastando a intimação sobre a concessão da medida. O colegiado também reforçou o entendimento de que o oferecimento de contestação – em vez de recurso – é suficiente para impedir a estabilização dos efeitos da tutela antecipada concedida em caráter antecedente.

24/06/2024

Na origem, um banco ajuizou pedido de tutela antecipada antecedente para bloquear, via BacenJud, o valor de quase R$ 620 mil em ativos do réu. O pedido foi negado em primeiro grau, mas concedido pelo tribunal estadual. O réu, porém, não foi intimado da decisão, pois ainda não havia sido incluído no processo.

Na audiência de conciliação designada em primeiro grau, o réu ofereceu contestação solicitando a extinção do processo por falta do aditamento à inicial, como prevê o artigo 303 do Código de Processo Civil (CPC) – pleito que foi concedido pelo magistrado e mantido pela corte de segundo grau.

No recurso ao STJ, o banco argumentou que a tutela concedida em caráter antecedente teria se tornado estável, já que não foi interposto recurso contra a decisão que a concedeu. Sustentou ainda que, a partir da estabilização, dada a ausência de interposição de recurso pelo réu, haveria dispensa do aditamento previsto no artigo 303, parágrafo 1º, I, do CPC – e, de todo modo, alegou não ter sido intimado para essa providência.

Precedentes do STJ esclarecem controvérsia sobre estabilização

A relatora do caso no STJ, ministra Isabel Gallotti, afirmou que há controvérsias quanto à estabilização da tutela antecipada antecedente, em razão do termo “recurso” constante no caput do artigo 304 do CPC, mas o STJ tem precedentes que elucidam o tema. A ministra citou o REsp 1.760.966, no qual a Terceira Turma fixou o entendimento de que a contestação é um meio de impugnação hábil para evitar a estabilização dos efeitos da tutela.

Segundo Gallotti, no caso em análise, foi demonstrado que o réu apresentou contestação, impedindo, assim, a estabilização dos efeitos da tutela – ficando prejudicada a tese do banco de que, diante da alegada estabilização, ele estaria dispensado de fazer o aditamento da inicial exigido pelo artigo 303, parágrafo 1º, I, do CPC.

No entanto, a relatora reconheceu que não houve intimação específica para o aditamento em primeiro grau, mas apenas a intimação, em segunda instância, da decisão concessiva da tutela antecipada, contando-se a partir daí o prazo para o autor aditar a petição inicial. Como, nessa ocasião, não foi possível intimar o réu – que ainda não tinha advogado no processo –, não se sabia se haveria a estabilização da tutela que poderia levar à extinção do processo.

Citando outro precedente da Terceira Turma (REsp 1.766.376), Gallotti comentou que os prazos do réu (para recorrer) e do autor (para aditar a inicial) não são concomitantes, mas subsequentes. Assim sendo, entendeu ser necessária a intimação específica para o início do prazo para aditamento da inicial.

Por fim, entendendo que a contestação impediu a estabilização da tutela antecipada concedida, a ministra Isabel Gallotti deu parcial provimento ao recurso especial e determinou o envio do processo à origem, para que o banco seja intimado, de forma específica, a emendar a petição inicial no prazo a ser assinalado pelo juízo.

Simples impugnação impede a estabilização da tutela antecipada deferida

O ministro Marco Buzzi, em voto-vista, acompanhou a solução dada pela relatora, mas expressou o entendimento de que não houve recurso nem propriamente contestação por parte do réu, e sim impugnação da antecipação de tutela – o que impediu a estabilização da demanda. Segundo o ministro, é inviável falar em contestação no caso, pois só após o aditamento à inicial é que o réu terá informações completas sobre a lide proposta; assim, o que houve foi mera impugnação ou simples comparecimento aos autos com uma petição superficial para afastar a pretendida estabilização.

Marco Buzzi disse que a doutrina e a jurisprudência têm admitido qualquer modalidade de defesa para a manifestação do réu contra a estabilização da tutela antecipada concedida, motivo pelo qual a impugnação do réu não tem de ser necessariamente mediante recurso.

De acordo com o ministro, não havendo a estabilização da tutela ante a impugnação do réu, passa-se a uma nova etapa processual – do procedimento provisório da tutela antecedente para o da tutela definitiva –, momento em que surge a necessidade de intimação específica do autor para promover o aditamento à inicial.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1938645

Fonte: STJ

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso da Fazenda Nacional contra decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) que, confirmando a sentença de primeiro grau, dispensou a apresentação de certidões de regularidade fiscal para a homologação de um plano de recuperação judicial, bem como para a renovação d​e incentivos fiscais.

