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O artigo 54-A, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, acrescido pela chamada Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), veda o comprometimento do mínimo existencial por compromissos financeiros assumidos, inclusive, por operações de crédito.

24 de janeiro de 2023

TJ-SP limita descontos em conta a 35% da renda líquida de cliente endividada
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Com base nesse entendimento, a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que um banco limite os descontos efetuados na conta de uma cliente, que contraiu empréstimos pessoais. Pela decisão, as parcelas devem se limitar a 35% da renda líquida da consumidora. 

Segundo os autos, a autora contratou empréstimos junto ao banco, mas alegou que as parcelas, descontadas diretamente de sua conta, estariam comprometendo sua subsistência. As parcelas, conforme a consumidora, correspondem a 60% do valor de sua aposentadoria. Por isso, ela acionou o Judiciário para limitar os descontos.

Ao restringir os débitos a 35% dos vencimentos líquidos da autora, o juízo de origem afirmou que, embora o Decreto 11.150/2022 ainda esteja em vigor, não havendo parâmetro formal para calcular um mínimo existencial, a parcela correspondente a 60% da renda não pode ser considerada razoável. 

Em votação unânime, o TJ-SP manteve tal determinação, pois o relator, desembargador César Zalaf, considerou que a fundamentação jurídica do pedido da autora é justamente seu superendividamento, nos termos do parágrafo 1º do artigo 54, do CDC, incluído pela Lei do Superendividamento.

“Referido preceito legal trouxe ao consumidor endividado um ‘tratamento’ (plano de pagamento para saldar sua dívida), através da revisão e repactuação da dívida, especialmente pela conciliação. Necessário se faz o dever de boa-fé do credor em cooperar com o devedor para que o objetivo final seja alcançado, o pagamento. Em contrapartida, também se exige boa-fé contratual do consumidor.”

Segundo o magistrado, não se está a dizer que as obrigações regularmente contratadas não devam ser corretamente adimplidas, mas apenas que a pessoa superendividada, hiper vulnerável e premiada pela oferta indiscriminada de crédito, sem controle prévio de sua verdadeira capacidade de endividamento, deve ser objeto de proteção específica, dentro do microssistema de defesa do consumidor.

“O pedido da autora pode ser atendido, utilizando-se fundamentação nesse sentido, sem que isso represente violação ao princípio da adstrição. Desse modo, a situação descrita nos autos encontra guarida no ordenamento jurídico, por meio da recente alteração do Código de Defesa do Consumidor havida pela Lei 14.181/2021 normativa expressamente referida na petição inicial”, completou Zalaf.

Diante do conflito entre os princípios da livre autonomia e do mínimo existencial, o relator disse que prevalece a proteção ao consumidor, que também é uma garantia constitucional fundamental: “Admitir a possibilidade da integralidade dos descontos mensais representaria o comprometimento de grande parte dos vencimentos líquidos da autora, levando à impossibilidade de provimento de sua subsistência mínima.”

Além disso, o magistrado afirmou que os descontos integrais violam o princípio da dignidade humana, condenando “a mutuária a um estado de quase de semiescravidão, o que, por óbvio, não pode sequer ser concebido”. Por outro lado, Zalaf reformou parte da sentença de primeiro grau para afastar a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15 mil.

“Os fatos alegados como ensejadores da ofensa não são capazes de enquadrar a situação ao patamar de efetivo dano extrapatrimonial, na medida em que sequer demonstrados quaisquer abalos ou prejuízos impostos por força das cobranças implementadas. Além disso, o contrato, foi livremente pactuado entre as partes, inexistindo ofensa aos direitos da personalidade da autora”, concluiu.
Processo 1002644-46.2022.8.26.0318

*Por Tábata Viapiana – repórter da revista Consultor Jurídico.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de janeiro de 2023, 7h44

Gelcy Bueno Alves Martins

A Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/21), em vigor desde julho de 2021, regulamentada pelo Decreto nº 11.150 de 27 de julho de 2022, permite que o consumidor comum e de boa fé, afetado por dívidas que a cada dia aumentam mais em decorrência das altas taxas de juros cobradas e acrescidas, muitas vezes, de multas abusivas, tornando-se uma verdadeira “bola de neve”, possa negociar com seus credores de forma judicial, um plano de pagamento que não comprometa todo ou grande parte de seu orçamento, praticamente sem juros e no máximo em 60 parcelas.

