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O índice adequado para corrigir condenações por dívidas civis, previsto no artigo 406 do Código Civil, é mesmo a taxa Selic.

7 de março de 2024

Ministro Luis Felipe Salomão suscitou a nulidade do julgamento em questão de ordem – Lucas Pricken/STJ

A definição foi feita nesta quarta-feira (6/3), pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em caso de amplíssimo impacto financeiro nas relações econômicas brasileiras.

Por 6 votos a 5, o colegiado rejeitou a proposta do ministro Luís Felipe Salomão, de afastar o uso da Selic nos casos de condenação por dívida civil. Manteve-se, assim, a jurisprudência mais recente do tribunal.

Mas há ainda um fator que pode impactar o julgamento. Ele foi retomado com voto do ministro Benedito Gonçalves, decorrente de pedido de vista coletiva, e com isso precisaria ser encerrado nessa assentada.

Excepcionalmente nessa quarta, a Corte Especial tem sessão de manhã e à tarde. Os ministros Francisco Falcão e Og Fernandes não compareceram no primeiro horário, mas indicaram que estariam presentes no segundo.

Quando o julgamento estava empatado por 5 a 5, o ministro Salomão propôs suspendê-lo para permitir que os dois colegas votassem. A ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidente da Corte Especial, negou e resolveu o caso com voto de desempate.

O ministro Salomão então suscitou questão de ordem para declarar nulo o julgamento pela não participação de dois julgadores que estariam habilitados a votar. O caso gerou discussão no colegiado e foi interrompido por pedido de vista do ministro Mauro Campbell.

Deixa como está

A posição vencedora no julgamento é a do voto divergente do ministro Raul Araújo. Ele foi acompanhado pelos ministros João Otávio de Noronha, Benedito Gonçalves, Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura.

A definição passa pela interpretação do texto do artigo 406 do Código Civil. A norma diz que, se os juros não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada, serão fixados “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

A princípio, o STJ entendeu que essa taxa seria de 1% ao mês. É o valor que o artigo 161, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional aplica para o crédito não pago no vencimento, desde que a lei não disponha de modo diverso.

Em 2008, a Corte Especial julgou o EREsp 727.842 e mudou a posição, passando a adotar a Selic, taxa básica de juros do país definida Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e principal instrumento para controle de inflação.

A confirmação dessa jurisprudência foi feita pelo ministro Raul Araújo com base em precedentes do STJ e pela interpretação das normas constitucionais e legais sobre o tema.

Em sua análise, em nenhum momento o Código Civil faz referência ao Código Tributário Nacional para tratar de correção monetária ou juros de mora no âmbito do Direito Privado. Tampouco exige que sejam previstos em índices oficiais separados e distintos.

A opção do legislador, em vez disso, foi acompanhar e harmonizar a lei com as escolhas de política econômica feita pelo Estado brasileiro ao longo do tempo. Assim, deve ser aplicada a taxa fazendária, que no momento é a Selic.

Voto divergente do ministro Raul Araújo venceu para manter posição do STJ – Lucas Pricken

Voto vencido

Relator, o ministro Salomão ficou vencido ao ser acompanhado pelos ministros Humberto Martins, Mauro Campbell, Antonio Carlos Ferreira e Herman Benjamin.

Para ele, o principal problema na adoção da Selic para corrigir dívidas civis está no fato de ela incorporar juros moratórios e correção monetária.

No campo do Direito Privado, nem sempre esses encargos correm a partir do mesmo marco temporal.

Em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Se a condenação decorrer de relação contatual, o termo inicial da contagem é a citação.

Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

Nessas hipóteses, segundo o relator, a Selic deixa de ser o índice mais adequado a ser usado. Em vez disso, admite-se o uso de 1% ao mês, como prevê o artigo 161, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional.

Ainda segundo o ministro Salomão, o uso da Selic atrai um componente grave de política judiciária. “Dever, em juízo, compensa. Protelar a dívida é vantagem. E isso só acontece aqui em nosso país. Em nenhum outro lugar mais”, criticou.

Longa tramitação

O caso concreto em julgamento trata de um acidente de trânsito em que a vítima sofreu lesão e passou a ter direito a indenização de R$ 20 mil. A autora da ação, que ainda não foi indenizada, é defendida pelo advogado Leonardo Amarante.