21/06/2024

De acordo com o colegiado, a partir da vigência da Lei 14.112/2020, tornou-se necessário apresentar as certidões de regularidade fiscal como requisito para a homologação do plano de recuperação judicial, nos termos dos artigos 57 da Lei 11.101/2005 e 191-A do Código Tributário Nacional. No entanto, para os processos anteriores – como o caso em julgamento –, as certidões continuam sendo dispensáveis.

Um grupo empresarial teve seu pedido de recuperação deferido pelo juízo de primeiro grau, tendo sido dispensada a apresentação de certidões de regularidade fiscal para a homologação do plano. A Fazenda Nacional contestou a dispensa, mas o TJPE entendeu que a apresentação das certidões não era um requisito indispensável para a concessão da recuperação.

Ao STJ, a Fazenda Nacional alegou que a homologação do plano de recuperação não poderia prescindir da apresentação das certidões de regularidade fiscal por parte da recuperanda.

Inovações trazidas pela Lei 14.112/2020 mudaram entendimento sobre a matéria

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso, comentou que, até a edição da Lei 14.112/2020, exigir prova de quitação de todo o passivo tributário para o acesso ao procedimento recuperacional tornaria absolutamente inócuo o instituto legal, pois as dívidas fiscais atingem normalmente valores altos, cujo pagamento costuma ser impossível para as empresas em situação de crise econômico-financeira.

Contudo, segundo o magistrado, a Lei 14.112/2020 trouxe diversas medidas para facilitar a reorganização da empresa recuperanda no tocante aos débitos tributários – entre elas, o parcelamento por dez anos.

O ministro apontou que, se a decisão que determinar a comprovação da regularidade fiscal não for atendida, a solução compatível com a disciplina legal em vigor atualmente não é a convolação da recuperação em falência. Em vez disso, deve-se suspender o processo, com a consequente descontinuidade dos efeitos favoráveis à empresa, como a suspensão das execuções contra ela.

Em processos anteriores à Lei 14.112/2020, aplica-se a jurisprudência antiga

Porém, disse o relator, nos processos anteriores à vigência da Lei 14.112/2020, deve ser aplicado o entendimento jurisprudencial da época, que não admitia a exigência de comprovação da regularidade fiscal. É o que decorre do princípio tempus regit actum (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal e artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Antonio Carlos Ferreira lembrou que o artigo 52, II, da Lei 11.101/2005, em sua redação original, estabelecia que o juiz, ao deferir o processamento da recuperação, deveria determinar a dispensa da apresentação de certidões negativas para que a empresa pudesse exercer suas atividades, “exceto para contratação com o poder público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.

Segundo o ministro, naquele contexto legislativo, a jurisprudência do STJ se orientou no sentido de “mitigar o rigor da restrição imposta pela norma, dispensando, inclusive, a apresentação de certidões para a contratação com o poder público ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, a fim de possibilitar a preservação da unidade econômica”.

REsp 1.955.325.

Fonte: STJ

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu alterar a data para modulação dos efeitos da tese segundo a qual o ICMS por Substituição Tributária (ICMS-ST) não compõe a base de cálculo de PIS e Cofins.

21 de junho de 2024

Ministro Gurgel de Faria alterou marco da modulação para casar com o usado pelo STF na “tese do século” (Lucas Pricken/STJ)

Nesta quarta-feira (20/6), o colegiado deu parcial provimento aos embargos de declaração no caso e retroagiu em seis anos o período a partir do qual o contribuinte poderá aproveitar a tese favorável fixada pelo colegiado.

Modular os efeitos de uma decisão significa restringir sua eficácia temporal. Ou seja, ela passa a ter efeito a partir de uma determinada data, de forma prospectiva — dali para frente —, de acordo com as especificidades de cada caso.

O marco escolhido pelo colegiado foi 15 de março de 2017, data em que o Supremo Tribunal Federal julgou a chamada “tese do século” no Tema 69 da repercussão geral — aquele em que retirou o ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins e que também teve seus efeitos temporais modulados.

Isso significa que o ICMS-ST só pode ser excluído da base de cálculo de PIS e Cofins a partir dessa data, exceto nos casos em que o contribuinte já havia feito esse pedido administrativa ou judicialmente.

