4 de março de 2022
Prisioneiros condenados à prisão perpétua em Rhode Island, EUA, ressuscitaram… civilmente. O Tribunal Superior do estado revogou a “lei da morte civil” — uma lei centenária (de 1909), que declarava pessoas condenadas à prisão perpétua “civilmente mortas” em todos os aspectos, em termos de direitos civis.
A corte decidiu, por 4 votos a 1, que a “lei da morte civil” é inconstitucional. Segundo a decisão, a norma viola os dispositivos constitucionais que garantem a igualdade perante a lei e o devido processo, bem como a garantia ao direito fundamental de acesso às cortes, previsto na Constituição do estado.
Essa lei, considerada arcaica e “uma ficção medieval no mundo moderno”, estava em vigor apenas em Rhode Island (depois de ter sido revogada em Missouri, em 1976). Ela impedia condenados à prisão perpétua de mover qualquer tipo de ação contra o estado, o Departamento de Correições ou quaisquer outras entidades.
Textualmente, ela diz: “Toda pessoa em instituição correcional para adultos, condenada à prisão perpétua, deve, com respeito a todos os direitos de propriedade, aos laços matrimoniais e a todos os direitos civis e relações de qualquer natureza, seja o que for, ser considerada morta em todos os respeitos, como se a morte natural tivesse ocorrido na data da condenação.”
Dois processos foram rejeitados por um juiz de primeiro grau por essa razão, segundo o The Providence Journal, o The Sun e o site da American Civil Liberties Union (ACLU). Mas os autores das ações, os prisioneiros Cody-Allen Zab e Jose Rivera, representados pela advogada Sonja Deyoe, que luta há 10 anos contra essa lei, e pela ACLU, recorreram ao Tribunal Superior do estado, que teve outra opinião:
“A lei da morte civil priva as pessoas encarceradas nas prisões estaduais pelo resto de suas vidas o direito de mover ações civis nas cortes estaduais. Está claro para nós que o direito violado pela lei da morte civil é o direito de buscar reparação por qualquer tipo de lesão ou queixa, negando inconstitucionalmente, portanto, o direito dos demandantes de ter acesso às cortes”, escreveu a ministra Erin Lynch Prata na decisão da maioria.
O procurador do estado sustentou a constitucionalidade da lei da morte civil com o argumento de que ela promove o interesse governamental, por impor uma sanção adicional aos piores criminosos do estado e cumprir os objetivos de punição e prevenção da criminalidade.
No único voto dissidente, a ministra Maureen Goldberg argumentou que qualquer revogação de lei deve estar sob o domínio dos legisladores estaduais. “Em minha opinião, porque os fatos desse caso não justificam a usurpação do poder legislativo, esta corte deveria dar à Assembleia Legislativa a oportunidade de examinar as preocupações constitucionais que a maioria levanta, como fizemos em casos passados.”
A ministra alegou ainda que a revogação dessa lei “vai abrir desnecessariamente as comportas para ações frívolas movidas por prisioneiros”.
Zab, 36, foi condenado por homicídio de primeiro grau e por provocar um incêndio que matou um homem de 95 anos, que não tinha nada a ver com sua disputa por dívida de drogas. Rivera, 63, foi condenado por estupro de três passageiras deficientes, quando era motorista em um serviço de transporte.
De acordo com o Departamento de Correções do estado, Rhode Island mantém 233 prisioneiros condenados à prisão perpétua. Desses, 31 não têm direito à liberdade condicional e 202 têm direito à liberdade condicional (e, provavelmente, à ressurreição).
Fonte: Revista Consultor Jurídica