O acidente ocorreu em março de 2013, data a partir da qual começam a correr os juros. A sentença condenatória foi proferida em outubro de 2016, marco inicial da correção monetária.

Até julho de 2023, dez anos depois, qualquer das formas de cálculo envolvendo a Selic se mostraria mais benéfica ao devedor do que o uso de juros simples de 1% ao mês e correção monetária pelo IPCA.

Segundo cálculos do ministro Salomão, o valor atualizado, em julho de 2023, ficaria entre R$ 37 mil e R$ 46,7 mil, a depender do método usado para calcular a Selic — se pela pela soma dos acumulados mensais ou por juros composto.

Se a posição vencida prevalecesse, a aplicação de juros simples de 1% ao mês e correção pelo IPCA elevaria esse valor para R$ 51,4 mil.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a oscilação da Selic se tornou justamente um dos fatores chave para o julgamento. A tese definida impacta diversos mercados brasileiros e tem um fator de política judiciária.

Maria Thereza de Assis Moura 2024

Presidente Maria Thereza de Assis Moura rejeitou proposta de suspender julgamento à espera de ausentes – Gustavo Lima/STJ

Questões de ordem

Além de suscitar a nulidade do julgamento, o ministro Salomão suscitou outras duas questões de ordem no julgamento.

A primeira para definir qual Selic será a usada para corrigir as dívidas civis: a que usa o método dos juros compostos ou a da soma dos acumulados mensais.

Uma análise da correção pela Selic pelo método dos juros compostos, no período entre janeiro de 2002 a fevereiro de 2021, mostra que sua variação total representaria juros mensais de 2,29%.

Já a selic pela soma dos acumulados mensais, no mesmo período, sequer recomporia a desvalorização da moeda: a variação foi de 219%, abaixo da inflação no período, que foi de 237% conforme o IPCA.

A segunda questão de ordem é como aplicar a Selic nos casos em que juros de mora começam a correr em período anterior à correção monetária.

Essa é a situação do caso concreto julgado. Os juros de mora incidem a partir da citação da empresa condenada, em 21 de novembro de 2014. Já a correção monetária começa na data da sentença, em 17 de outubro de 2016.

Críticas

Até o momento, três ministros já rejeitaram as três questões de ordem: Maria Thereza de Assis Moura, João Otávio de Noronha e Nancy Andrighi.

Nos debates, o ministro Salomão apontou que, se soubesse que seria essa a situação, teria pedido para que o processo fosse levado a julgamento no período da tarde, quando os ministros Francisco Falcão e Og Fernandes estariam presentes.

“Não podemos votar e suspender o julgamento na espera de saber se um ministro virá ou não virá. Pedir a suspensão depois do julgamento concluído e proclamar uma nulidade não me parece que faça sentido”, disse a ministra Maria Thereza.

O pedido de vista do ministro Mauro Campbell se destinou a apaziguar os ânimos, mas não evitou o debate. O ministro Noronha apontou que situações como essa colocam em cheque a honorabilidade da Corte Especial.

“Temos que apaziguar. Não temos interesse na causa. Não há nulidade nenhuma. Se não estão, não participam. Se não participam, não votam. Senão vamos anular todos os julgamentos”, disse.

A ministra Nancy Andrighi concordou, ao dizer que o regimento interno precisa ser cumprido. “Ou então não precisamos de regimento. Aí criamos a regra de acordo com julgamento, com as partes, com a matéria. E vai vencer aquele que tiver mais votos.”

Repercussão

Leonardo Amarante, advogado da autora da ação indenizatória, apontou que, dada a gigantesca repercussão do caso, melhor seria se fosse resolvido com quórum máximo de ministros.

Se a conclusão pela Selic se mantiver, ele estima impacto de mais de 30% para sua cliente. Isso porque, na apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo optou por corrigir os valores usando o método do artigo 161, parágrafo 1º do CTN.

“Ela está litigando há dez anos e vai assistir sua indenização diminuir substancialmente no apagar das luzes do processo. Tem um impacto muito grande. Como o processo demora muito, a perda vai ser substancial, a depender da duração de cada caso.”