A coincidência de datas se justifica, segundo o ministro Gurgel de Faria, relator, porque há evidente identidade entre os casos. Ao decidir o caso do ICMS-ST, o STJ aplicou as mesmas razões de decidir que o STF usou para o ICMS.

A modulação é boa para o contribuinte porque aumenta em seis anos a janela temporal em que a tese pode ser plicada.

Quem pagou PIS e Cofins a mais pela indevida inclusão do ICMS-ST na base de cálculo desde março de 2017 terá, em tese, como pedir a restituição ou compensação.

O prazo prescricional para o pedido de repetição de indébito tributário é de cinco anos contados do pagamento indevido.

Bom para o contribuinte

O critério inicial usado a data de publicação da ata do julgamento da 1ª Seção no veículo oficial de imprensa, o que ocorreu em 14 de dezembro de 2023.

Esse caso marcou a primeira vez que o STJ usou a modulação temporal em casos tributários. Essa prática era restrita ao STF, mas, desde então, ganhou corpo do STJ.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a 1ª Seção modulou três posições tributárias e adotou três critérios diferentes, o que ligou alerta nos contribuintes e escritórios dedicados ao tema.

Com a mudança do critério de modulação dos efeitos para a tese do ICMS-ST na base de cálculo de PIS e Cofins, o cenário se mantém.

Outros dois critérios

A 1ª Seção modulou os efeitos de uma tese tributária pela segunda vez quando entendeu que as taxas de transmissão e distribuição de energia elétrica (Tusd e Tust) compõem a base de cálculo do ICMS.

O critério usado foi a data da decisão que fixou essa jurisprudência pela primeira vez. Isso ocorreu quando a 1ª Turma do STJ julgou o REsp 1.163.020, decidindo em 27 de março de 2017.

Quem obteve decisões até essa data para autorizar o recolhimento do ICMS sem essas taxas na base de cálculo pode continuar com esse privilégio até o dia de publicação do acórdão da 1ª Seção, o que ainda não ocorreu.

O terceiro critério foi usado quando o colegiado mudou de posição para considerar que o limite de 20 salários mínimos para o cálculo das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S deixou de existir com a edição do Decreto-Lei 2.318/1986.

O critério temporal usado nesse caso foi a data em que o colegiado começou a decidir a tese.

Isso significa que a tese não vale para as empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedido administrativo até 25 de outubro de 2023, desde que tenham obtido decisão judicial ou administrativa favorável.

Essas empresas poderão continuar recolhendo as contribuições parafiscais calculadas sobre o limite de 20 salários mínimos, mas apenas até a publicação do acórdão, que ocorreu em 2 de maio de 2024.

Esse caso gera uma linha de corte mais ampla porque, quando o STJ afetou o tema ao rito dos repetitivos, em dezembro de 2020, determinou a suspensão nacional de todos os processos sobre o tema. Ou seja, judicialmente, ninguém obteve decisão favorável desde então.

REsp 1.896.678
REsp 1.958.265

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur

A decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que determinou que não basta a mera violação do dever de revelação do árbitro para anular uma sentença arbitral deu novos contornos ao instituto, que saiu do julgamento com mais autonomia, segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

20 de junho de 2024

STJ decidiu que violação do dever de revelação do árbitro só gera anulação se ficar comprovada a influência na sua imparcialidade

O ponto é considerado sensível por embasar anulações de decisões proferidas em sede arbitral. Ainda que o tema não tenha se esgotado, o acórdão cerceou certas possibilidades do que os arbitralistas chamam de “anulação de bolso”  quando partes têm conhecimento de supostos conflitos envolvendo os árbitros indicados e guardam a informação para requerer nulidade em caso de derrota.

No caso analisado pela 3ª Turma, a parte derrotada na arbitragem acionou o Judiciário para alegar que houve ofensa ao dever de revelação do árbitro, previsto no artigo 14, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996).

O texto obriga os árbitros a revelarem, antes de assumirem o cargo, qualquer informação que possa levantar dúvida quanto à imparcialidade das suas análises.

Foram duas questões levantadas na inicial: o árbitro disse em questionário enviado pela câmara que nunca havia atuado na função anteriormente e omitiu que integrava escritório de advocacia que prestava serviços para uma empresa que depende financeiramente de uma das partes. Outro ponto citado posteriormente foi que o árbitro não informou que dividia o endereço do escritório com outra banca que atende empresa interessada.

O voto vencedor, da ministra relatora Nancy Andrighi, admitiu que houve violação do dever de revelação no caso, mas entendeu que isso não é suficiente para se anular a sentença arbitral. Essa infração tem de influenciar diretamente a imparcialidade do julgador escolhido para que haja nulidade.

