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2ª seção analisa desconsideração da personalidade jurídica pela mera inexistência de bens penhoráveis e/ou encerramento irregular de atividades empresariais .

 

 

 

7 de novembro de 2025

A 2ª seção do STJ iniciou o julgamento do tema 1.210, que trata da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em casos de mera inexistência de bens penhoráveis e/ou encerramento irregular das atividades empresariais.

Após voto do relator, ministro Raul Araújo, pela impossibilidade de aplicação da desconsideração, em conformidade com a teoria maior do instituto, a análise foi suspensa por pedido de vista da ministra Nancy Andrighi.

Entenda

O caso envolve recurso interposto contra acórdão que confirmou decisão de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária, com fundamento na ausência de bens penhoráveis e no encerramento irregular das atividades da empresa.

O tribunal de origem entendeu que a ausência de bens e o encerramento irregular da atividade permitiam presumir o abuso da personalidade jurídica sem discussão sobre desvio de finalidade ou confusão patrimonial, critérios exigidos pela aplicação da teoria maior do instituto.

Nos REsps 1.873.187 e 1.873.811, o STJ foi chamado a uniformizar a jurisprudência, estabelecendo os parâmetros da teoria maior da desconsideração, prevista no art. 50 do CC, e analisando a possibilidade de se presumir o abuso sem prova concreta.

Sustentação oral

Em sessão nesta quinta-feira, 6, o advogado Eduardo Marques de Souza Costa Junior, representando a Conaje – Confederação Nacional dos Jovens Empresários, amicus curiae no processo, defendeu a importância de preservar a segurança jurídica dos empreendedores.

Ele destacou que a desconsideração não pode ocorrer pela simples inexistência de bens ou dissolução irregular, pois isso colocaria em risco a lógica da responsabilidade limitada.

O advogado sustentou ainda que o art. 50 do CC contém um rol taxativo, que só permite a desconsideração diante de abuso da personalidade jurídica, comprovado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, sendo que qualquer ampliação dessas hipóteses só poderia ser feita por iniciativa do Poder Legislativo.

“Nós não podemos entender a dissolução irregular ou a mera insolvência como uma das hipóteses ensejadoras para essa desconsideração da personalidade jurídica, sob pena de nós colocarmos em risco toda essa previsibilidade de mercado e essa responsabilidade limitada dos sócios”, afirmou.

 (Imagem: Freepik)

STJ analisa critérios para desconsideração da personalidade jurídica sem prova concreta de abuso.(Imagem: Freepik)

 

 

Voto do relator

O ministro Raul Araújo votou pelo afastamento da desconsideração da personalidade jurídica, por entender que o tribunal de origem a reconheceu com base apenas na ausência de bens penhoráveis e no encerramento irregular da empresa, sem a devida comprovação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

O relator afirmou que a medida é excepcional, e que a jurisprudência consolidada do STJ adota a teoria maior da desconsideração, que exige prova concreta de abuso.

“A jurisprudência consolidada do STJ adota a teoria maior da desconsideração, que exige prova robusta de abuso, afastando a presunção de abuso com base apenas na insolvência ou encerramento irregular”, destacou o ministro.

Nesse sentido, propôs a fixação da seguinte tese repetitiva:

“Nas relações jurídicas de direitos civis e empresarial, a desconsideração da personalidade jurídica requer a efetiva comprovação de abuso da personalidade jurídica caracterizado por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, nos termos exigidos pelo art. 50 do CC, sendo insuficiente a mera inexistência de bens penhoráveis ou o encerramento irregular das atividades da sociedade empresária.”

Pedido de vista

A ministra Nancy Andrighi pediu vista dos autos para examinar mais detidamente os critérios objetivos que poderiam ensejar a desconsideração.

S. Exa. observou que, pela proposta, seriam necessários dois requisitos cumulativos para a aplicação da medida: a inexistência de bens penhoráveis e o fechamento irregular ou indevido da empresa.

“É preciso haver cumulativamente esses dois requisitos. Primeiro, não ter bens penhoráveis. Segundo, ter fechado a empresa de forma irregular ou indevida. Somando esses dois, se defere a desconsideração da personalidade jurídica”, afirmou.

