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Entregue ao Senado Federal na quarta-feira (17/4) pela comissão de juristas responsável por sua elaboração, o anteprojeto de reforma do Código Civil apresenta uma novidade importante sobre sucessões: os cônjuges deixam de ser herdeiros necessários.

19 de abril de 2024

Pelas regras atuais, cônjuges têm direito a parte da herança legítima

Pela redação atual (de 2002) do artigo 1.845 do Código, os herdeiros necessários são os descendentes (filhos e netos), os ascendentes (pais e avós) e os cônjuges.

Isso lhes garante direito a uma parte da herança legítima, que equivale a metade dos bens do falecido. Ou seja, 50% do patrimônio obrigatoriamente é destinado a todas essas pessoas e deve ser dividido entre elas.

Caso o texto sugerido pela comissão seja aprovado, o cônjuge será excluído do artigo 1.845 do Código Civil, uma medida que é bem vista por boa parte dos especialistas em Direito de Família e das Sucessões.

Regra atual

A advogada Silvia Felipe Marzagão, presidente da Comissão Especial de Família e Sucessões da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), explica que o cônjuge ou companheiro é considerado herdeiro “mesmo havendo regime de separação convencional estabelecido em vida”.

Hoje, o cônjuge só perde o direito à herança legítima se for deserdado “ou eventualmente declarado indigno”, conforme indica a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Em alguns regimes de bens, o cônjuge tem direito à meação, que corresponde à metade do total dos bens que integram o patrimônio comum do casal, adquirido em vida. Rafaella Almeida, advogada,, ressalta que a proposta da comissão não altera essa possibilidade.

Mesmo se deixar de ser herdeiro necessário, o cônjuge ainda continuará na ordem de sucessão hereditária prevista no artigo 1.829 do Código Civil. Os cônjuges ou conviventes são os terceiros nessa ordem, atrás de descendentes e ascendentes.

Isso significa que, se não houver um testamento, os bens são destinados aos descedentes e ascendentes. Na ausência deles, a transmissão é feita ao cônjuge.

Rafaella, porém, destaca que o cônjuge ainda poderia ser excluído da ordem de sucessão pelo testador, que poderia incluir tal previsão no testamento ou não contemplar o cônjuge ao dispor seu patrimônio.

Adequando o Código

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu que companheiros (de uma união estável) e cônjuges têm os mesmos direitos de herança.

Na ocasião, no entanto, a corte não deixou claro se os companheiros também poderiam ser considerados herdeiros necessários, o que gerou controvérsia. A solução encontrada pela comissão de revisão do Código Civil foi excluir os cônjuges — e, consequentemente, os companheiros — do artigo 1.845.

O presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, afirma que a proposta “vem corrigir um grande erro do Código Civil de 2002”, que abriu uma “rota das injustiças”. O advogado sempre entendeu que companheiros não são herdeiros necessários.

Maior autonomia

Silvia Marzagão afirma que a proposta da comissão é positiva, pois “amplia a autonomia do autor da herança para dispor de seus bens”. A partir da mudança, seria possível “pensar em completa dissociação patrimonial entre os cônjuges ou companheiros, tanto em vida quanto após a morte”.

Felipe Matte Russomanno, advogado, também vê a alteração com bons olhos “porque ela permite uma maior disponibilidade sobre o patrimônio e a herança como um todo”.

Rafaella Almeida concorda que “a nova redação do dispositivo visa a promover a autonomia privada do testador, caso não seja de seu interesse dispor de seus bens ao cônjuge”.

Assim, o testador poderá organizar a herança da forma que preferir, dentro dos limites da herança legítima. “O objetivo da alteração é que o casamento deixe de ser um óbice ao direito de dispor do patrimônio próprio”, assinala a advogada.

Russomanno ressalta que, além da herança legítima, também existe a disponível, correspondente à outra metade do patrimônio. A pessoa pode dispor dessa parte dos bens da maneira como quiser.