Já os vencidos, ministros Humberto Martins e Moura Ribeiro, afirmaram que não cabe ao Judiciário analisar o tamanho do impacto da falha do dever de revelação. A mera desconfiança em relação ao árbitro, disseram os magistrados, já deveria respaldar anulação.

Andrighi citou expressamente que a parte derrotada na arbitragem já tinha conhecimento da violação do dever de revelação. Isso porque a omissão do árbitro foi relativa a um questionário que respondeu afirmando que não tinha experiência no ramo. Ele, no entanto, mostrou que a sua atuação em arbitragem constava em seu currículo profissional.

Nulidade e prejuízo

“A decisão do STJ está correta ao menos sob duas perspectivas. Tanto porque eventual falha no dever do árbitro de revelar não gera, necessariamente, nulidade da sentença arbitral, quanto porque reafirma o essencial posicionamento do STJ de ratificar a independência da jurisdição arbitral, mantendo no Judiciário o mero controle de legalidade nos limites postos na Lei da Arbitragem”, diz Marcelo Levitinas, sócio de Resolução de Disputas do Graça Couto Advogados.

“É exatamente isso o que preveem as Diretrizes sobre Dever de Revelação do Comitê Brasileiro de Arbitragem (‘eventual omissão não implica, necessariamente, falta de independência ou imparcialidade’, artigo 3º) e as Diretrizes sobre Conflito de Interesses da International Bar Association.”

Evelyn Barreto de Souza, professora de Direito Internacional e Resolução de Disputas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com ampla experiência em arbitragem, diz que o artigo que trata do tema na Lei de Arbitragem não pode “servir de subterfúgio para anulação de sentença arbitral pelo Poder Judiciário ou servir de via recursal para a parte perdedora.”

“O julgamento no STJ foi extremamente positivo para a manutenção da higidez e principalmente da segurança jurídica da arbitragem no país, vez que o objetivo magno do poder de revelação do árbitro, conforme a dicção da Lei de Arbitragem, é salvaguardar a imparcialidade e a independência do árbitro.”

Subjetivismo da parte

As hipóteses de imparcialidade do árbitro estão delineada na Lei de Arbitragem e seu suposto comprometimento não podem estar sujeitos às subjetividades das partes, diz o advogado Aluisio Berezowski, sócio do Tepedino Berezowski e Poppa Advogados.

“O dever de revelação não é um ato a ser exercido pelo árbitro em caráter “sacramental”, mas destituído de uma finalidade, de um “espírito”. Ele se presta tão somente a aferir se a sua parcialidade se torna ou não comprometida à luz dos institutos processuais do impedimento e da suspeição, previstos nos artigos 144 e 145 do CPC (aplicáveis ao árbitro porque juiz de fato e de direito)”, diz.

“Daí porque, mesmo quando se dá efetiva falta ao dever de revelação do árbitro, não há um comprometimento imediato e automático da sua imparcialidade.”

Gustavo José Mizrahi, sócio do escritório Böing Vieites Gleich Mizrahi Rei Advogados, diz que, a despeito de a decisão ter sido por maioria, “o julgamento representou um aceno da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça favorável à segurança jurídica das soluções de conflitos através da arbitragem”.

A advogada Daniela Poli, do Poli Advogados & Associados, aponta que a decisão reforça a confiança do Judiciário nas sentenças arbitrais, o que contribui para a previsibilidade e, consequentemente, para a segurança jurídica. Ela alerta, no entanto, para uma sensação de permissibilidade com pequenas omissões dos árbitros, o que pode ser interpretado como uma fragilidade do instituto.

“Pode surgir uma sensação de insegurança sobre a transparência do processo arbitral, já que omissões menores, mas ainda potencialmente significativas, não resultariam automaticamente na anulação da sentença. Isso poderia ser interpretado como uma permissividade em relação à completa abertura e transparência que se espera de um processo arbitral”, argumenta.

Poli afirma ainda que, ainda que a decisão seja norteadora para futuras discussões sobre o tema, a tendência é que haja aumento dos questionamentos para delimitar quais são os limites dessa omissão, ou seja, até que ponto a violação do dever de revelação coloca, ou não, em xeque a sentença arbitral.