A ministra ponderou, contudo, que a interpretação dos requisitos exige cautela, pois, se fossem considerados de forma excessivamente restritiva, haveria risco de facilitar fraudes empresariais:

“Se nós escrevermos na tese que é suficiente esses dois requisitos e eles têm uma feição objetiva, ninguém mais vai pagar conta no Brasil, porque basta fechar a empresa irregularmente, desocupa o imóvel, aluga o outro e pronto, começa de novo. Não ter bens é muito fácil, todo mundo limpa.”

Ao encerrar sua manifestação, Nancy ressaltou a necessidade de refletir mais sobre o modelo adotado e pediu vista para “meditar um pouco melhor” sobre o fato.

Teoria maior x menor

Acompanhando o debate, ministra Daniela Teixeira destacou a importância de delimitar claramente o alcance da tese, lembrando que, por se tratar de julgamento em repetitivo, a 2ª seção estava discutindo apenas a teoria maior da desconsideração, e não a teoria menor.

Daniela observou que o STJ, especialmente na 3ª turma, aplica a teoria menor em situações específicas, como nas relações de consumo, para proteger os hipossuficientes em contratos assimétricos.

“A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica é aplicada em situações específicas, como nas relações de consumo, onde a mera demonstração de insolvência ou prejuízo ao credor pode justificar a superação do véu corporativo, conforme o previsto no art. 28, §5º, do CDC.”

Assim, ressaltou a importância de preservar a coerência da tese sem comprometer a aplicação da teoria menor nas hipóteses previstas em lei, sugerindo que, após a redação proposta pelo ministro Raul Araújo, fosse incluída a ressalva “salvo nos casos previstos no art. 28, § 5º do CC”, relativo à teoria menor da aplicação do instituto.

Teorias do instituto
No Direito brasileiro, a teoria maior e a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica representam dois critérios distintos para afastar a autonomia patrimonial da empresa e alcançar os bens dos sócios.

A teoria maior, adotada pelo CC exige a comprovação efetiva de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial. É aplicada principalmente em relações empresariais e civis, e seu objetivo é preservar a segurança jurídica, evitando que a desconsideração ocorra de forma automática ou sem prova concreta de fraude.

Já a teoria menor, prevista no art. 28, §5º, do CDC, é mais flexível e voltada à proteção dos hipossuficientes. Nela, basta a demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou prejuízo ao credor para permitir a desconsideração, mesmo sem prova de abuso. Essa teoria é utilizada em contextos consumeristas ou de relações assimétricas, nas quais se busca equilibrar a relação entre as partes.

Processos: REsps 1.873.187 e 1.873.811

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/443953/encerramento-irregular-por-si-so-enseja-desconsideracao-stj-julga

Ao admitir honorários de sucumbência nos casos de indeferimento da desconsideração da personalidade jurídica, o Superior Tribunal de Justiça evita que esse incidente se transforme em meio ordinário para cobrança de dívidas.

19 de fevereiro de 2025

mulher anotando dívidas em frente ao computador

Previsão de condenação ao pagamento de honorários faz com que uso do IDPJ seja mais consciente

Essa análise é de advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a respeito do julgamento da Corte Especial do STJ sobre o tema. Eles elogiaram a posição por incentivar o litígio responsável, por meio de uma medida que deve ser tomada como excepcional.

O objetivo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) é fazer com que os sócios ou administradores de uma empresa respondam pela dívida dela quando ficar provado que serviram para ocultar bens ou valores.

Quando a personalidade jurídica é desconsiderada, os sócios passam a responder pela dívida e são integrados ao polo passivo da execução.

Por outro lado, se o juiz entender que não houve confusão patrimonial e recusar a desconsideração, então os sócios terão sido chamados ao processo de maneira indevida, o que gera o dever de pagar honorários de sucumbência.

O IDPJ tem cabimento restrito, mas uso cada vez mais disseminado. Dados do Conselho Nacional de Justiça indicam que, em 2024, havia 19.913 deles em trâmite — 8.593 (43,1% do total) na Justiça do Trabalho, a quem caberá decidir sobre a incidência de honorários.

Meio excepcional

Segundo Daniella Spach Rocha Barbosa, sócia do escritório Ambiel Advogados, é comum que IDPJs sejam requeridos por credores antes mesmo de esgotados os meios corriqueiros de busca de patrimônio da empresa devedora.