Luiz Fernando Casagrande Pereira, advogado do conselho federal da OAB no caso, diz que, se a posição for mantida, será muito ruim para o país, para a advocacia e sobretudo para a celeridade da prestação jurisdicional. A Ordem é amicus curiae (amiga da corte) nesse recurso.

“É um estimulo aos devedores para que os processos demorem mais, com uma taxa reduzida de custo por essa demora. O Conselho Federal ainda aposta que a questãoo de ordem sejráacolhida e o resultado, modificado com o voto dos ministros que não estavam no momento da conclusão anunciada pela presidência.”

REsp 1.795.982

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte:m Conjur

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começa a definir, nesta quarta-feira (1º/3), se o índice adequado para corrigir condenações por dívidas civis, previsto no artigo 406 do Código Civil, é a taxa Selic. Se a resposta for negativa, ainda será possível escolher qual encargo deve ser aplicado.

1 de março de 2023

Caso opõe uso da Selic ou da taxa de 1% ao mês para corrigir condenações civis
Freepik

O julgamento é muito esperado devido ao seu astronômico impacto econômico nas relações econômicas brasileiras. A posição a ser adotada tem o potencial de alterar o equilíbrio de setores de muito peso na economia nacional, como o bancário, de seguros e da incorporação imobiliária.

Também tem um componente de política judiciária, já que a escolha do índice de correção pode fazer com que um processo judicial e sua duração sejam mais ou menos vantajosos para o credor ou para o devedor. Isso em um país de hiperjudicialização e com 80 milhões de ações em tramitação.

A discussão não é nova. Ela remete à aprovação do Código Civil, que entrou em vigor em 2002, e tem causado uma disputa jurisprudencial no âmbito do STJ. E assim é graças à redação dada ao artigo 406, que trata dos juros legais aplicáveis nos casos de inadimplemento de obrigações.

A norma diz que, se os juros não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada, serão fixados “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

A princípio, o STJ entendeu que essa taxa seria de 1% ao mês. É o valor que o Código Tributário Nacional aplica para o crédito não pago no vencimento, desde que a lei não disponha de modo diverso. Essa previsão está no artigo 161, parágrafo 1º.

Ela ainda garantiria respeito ao limite constitucional, então vigente, de juros de 12% ao ano. Em 2003, a Emenda Constitucional 40 revogou o parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição e abriu as portas para o aumento dos juros sem o risco de sua cobrança ser conceituada como crime de usura.

Em 2008, a Corte Especial julgou o EREsp 727.842 e mudou a posição, passando a adotar a Selic. Trata-se de taxa básica de juros do país. É definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e, como principal instrumento para controle de inflação, tem impacto sobre investimentos, empréstimos e financiamentos.

E em 2011, definiu sob o rito dos repetitivos que, na execução de títulos judiciais prolatados sob a vigência do Código Civil de 1916, seria possível alterar a taxa de juros para refletir as regras do Código Civil de 2002. Esse julgamento teve menções expressas ao fato de essa taxa ser a Selic.

Ministro Luis Felipe Salomão propôs uma nova abordagem sobre o tema quando caso começou a ser julgado na 4ª Turma do STJ
CNJ

Distinguishing
Relator do recurso que será apreciado na Corte Especial, o ministro Luis Felipe Salomão já manifestou nesse mesmo processo a necessidade de alterar novamente a interpretação. Quando o caso começou a ser julgado pela 4ª Turma do STJ, propôs uma distinção, a ser aplicada nos casos de danos contratuais e extracontratuais.

O problema está no fato de a Selic incorporar juros moratórios e correção monetária. No campo do Direito Privado, nem sempre esses encargos correm a partir do mesmo marco temporal.

Em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Se a condenação decorrer de relação contatual, o termo inicial da contagem é a citação. Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

A ideia seria, em casos de dívida civil, aplicar o artigo 161, parágrafo 1º do CTN para fixar juros moratórios de 1% ao mês. Assim, a correção monetária seria independente, de acordo com índices oficiais cabíveis em cada caso. Na 4ª Turma, o julgamento foi interrompido quando o placar estava em 2 a 2. Já a 3ª Turma rejeitou o distinguishing quando julgou o tema recentemente, em 2020.

Taxa variável e imprevisível
A própria natureza da Selic tem sido alvo de disputa teórica. Em 2003, a I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 20 indicando que a taxa referida no artigo 406 do Código Civil não pode ser a Selic porque não é juridicamente segura, já que impede o prévio conhecimento dos juros.