“Acredito que haverá um aumento de litígios envolvendo questionamentos sobre a relevância das informações omitidas. Abre-se uma polêmica quanto à extensão da transparência e ao rigor das revelações exigidas dos árbitros. A linha entre uma omissão tolerável e uma que compromete a imparcialidade pode ser tênue e subjetiva, gerando debates contínuos e desafiando a consistência nas futuras aplicações dessa diretriz.”

  • Por Alex Tajra – repórter da revista Consultor Jurídico.
  • Fonte: Conjur

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência da prescrição em ação de busca e apreensão de bens financiados com garantia de alienação fiduciária. Para o colegiado, a prescrição da pretensão de cobrança não implica a extinção da obrigação do devedor e não impede a recuperação dos bens por parte do credor fiduciário em ação de busca e apreensão.

19/06/2024

Devido à falta de pagamento das parcelas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrou com ação para recuperar as máquinas adquiridas por uma empresa agroindustrial com financiamento garantido por alienação fiduciária. Mesmo notificada, a empresa não pagou a dívida e alegou que o BNDES não poderia mais cobrá-la, devido à prescrição.

O juízo de primeira instância declarou prescrita a pretensão do banco, pois já teria transcorrido o prazo de cinco anos estabelecido no artigo 206, parágrafo 5º, I, do Código Civil. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), por outro lado, entendeu que o prazo de cinco anos se aplica apenas à cobrança da dívida, não à busca e apreensão dos bens alienados. Para o tribunal regional, o prazo para busca e apreensão, nesse caso, é de dez anos, conforme o artigo 205 do Código Civil.

Ao STJ, a empresa devedora argumentou que a prescrição da cobrança também extinguiria o vínculo de garantia acessório – consistente na propriedade indireta dos bens pelo banco credor –, o que lhe permitiria manter o maquinário alienado.

A prescrição da pretensão não extingue a obrigação

O relator do caso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, esclareceu que o descumprimento das obrigações de um contrato de alienação fiduciária faculta ao credor ajuizar ação de cobrança, ação de execução (se houver título executivo) ou ação de busca e apreensão do bem dado em garantia. Para o ministro, se a pretensão de cobrança da dívida civil está prescrita, mas há outro instrumento jurídico não atingido pela prescrição que permite ao credor obter resultado equivalente, é seu direito buscar a satisfação do crédito.

Ao escolher a ação de busca e apreensão, o credor age na qualidade de proprietário, exercendo uma das prerrogativas conferidas pelo artigo 1.228 do Código Civil. Antonio Carlos Ferreira declarou ainda, citando precedente da Terceira Turma (REsp 844.098), que, diante da falta de pagamento, a posse do bem alienado fiduciariamente se torna injusta, o que autoriza a propositura da busca e apreensão.

No caso em análise – explicou o ministro –, o banco credor tem como objetivo principal a obtenção da posse direta dos bens, por meio da ação de busca e apreensão, nos termos do Decreto-Lei 911/1969. Nesse sentido, para o relator, a regra do artigo 206 do Código Civil é inaplicável à hipótese, uma vez que a ação não pretende cobrar dívidas constantes de instrumentos públicos ou privados, mas recuperar bens.

Ao negar provimento ao recurso, o ministro declarou que a prescrição da pretensão de cobrança não extinguiu a garantia real do contrato de alienação fiduciária. “O objeto principal do contrato é a obrigação pecuniária, e não a pretensão de cobrança, esta sim extinta pelo fluxo do prazo prescricional”, concluiu Antonio Carlos Ferreira.

REsp 1.503.485

Fonte: STJ

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualizou a base de dados de Repetitivos e IACs Anotados. Foram incluídas informações a respeito do julgamento dos Recursos Especiais 1.692.023, 1.699.851, 1.734.902 e 1.734.946, classificados no ramo do direito tributário, no assunto ICMS.

19/06/2024

Os acórdãos estabelecem a inclusão da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD) na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), quando lançadas na fatura de energia elétrica, como encargos a serem suportados diretamente pelo consumidor final.

Plataforma

A página de Precedentes Qualificados do STJ traz informações atualizadas relacionadas à tramitação – como afetação, desafetação e suspensão de processos –, permitindo pesquisas sobre recursos repetitivoscontrovérsiasincidentes de assunção de competênciasuspensões em incidente de resolução de demandas repetitivas e pedidos de uniformização de interpretação de lei, por palavras-chaves e vários outros critérios.

A página Repetitivos e IACs Anotados disponibiliza os acórdãos já publicados (acórdãos dos recursos especiais julgados no tribunal sob o rito dos artigos 1.036 a 1.041 e do artigo 947 do Código de Processo Civil), organizando-os de acordo com o ramo do direito e por assuntos específicos.