Nesses casos, a ameaça ao patrimônio dos sócios serve como forma de constrangimento em busca de acordo ou como mera tentativa, no melhor estilo “vai que cola”. Para ela, o incidente não deve ser visto como uma medida cabível para recuperar o crédito.

“É medida excepcional e pode e deve ser tratada como tal, sob pena de desvirtuar todo o ordenamento jurídico e desincentivar a própria realização de negócios e de contratos. A personalidade jurídica distinta das sociedades é um dos pilares fundamentais do Direito Empresarial, de suma importância para os negócios, e somente o seu desvirtuamento para fins ilícitos é que deve ser combatido pelo Poder Judiciário.”

Paulo Akiyama, do Akiyama Advogados Associados, destaca a complexidade da busca por elementos concretos que comprovem a utilização da pessoa física como meio de blindagem patrimonial ou desvio de recursos da pessoa jurídica — procedimento que, por vezes, leva anos. “Portanto, o pedido de IDPJ deve ser formulado com responsabilidade.”

Para ele, no entanto, a simples improcedência do IDPJ não deve gerar honorários de sucumbência, por não haver prejuízo ao processo ou aos sócios. A condenação só deve surgir se o trâmite for acatado, o que levará a apresentação de defesa, mobilização de advogados e constrangimento.

“Se o indeferimento do IDPJ não alterar substancialmente o curso do processo, a imposição de honorários não se justifica. No entanto, se a decisão sobre o IDPJ envolver questões de mérito relevantes, a fixação de honorários pode ser cabível, com fundamento nos princípios da causalidade e da sucumbência ponderada.”

Função pedagógica

A corrente vencedora na Corte Especial, encabeçada pelo relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, e pelo voto vogal da ministra Nancy Andrighi, destacou justamente a função pedagógica da condenação ao pagamento de honorários de sucumbência.

Segundo a magistrada, essa imposição é condizente com o caráter do CPC de 2015, que passou a permitir o fracionamento do julgamento de mérito dos processos. Resolve-se uma parte da ação, o que basta para gerar a sucumbência.

Para Matheus Cannizza, coordenador da área de Contencioso Estratégico do Diamantino Advogados Associados, essa causalidade basta para justificar a posição do STJ. Para ele, nada mais justo do que aquele que deu causa ao IDPJ e sucumbiu suporte o ônus da sua derrota.

“A possibilidade de condenar aquele que sucumbiu representa, em verdade, medida necessária para evitar litígios aventureiros e possibilitar que os IDPJs sejam distribuídos com a devida cautela e responsabilidade.”

“É a regra do jogo: aquele que inaugurou o litígio deve se responsabilizar pelo custeio da verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado para litigar em juízo”, acrescenta Cannizza.

Em sua opinião, não é razoável dizer que a condenação ao pagamento da verba representa uma oneração excessiva ao credor. O argumento foi sustentado no voto vencido do ministro João Otávio de Noronha.

Credor desprecavido

Para o magistrado, falta uma lei que preveja honorários em IDPJ. O voto ainda apontou que a imposição feita pela maioria causará um esvaziamento do incidente, que deixará de ser utilizado por credores com menor capacidade financeira ou créditos de menor valor.

Segundo Noronha, isso pode reduzir a recuperação da dívida no Brasil, afetando a confiança e a eficácia do mercado de crédito, o que culminaria no aumento do spread bancário e na redução da oferta de crédito. Em suma, haveria impacto na economia.

Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados, minimiza o risco ao ponderar que quem concede crédito deve se precaver um pouco mais, sem precisar contar com o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica do devedor.

“A limitação da responsabilidade pela dívida tem uma função econômica, que é promover o negócio. Se o banco concedeu o crédito de maneira defeituosa, talvez ele tenha de arcar com a consequência de não ter se precavido e buscado coobrigações ou garantia real.”

Em sua análise, no Brasil, desconsidera-se a personalidade jurídica com muita facilidade. “É preciso fundamentação muito robusta e clara. A desconsideração só deve acontecer quando estiver muito evidente a confusão patrimonial e não houver outro caminho a ser seguido. Deve haver a sucumbência justamente para evitar pedidos frugais e sem mérito.”

Clique aqui para ler o voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
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REsp 2.072.206

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
  • Fonte: Conjur