O “espírito” da lei, recém-regulamentada, é oferecer a solução para reorganizar a saúde financeira do consumidor endividado. Com a ajuda do Poder Judiciário, todos os débitos podem ser ajustados de uma forma que o consumidor consiga pagar. Em outras palavras, a Lei do Superendividamento impõe como direitos básicos do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável e a prevenção das situações de superendividamento, além da revisão e repactuação de dívidas de forma justa e equilibrada, evitando-se a perpetuação dessa dívida. Foca, em suma, a proteção do mínimo existencial (art. 6º, XII, e 54-A, § 1º, do CDC). Não alcança, pois, situações em que esse mínimo existencial está a salvo.

Lembrando que o mínimo existencial não se restringe apenas a garantir a existência física da pessoa, nem mera sobrevivência, mas, igualmente, garantir as condições para uma vida digna, livre e participativa, em respeito aos princípios constitucionais, especialmente ao da liberdade.

As dívidas abrangidas pela nova lei englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada (art. 54 A, § 2º do CDC). Não englobam, todavia, as dívidas que tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor (art. 54 A, § 3º do CDC).

Com a nova lei, o consumidor passa a ter condições mais justas de negociação, maior transparência nas informações para fornecimento de crédito e vendas a prazo, garantia do mínimo existencial e educação financeira.

Em suma, a nova lei buscou impedir ofertas abusivas de crédito a cidadãos vulneráveis, que não são capazes de arcar com suas dívidas sem comprometer a renda necessária para sobreviver — o chamado mínimo existencial.

Com relação ao “mínimo existencial” estabelecido pelo Decreto 11.150/2022, há muita discussão, visto que hoje esse valor equivale a R$ 303, insuficiente para garantir as condições para uma vida digna, livre e participativa como pretendeu a Lei do Superendividamento.

Gelcy Bueno Alves Martins, de Murray – Advogados, PLG International Lawyers, website www.murray.adv.br

29/07/2022

Foi publicado no dia 26/07/2022 o Decreto nº 11.150/2022 que regulamenta a lei nº 14.181/2021, que inseriu dispositivos no Código de Defesa do Consumidor para disciplinar a situação do consumidor superendividado.

A nova lei trouxe uma série de novidades, como a possibilidade de o consumidor solicitar, de forma administrativa ou judicial, a repactuação de suas dívidas, de modo a preservar o mínimo existencial de sua renda.

Estabeleceu como regra para a repactuação a necessidade de a dívida ser contraída por pessoa natural (exclui as jurídicas) na condição de destinatária final, ou seja, a dívida foi feita para fins pessoais do consumidor. Foi excluída as dívidas “oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.” (Art. 104-A, § 1º, CDC).

O Decreto auxilia nesse processo de desafogo do consumidor, ao já trazer, em seu art. 2º, a definição do que é o consumidor superendividado:

Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial.

E o conceito de dívidas de consumo no parágrafo único, do art. 2º:

Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se dívidas de consumo os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final.

O Decreto também presta um desserviço, ao estabelecer em seu art. 3º o que é o mínimo existencial:

No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.

Hoje o salário mínimo é de R$1.212,00, o mínimo existencial seria de apenas R$303,00. O próprio salário mínimo integral não é o suficiente para se atender a todas as necessidades do indivíduo, sendo em muito dos casos a causa do superendividamento, de modo que considerar que 25% de seu valor ser o mínimo existencial é um disparato.

A redação correta para esta situação deveria considerar como mínimo existência a quantia de 65% da renda do consumidor, limitado ao teto de dois salários mínimos, o que seria um valor condizente tanto para a subsistência do consumidor como para honrar com o pacto celebrado.

O Decreto nº 11.150/2022 entra em vigor 60 dias após a sua publicação, ocorrida em 26/07/2022.

*Por Milton Ruiz JuniorPRO

Fonte: Newsletter Jurídica Sintese