Fonte: STJ

Em algumas situações, o ato com potencial de deixar um indivíduo moralmente abalado vai além e atinge a coletividade como um todo. Nesse tipo de violação, pode haver a condenação pelo dano moral coletivo – que é considerado uma categoria autônoma de ressarcimento extrapatrimonial, ou seja, não representa a soma dos danos morais individuais em determinado contexto. O dano coletivo é devido quando há lesão extrapatrimonial à integridade da coletividade, de natureza transindividual.

17/06/2024

 

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o reconhecimento desse tipo de dano pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ocorreu no julgamento do REsp 1.057.274, de relatoria da ministra Eliana Calmon (aposentada), em caso de indevida submissão de idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício de passe livre. Nesse recurso especial, o tribunal reconheceu a configuração do dano moral coletivo e considerou desnecessária a comprovação de dor, sofrimento e abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicáveis quando se trata de interesses difusos e coletivos.

Diferentemente do que ocorre no dano individual, os valores das indenizações por dano moral coletivo não vão para pessoas específicas, mas para fundos ou instituições, de maneira que sejam revertidos em prol da sociedade.

Imagem de capa do card
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O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.

Crianças e adolescentes humilhados em programa de TV

O ministro Salomão relatou recurso no qual o STJ se pronunciou sobre a responsabilidade pelo conteúdo transmitido pelas emissoras de televisão. No julgamento do REsp 1.517.973, os ministros da Quarta Turma condenaram a TV e Rádio Jornal do Commercio Ltda. a pagar dano moral coletivo por humilhar menores em um quadro sobre investigação de paternidade. Para o relator, o programa contribuía para tornar crianças e adolescentes vulneráveis a discriminações e vítimas potenciais de bullying.

Segundo o processo, em um de seus programas, a emissora exibia um quadro chamado “Investigação de Paternidade”, no qual expunha a vida e a intimidade de crianças e adolescentes cuja origem biológica estava em apuração. O apresentador utilizava expressões humilhantes para se referir aos menores e à situação que vivenciavam.

Salomão explicou que a configuração do dano moral coletivo no caso estava relacionada aos “prejuízos causados a toda a sociedade, em virtude da vulnerabilização de crianças e adolescentes, notadamente aqueles que tiveram sua origem biológica devassada e tratada de forma jocosa”.

O ministro disse que o programa, ao expor imagens e nomes dos pais dos menores, “tornou-os vulneráveis a toda sorte de discriminações, ferindo o comando constitucional que impõe a todos (família, sociedade, Estado) o dever de lhes assegurar, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito e de colocá-los a salvo de toda forma de discriminação, violência, crueldade ou opressão (artigo 227 da Constituição da República)”.

Filmes exibidos fora do horário recomendado pelo Ministério da Justiça

Já no julgamento do REsp 1.840.463, a Terceira Turma negou pedido de fixação de danos morais coletivos contra a Rádio e Televisão Bandeirantes S/A por causa da exibição de filmes não recomendados para menores de 18 anos em horário diverso do indicado pelo Ministério da Justiça.

Para o colegiado, esse tipo de condenação é possível diante de abusos e violações do direito à programação sadia, desde que a conduta afronte de forma clara valores e interesses coletivos fundamentais.

Entre 2006 e 2007, a emissora exibiu quatro filmes fora do horário indicado. Um deles, não recomendado para menores de 18 anos, passou às 22h15, quando, de acordo com o ministério, programas com essa classificação só deveriam ser exibidos a partir das 23h.

O relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, mencionou que, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), a classificação indicativa não é obrigatória nem caracteriza censura prévia dos conteúdos veiculados em rádio e TV, mas tem a função pedagógica de ajudar os pais na definição do que é adequado para seus filhos.

No caso em julgamento, o relator verificou que a conduta da TV Bandeirantes, apesar de irregular, “não foi capaz de abalar de forma intolerável a tranquilidade social dos telespectadores, bem como seus valores e interesses fundamentais”.

Tratamento inadequado a idosos e gestantes merece punição pedagógica

A falta de tratamento adequado às pessoas que têm direito a atendimento bancário com prioridade pode levar à condenação por dano moral coletivo. Esse foi o entendimento da Terceira Turma ao julgar o REsp 1.221.756. O colegiado confirmou a decisão de segunda instância que impôs a um banco a obrigação de instalar caixa para atendimento de idosos, gestantes e pessoas com deficiência no andar térreo, além de pagar indenização de R$ 50 mil como reparação de danos morais coletivos.