Planejamento sucessório

Outro benefício identificado por Rafaella é o estímulo ao planejamento sucessório, que se refere às estratégias de organização para a transmissão dos bens aos herdeiros.

Segundo ela, os casais “poderão endereçar as suas vontades por meio de testamentos e pactos antenupciais, a fim de que não seja necessário escalar a questão judicialmente”.

Russomanno destaca que o planejamento sucessório “tem se tornado uma prática cada vez mais utilizada no Brasil”, embora ainda não seja popular.

Mesmo se for aprovada a alteração no texto do Código Civil, quem quiser contemplar o cônjuge com patrimônio ainda poderá usar o testamento ou outros mecanismos de planejamento sucessório. “Isso não significa necessariamente um prejuízo a cônjuges, mas, sim, uma maior disposição”, pontua o advogado.

Problemas

Por outro lado, Maria Berenice Dias diz que a regra proposta pela comissão “exclui direitos que haviam sido assegurados no Código Civil de 2002”. O problema, para ela, é que normalmente o patrimônio de um casal fica no nome do homem. Na visão da advogada, isso é fruto de uma sociedade conservadora, machista e fundamentalista.

A vice-presidente do IBDFAM reconhece que o anteprojeto estabeleceu alguns direitos sucessórios ao cônjuge e ao companheiro, “mas todos transitórios”.

Outro artigo do novo texto diz que o juiz poderá “instituir usufruto sobre determinados bens da herança para garantir a subsistência” do cônjuge ou sobrevivente caso haja “insuficiência de recursos ou de patrimônio”.

No entanto, o dispositivo estipula que isso deixará de valer quando a pessoa “tiver renda ou patrimônio suficiente para manter sua subsistência” ou quando “constituir nova entidade familiar”.

Esta última condição é classificada por Maria Berenice como “um absurdo”, pois “acaba impondo um celibato a quem recebe esse eventual direito”.

Em outras palavras, o direito só vale se a pessoa “se mantiver fiel ao defunto”, sem a possibilidade de formar uma nova família após a morte do antigo cônjuge ou companheiro.

Outras mudanças

A advogada elogia um outro ponto do anteprojeto relacionado ao mesmo tema: a exclusão do direito dos cônjuges a um quarto da herança sobre os bens particulares — ou seja, bens que o outro cônjuge ou companheiro tinha antes do casamento ou da união estável, além daqueles recebidos por doação ou herança.

O artigo 1.832 do atual Código Civil garante ao cônjuge, caso seja ascendente dos outros herdeiros com quem concorrer, a reserva de um quarto da herança. A proposta da comissão acaba com essa regra.

Na opinião da vice-presidente do IBDFAM, a regra atual “sempre foi causa de um enriquecimento injustificado, porque esse patrimônio foi amealhado independentemente da participação do outro”.

O máximo que a advogada enxerga como possível é garantir ao cônjuge ou companheiro esse direito de concorrência sobre os bens adquiridos durante o casamento ou a união estável.

Segundo ela, são comuns as chamadas famílias recompostas, nas quais alguém divorciado ou viúvo se casa novamente com outra pessoa ou inicia uma união estável.

Hoje, o novo cônjuge ou companheiro fica com uma fatia dos bens particulares dessa pessoa. Isso, segundo Maria Berenice, gera conflitos e faz com que os filhos tentem impedir os pais (que tenham algum patrimônio) de constituir novos relacionamentos.

  • Por José Higídio – repórter da revista Consultor Jurídico.
  • Fonte: Conjur

Em paralelo ao julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça sobre correção de dívidas civis, a comissão de juristas responsável no Senado pela revisão do Código Civil também discute a questão. A sugestão da relatoria-geral é a aplicação dos juros de 1% ao mês.

8 de abril de 2024, 8h42

Comissão propõe definição sobre o tema enquanto STJ enfrenta julgamento polêmico

A proposta altera o artigo 406 do Código Civil. A norma atual diz que, se os juros moratórios (aplicados por atrasos em pagamentos) não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada, serão fixados “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

O STJ discute qual deve ser a taxa dentro das regras atuais. Em março, o julgamento do STJ foi interrompido por um pedido de vista do ministro Mauro Campbell Marques e por uma questão de ordem levantada pelo ministro Luis Felipe Salomão.