A princípio, o ministro Salomão destacou que a Selic tem o objetivo de interferir na inflação para o futuro, não de refletir a inflação do passado. Disse que gera uma oscilação anárquica dos juros efetivamente pagos pela mora, com grandes distorções em relação ao mercado e injustiça gritante.

Em memoriais e petições enviadas ao STJ, entidades que pediram para participar do julgamento como amici curiae (amigas da corte — nem todas foram autorizadas) disputaram essa afirmação ferrenhamente.

Contrário ao uso da Selic, o Conselho Federal da OAB aponta que sua lógica é oposta ao das obrigações civis, em especial as contratuais, que servem para proporcionar segurança e previsibilidade à relação jurídica. Como submeter os juros de mora baseados em critérios externos e imprevisíveis a um instrumento usado para proporcionar segurança e previsibilidade a relação jurídica?

Julgamento está marcado para começar na Corte Especial nesta quarta-feira (1/3)
Lucas Pricken/STJ

O memorial indica que a longa tramitação do Código Civil aprovado em 2002 permitiu anacronismos. Um deles é submeter a taxa de juros a um índice variável que faria sentido em um momento de ampla instabilidade econômica. “Em uma economia estável, a previsão de uma taxa fixa é a que melhor atende às necessidades de segurança e previsibilidade das relações civis.”

Favorável à Selic, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) incluiu parecer do economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, que traz um contraponto: o estabelecimento de uma taxa variável é o que justamente permite que os juros se ajustem à realidade econômica do país. Ele defende que o conceito correto para o juro moratório é o do custo de oportunidade do dinheiro, medido através de uma taxa nominal, como a Selic.

Acrescenta, ainda, que a definição da Selic é fruto de uma política monetária — do inglês monetary policy — e não de politicagem monetária — monetary politics. A Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, por sua vez, apontou em petição que a variação da Selic concretiza — e não contraria — a justa indenização e a reparação integral, em observância aos princípios da segurança jurídica, da economicidade e eficiência.

Impacto
O tema ganha contornos apocalípticos quando trata do impacto que a definição pela Corte Especial vai gerar. A petição da CNSeg, preparada pelo escritório Bichara Advogados, traz um exemplo: uma dívida de R$ 10 mil corrigida a partir de 1º de janeiro de 2010 chegaria, em 30 de novembro de 2022, a R$30,1 mil pela Selic e R$ 53,9 mil se aplicado 1% ao mês.

Dados de 2020 mostram que as seguradoras tinham R$ 7 bilhões de provisão de sinistros judiciais a liquidar, sendo que 22% (R$ 1,57 bilhão) refereriam-se a juros remuneratórios. Trocar a Selic por 1% significaria aumentar essa conta em R$ 97,5 milhões ao mês.

O pagamento das obrigações aos clientes é garantido por essas empresas por meio aplicações financeiras. Segundo a CNSeg, não há instrumentos disponíveis no mercado financeiro permitidos pelas regras do Conselho Monetário Nacional que garantam a remuneração de 1% ao mês e atendam concomitantemente os critérios de liquidez e segurança exigidos.

Essa sinuca de bico tende a se replicar em mercados de vultosa movimentação financeira, muito sujeitos a estar na condição de credor ou devedor de condenações civis. E, segundo a Abrainc, a adoção dos juros de 1% ao mês vai “transformar o Poder Judiciário no “investimento mais rentável do mercado”.

Esse ponto é muito explorado pela OAB. A entidade aponta que, para um devedor, vai ser muito mais atrativo descumprir um contrato e fazer uso do dinheiro com que pagaria a dívida do que, em vez disso, buscar dinheiro no mercado por meio de empréstimos, nos quais as taxas de juro serão consideravelmente maiores do que a Selic.

Segundo a advocacia, não haverá estímulo à rápida solução do litígio se os juros sobre crédito objeto da ação forem regulados pela Selic. “Não é possível que a jurisprudência do STJ tolere — ou mesmo estimule — o inadimplemento de obrigações ao torná-lo economicamente atrativo”, afirmou, na manifestação enviada ao STJ.

REsp 1.795.982

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2023, 8h19