O banco foi alvo de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro porque, em uma agência de Cabo Frio (RJ), as pessoas com prioridade precisavam subir três lances de escada, no total de 23 degraus, para serem atendidas no caixa especial. O MP considerou essa circunstância vexatória e degradante para os cidadãos com necessidades especiais.

Na avaliação do relator do caso no STJ, ministro Massami Uyeda (aposentado), era incontestável a ocorrência de dano moral coletivo, apto a gerar indenização. “Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física ou por causa transitória, como as gestantes, à situação desgastante de subir escadas, exatos 23 degraus, em agência bancária que, diga-se, possui plena capacidade e condições de propiciar melhor forma de atendimento – que, curiosamente, é chamado de prioritário”, disse o relator.

O ministro comentou que, nessas situações, a indenização por dano moral coletivo serve não apenas como reparação, mas também como uma “pedagógica punição”.

Simples exagero em propaganda não ofende valores sociais

No julgamento do REsp 1.370.677, a Quarta Turma afastou uma condenação por dano moral coletivo decorrente de campanha publicitária de ar-condicionado. Para os ministros, ao descrever o aparelho como “silencioso”, a propaganda incorreu no chamado puffing – técnica publicitária que utiliza o exagero para enaltecer certa característica do produto em comparação com outros.

“Dizer ser o aparelho silencioso, nas condições tecnológicas da época, em que os condicionadores de ar de gerações anteriores produziam mais ruído, era mero exagero publicitário comparativo”, observou o relator do caso, ministro Raul Araújo.

O recurso no STJ teve origem em ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) concluíram que a campanha teria iludido os consumidores ao atribuir uma característica inexistente ao aparelho.

No entanto, Raul Araújo afirmou que a propaganda de condicionadores de ar costuma ter razoável conteúdo comparativo e se dirige a um público que é capaz de compreender o exagero na apresentação de alguma característica.

“Em tal contexto, não se pode entrever a ocorrência de danos morais coletivos, que ficam adstritos às hipóteses em que configurada grave ofensa à moralidade pública, sob pena de sua banalização”, concluiu o ministro.

Indenização por desmatamento na região amazônica

A Segunda Turma deu provimento ao REsp 1.989.778, no qual o Ministério Público de Mato Grosso pedia o reconhecimento de dano moral coletivo resultante da derrubada de floresta nativa na região amazônica, que deveria ser preservada. O colegiado aplicou a jurisprudência segundo a qual a lesão ao meio ambiente gera dano moral in re ipsa, ou seja, que dispensa a demonstração de prejuízos.

Imagem de capa do card
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Tem-se entendido no STJ, predominantemente, que, para a verificação do dano moral coletivo ambiental, é desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado, pois o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A Justiça local condenou o responsável a pagar danos materiais, bem como a recompor o meio ambiente e a se abster de desmatar outras áreas. Para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), a condenação por danos morais coletivos não seria possível, pois isso exigiria que o fato transgressor fosse de “razoável significância” e excedesse “os limites da tolerabilidade”.

A relatora do caso no STJ, ministra Assusete Magalhães (aposentada), afirmou que a própria corte estadual reconheceu ter havido “desmatamento e exploração madeireira sem a indispensável licença ou autorização do órgão ambiental competente”, conduta que “tem ocasionado danos ambientais no local, comprometendo a qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

A ministra destacou que, uma vez constatado o dano ambiental, incide a Súmula 629 do STJ. “Trata-se de entendimento consolidado que, ao amparo do artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal e do artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981, reconhece a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente, permitindo a cumulação das obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, inclusive quanto aos danos morais coletivos”, declarou a magistrada.

Cabimento do dano moral coletivo no processo penal

A condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos também é cabível em processos de direito penal, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP). Esse entendimento foi estabelecido pela Quinta Turma no julgamento do REsp 2.018.442.

Os ministros acolheram parcialmente um recurso especial do MPF para determinar que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) retomasse o julgamento da apelação em um processo decorrente da Operação Armadeira – que apurou esquema de fraude em fiscalizações da Receita Federal –, para examinar se houve dano moral coletivo.

No processo, um empresário teve contas bancárias bloqueadas para garantir o pagamento de eventuais danos materiais, estimados em R$ 4 milhões, e de danos morais coletivos, no mesmo valor. O TRF2, porém, levantou o bloqueio relativo aos danos morais coletivos, sob o entendimento de que eventual ressarcimento a esse título deveria ser exigido em processo específico para esse fim. 