A Corte Especial já tem maioria de votos favoráveis à aplicação da taxa Selic, que acumula juros e correção monetária, quando não houver estipulação das partes em sentido contrário. Salomão tenta anular o julgamento devido à ausência dos ministros Francisco Falcão e Og Fernandes em uma sessão.

Para seis ministros, a taxa Selic é o índice adequado, pois é o mesmo aplicado para a Fazenda Nacional. Já Salomão e outros quatro defendem a aplicação dos juros de 1% ao mês.

Enquanto a polêmica não é resolvida no STJ, a comissão de juristas, que é presidida pelo próprio Salomão, tenta emplacar a tese dos juros de 1% ao mês. O anteprojeto de lei deve ser entregue ao Senado na próxima quinta-feira (11/4).

Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico consideram que a proposta da comissão é positiva — tanto por definir qual é a taxa a ser aplicada quanto por escolher a taxa mais adequada.

Controvérsia da Selic

Hoje, cada tribunal tem o poder de escolher qual será o índice da correção monetária, entre IPCA, IGP-M, INPC e outros. A correção se soma aos juros de mora, que são convencionados em 1% ao mês.

A principal diferença entre o uso da Selic e dos juros de 1% ao mês nos cálculos judiciais é a necessidade de acumular essa taxa com o índice de atualização monetária.

Como explica a advogada Maricí Giannico, a Selic, taxa básica de juros da economia, tem natureza mista, pois agrupa juros e correção monetária.

Ou seja, a taxa dispensa o mecanismo complexo de corrigir o valor e somar os juros a ele. De acordo com a advogada, isso significa que, caso a Selic seja adotada como regra, não será necessário um segundo cálculo para a correção monetária do valor.

Já a taxa de 1% ao mês corresponde apenas aos juros de mora. Assim, sua aplicação exige também a correção monetária, conforme o índice definido pelo tribunal.

“Algo que se questiona em relação à aplicação da Selic, e que ainda será decidido pelo STJ, é que, muitas vezes, os juros e a correção monetária não têm incidência simultânea”, explica Giannico.

Foi por isso que Salomão propôs, no julgamento do STJ, o método sem a Selic. Essa taxa não é encarada como um problema quando a indenização é referente a uma relação contratual, pois, nesses casos, é praxe que as partes convencionem os índices de correção monetária e juros.

Mas, quando o caso é de responsabilidade extracontratual, como uma ação sobre danos morais, a correção do valor e os juros de mora correm a partir de momentos distintos. Por isso, a Selic, que carrega ambos os índices de uma vez só, é vista como problemática.

Nesses casos, segundo a Súmula 54 do STJ, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso. Já o termo inicial da correção monetária é a data da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

Definição positiva

Embora a fixação da taxa de 1% ao mês contrarie o entendimento da maioria da Corte Especial do STJ, Giannico vê com bons olhos “a positivação do índice que deverá ser aplicado”. Na sua visão, isso “evita maiores discussões e divergências, gerando clareza e, nesta medida, segurança jurídica e previsibilidade”.

Para o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, que representa o Conselho Federal da OAB no processo discutido pelo STJ, o problema da regra atual é estabelecer a taxa de juros “a partir de uma cláusula aberta, que remete à legislação tributária”.

“Há dúvidas objetivas acerca de qual é o índice estabelecido pelo atual artigo 406 do Código Civil, porque a legislação tributária sobre o tema não dá resposta assertiva”, explica.

Além disso, a legislação tributária foi e é alterada com frequência ao longo dos anos, conforme a política fazendária.

Assim, Pereira vê a proposta da comissão como positiva, já que “encerra a discussão e garante maior estabilidade à taxa de juros de mora das dívidas civis”.

A opinião é semelhante à de Leonardo Amarante, especialista em responsabilidade civil e advogado da autora da ação discutida no STJ.

Segundo ele, “a indefinição de uma taxa legal, cenário que ocorre atualmente, leva a um contexto de insegurança e estímulo à postergação do adimplemento”.

Com a definição da taxa de 1% ao mês, seria possível prever o valor a ser obtido a partir da correção, “denotando-se transparência, segurança e previsibilidade a um índice fixo e bem estabelecido”.

Taxa adequada

De acordo com Pereira, “a correção pela Selic sempre resultará em um valor menor”. Na visão do advogado, isso retira do devedor o estímulo para que cumpra sua obrigação.

Segundo ele, a taxa de juros deve proporcionar ao devedor “um custo de não pagar maior do que o benefício de não pagar”. A Selic pode tornar a inadimplência mais vantajosa para o réu do que o pagamento imediato.

Pereira também ressalta que a Selic é um índice pré-fixado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Ou seja, “é um instrumento de política pública” do BC e está sujeita a interferências políticas.

A Selic também “não guarda relação direta com a desvalorização da moeda no tempo”. O advogado lembra que, durante muito tempo, a taxa foi inferior à inflação. Entre o fim de 2020 e o início de 2021, a Selic foi de 2% ao ano. Hoje, está em 10,75% ao ano.

Para Amarante, a proposta da comissão de juristas “deve ser vista com olhar positivo e esperançoso”, pois busca trazer “um índice legal estável, sem a temerosa volatilidade da Selic”. Isso garante “isonomia, segurança jurídica e eficiência a todos aqueles que possuem causas cíveis no país”.

O advogado ressalta que a aplicação de um “índice volátil” prejudica os cidadãos de forma desmedida e beneficia grandes empresas, como bancos, seguradoras e transportadoras — que são, historicamente, as maiores devedoras em Juízo.

Com a taxa de 1% ao mês, os grandes devedores ficariam sem margem para suas “costumeiras tergiversações”. Amarante afirma que as companhias se aproveitam das constantes mudanças no valor da Selic e aguardam o “momento ideal” para pagar a dívida.

“Não se pode permitir a utilização de um índice cuja função vocacional consiste no combate à inflação, porquanto essa função faz com que o próprio índice seja recorrentemente redefinido pelas autoridades monetárias”, assinala.

Futuro incerto

Amarante acredita que a proposta da comissão coloca uma “pá de cal” na discussão. Se aprovada, as partes não mais dependerão da interpretação dos tribunais sobre qual seria a taxa aplicável.

Já a advogada Maria Cristine Lindoso, acredita que, mesmo se aprovada a proposta, “haverá discussão sobre os efeitos da nova redação do artigo (já que juros são matéria de ordem pública) e da eficácia da eventual decisão do STJ para dívidas de antes da reforma”.

Tudo depende de como será a proposta final da comissão e do momento em que ela for votada — isso pode acontecer, por exemplo, depois da finalização do julgamento do STJ. Mas há um potencial debate sobre o momento de aplicação da possível nova regra.

“Certamente surgirão novas questões a serem solucionadas pela Corte acerca do regime aplicável às relações que se desenvolveram com base nas duas regras”, indica Pereira. Da mesma forma, o STJ enfrentará discussões sobre a retroatividade ou não da mudança.

Segundo ele, este “é um fenômeno inerente a qualquer reforma legislativa”. Outros pontos da reforma do Código Civil, que é ampla, também devem passar por tal processo.

Giannico destaca que a redação do novo Código Civil ainda pode estabelecer regras transitórias para aplicação de suas previsões. Isso “poderá limitar eventuais discussões sobre os índices aplicáveis aos processos já em curso no âmbito do STJ”.

De qualquer forma, a advogada entende que a definição do índice aplicável às dívidas civis “reduzirá possíveis incertezas no longo prazo, uma vez que não haverá espaço para discussão nos processos iniciados após a entrada em vigor do novo Código Civil”.

  • Por José Higídio – repórter da revista Consultor Jurídico.
  • Fonte: Conjur