Relator do recurso especial do MPF, o ministro Ribeiro Dantas lembrou que, no julgamento da AP 1.025, o STF passou a admitir a indenização por dano moral coletivo no processo criminal.

“Restou assentado que a prática de ato ilícito, com grave ofensa à moralidade pública, ou com desrespeito aos princípios de observância obrigatória no âmbito da administração pública, com a intenção de satisfazer interesses pessoais, em flagrante violação às expectativas de toda a sociedade brasileira, enseja a responsabilidade civil dos envolvidos pelo dano moral coletivo”, completou.

Exploração de atividade ilícita também é hipótese de condenação

A exploração comercial de atividade ilícita também configura, em si mesma, dano moral coletivo. Com esse entendimento, a Segunda Turma, no julgamento do REsp 1.567.123, reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) para impor a indenização a um estabelecimento que explorava jogos de bingo.

Os juízos de primeiro e segundo graus haviam julgado o pedido de indenização improcedente, ao entendimento de que seria necessário comprovar que a atividade teria gerado abalo de natureza não patrimonial à coletividade.

Segundo o relator, ministro Herman Benjamin, a ação civil pública do Ministério Público Federal tem a dimensão coletiva de não somente reparar danos já sofridos pelos consumidores (controle repressivo), como também determinar às exploradoras de jogos de bingo e caça-níqueis obrigação de fazer, de não fazer, de informar e de indenizar, para prevenir danos futuros a outros consumidores, como autoriza o artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor (controle preventivo).

Para o ministro, no caso dos autos, era patente a necessidade de corrigir uma “lesão supraindividual às relações de consumo”, pois o dano em questão transcendia os interesses individuais dos frequentadores de bingo ilegal.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1057274REsp 1517973REsp 184063REsp 1221756REsp 1370677REsp 1989778REsp 2018442REsp 1567123

Fonte: STJ

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especializada em direito penal, aprovou mais uma súmula.

17/06/2024

As súmulas são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos e servem para a orientação da comunidade jurídica a respeito da jurisprudência do tribunal. O enunciado será publicado no Diário da Justiça Eletrônico, por três vezes, em datas próximas, nos termos do artigo 123 do Regimento Interno do STJ.

Confira a nova súmula:

Súmula 669 – O fornecimento de bebida alcoólica para criança ou adolescente, após o advento da Lei 13.106, de 17 de março de 2015, configura o crime previsto no artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o devedor solidário que faz a quitação integral do débito assume os direitos do exequente originário, podendo substituí-lo no polo ativo da execução.

14/06/2024

Após quitar integralmente uma dívida bancária que estava em processo de execução, um dos codevedores pediu a substituição no polo ativo da demanda, para que ele passasse a constar como o único credor dos demais executados. O pleito foi acolhido pelo juízo e pelo tribunal de segunda instância.

No recurso ao STJ, dois dos codevedores solidários solicitaram a extinção do processo, alegando que o pagamento ao banco teria extinguido o título executivo extrajudicial, de modo que não haveria mais nenhuma obrigação a respaldar a execução. Os devedores também sustentaram que o direito de regresso exigiria a propositura de ação autônoma, pois não seria possível exercê-lo nos mesmos autos da execução em curso.

Pagamento com sub-rogação: cumpre-se a obrigação, mas a dívida persiste

Ao negar provimento ao recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que, conforme o disposto no artigo 778, parágrafo 1º, IV, do Código de Processo Civil, o pagador da dívida adquiriu legitimidade (secundária ou derivada) para prosseguir com a execução do título extrajudicial. Nessa hipótese, a substituição do credor originário no polo ativo da demanda (sub-rogação) ocorre sem o consentimento do executado e dispensa o ajuizamento de ação autônoma de regresso.

“A desnecessidade da propositura de ação autônoma prestigia os princípios da celeridade e da economia processual, e obedece à regra de que a execução se realiza no interesse do exequente”, declarou a ministra.

Nancy Andrighi esclareceu ainda, com fundamento no artigo 379 do Código Civil e na doutrina, que, no pagamento com sub-rogação, há o adimplemento da obrigação, mas permanece vigente o dever de pagar. Isso significa que um credor sai da relação jurídica enquanto outro o substitui, mas a dívida persiste, não havendo motivo para a alegada inexequibilidade do título que dá embasamento à execução.

REsp 2.095.925.

STJ