Corte analisa se cobrança da contribuição sobre cost sharing com empresa estrangeira é constitucional.
30 de maio de 2025
Nesta quinta-feira, 29, o plenário do STF retomou o julgamento sobre a constitucionalidade da cobrança da CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – incidente sobre remessas ao exterior, conforme discutido no tema 914 da repercussão geral.
Ministro Luiz Fux, relator da ação, votou pela validade da contribuição, mas com ressalvas quanto ao seu alcance.
Para S. Exa., são inválidas as remessas destinadas a finalidades diversas da remuneração pela exploração de tecnologia estrangeira, como aquelas referentes a direitos autorais, por configurarem ampliação indevida da hipótese legal de incidência.
Ministro Flávio Dino também considerou constitucional a cobrança da CIDE, mas divergiu do relator ao admitir a validade das remessas com destinação mais ampla.
Para Dino, trata-se de uma opção legítima do legislador, não havendo violação constitucional na previsão de outras finalidades para a contribuição.
O julgamento foi suspenso devido ao adiantado da hora e deve ser retomado na próxima semana.
Caso
O recurso foi interposto pela Scania Latin America Ltda., que contesta acórdão do TRF da 3ª região que manteve a cobrança da CIDE sobre valores remetidos ao exterior em razão de contrato de cost sharing firmado com a matriz sueca, Scania AB, com finalidade de pesquisa e desenvolvimento.
A empresa alega violação ao princípio da isonomia, sustentando que as isenções previstas na legislação tributária criam distinções injustificadas entre contribuintes em situação equivalente.
Para o TRF, contudo, o contrato envolvia transferência de tecnologia, atraindo a incidência da contribuição conforme o ordenamento vigente, sem afronta à isonomia.
Voto do relator
Ao proferir voto, ministro Luiz Fux traçou panorama do histórico legislativo e da base constitucional da CIDE-Royalties, reafirmando sua legitimidade como contribuição de intervenção no domínio econômico, nos termos do art. 149 da CF.
Segundo o relator, a contribuição foi instituída com a finalidade específica de financiar programas de pesquisa científica e inovação tecnológica, por meio do FNDCT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Trata-se, portanto, de um instrumento voltado ao desenvolvimento nacional, em consonância com os princípios da ordem econômica.
“A CIDE foi instituída para financiar programas cooperativos entre universidades, centros de pesquisa e setor produtivo. É um instrumento de estímulo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico brasileiro”, afirmou Fux.
O ministro explicou que a legislação prevê a incidência da CIDE sobre valores remetidos ao exterior em decorrência de contratos de licença de uso, aquisição de conhecimento técnico e transferência de tecnologia – como no caso em análise, que envolve a empresa Scania e sua matriz na Suécia.
Fux ressaltou que o cerne do julgamento está na análise da compatibilidade da norma com a CF, não abrangendo questões práticas sobre a aplicação orçamentária dos recursos. Eventuais desvios de finalidade, destacou, podem ser apurados na esfera administrativa, mas não comprometem a constitucionalidade da lei:
“Nosso objeto de cognição é saber se a lei contraria a Constituição. Se há má alocação dos recursos no plano prático, isso é tema de responsabilização administrativa, e não de inconstitucionalidade.”
O relator afastou a alegação de que seria necessária lei complementar para instituir a CIDE, enfatizando que, como contribuição de intervenção no domínio econômico, ela pode ser criada por lei ordinária.
Também rechaçou a suposta ofensa ao princípio da isonomia, entendendo que a distinção legal – como a incidência apenas sobre tecnologia estrangeira – é razoável e visa fomentar o desenvolvimento tecnológico interno.
“A legislação da CIDE observa os princípios da anterioridade, da legalidade e da imunidade à exportação. Está formalmente constitucional”, afirmou.
Fux citou precedentes do STF, como a ADIn 1.924 e o RE 635.682, que já reconheceram a validade da CIDE mesmo quando os recursos são destinados a setores tradicionalmente ligados à ordem social, como ciência e tecnologia. Segundo o ministro, não há impedimento para que a intervenção no domínio econômico se estenda a áreas fronteiriças com a ordem social.
“Há zonas fronteiriças de intervenção na ordem social e na ordem econômica”, afirmou, destacando que a criação da contribuição respeitou as competências constitucionais da União.
Ao rebater o argumento de desvio de finalidade, Fux diferenciou a norma de sua execução administrativa. Para S. Exa., eventuais falhas na aplicação da arrecadação podem ensejar responsabilização dos gestores públicos, mas não contaminam a validade da norma instituidora.
“Se há desvio na aplicação da arrecadação da CIDE, isso pode legitimar responsabilidade do gestor público. Mas a eventual má aplicação dos recursos não inquina a egidez constitucional do tributo.”
Enfatizou ainda que o controle de constitucionalidade deve se ater à análise da compatibilidade entre o texto legal e a Constituição, não abrangendo a eficácia administrativa ou a realidade fática de sua execução. “A realidade fenomênica não é objeto de análise em controle abstrato”, disse.
Reforçou que a CIDE incide sobre remessas ao exterior relacionadas a contratos de transferência de tecnologia, assistência técnica e exploração de marcas e patentes. No seu entender, a contribuição busca fortalecer a autonomia tecnológica do país, reduzindo sua dependência de soluções estrangeiras.
“Vislumbra-se muito mais que uma simples atuação da União na ordem social. Trata-se de um verdadeiro incentivo à atividade econômica nacional, à autonomia tecnológica e à valorização do trabalho e da livre iniciativa”, concluiu, citando os arts. 170, 174, 218 e 219 da CF como fundamentos.
Ao final, Fux propôs o conhecimento parcial do recurso, com a negativa de provimento ao pedido da recorrente, e formulou as teses de repercussão geral que delimitam a interpretação constitucional da contribuição:
“I. É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico, CIDE, destinada a financiar o programa de estímulo à interação universidade-empresa para o apoio à inovação, instituída e disciplinada pela lei 10.168, com as alterações empreendidas pelas leis 10.332 e 11.452, incidentes sobre as remessas financeiras ao exterior em remuneração de contratos que envolvem exploração de tecnologia com ou sem transferência dessa.
II. Não se inserem no campo material da contribuição as remessas de valores a título diverso da remuneração pela exploração de tecnologia estrangeira, tais quais as correspondentes à remuneração de direitos autorais, incluída a exploração de softwares sem transferência de tecnologia e de serviços que não envolvem exploração de tecnologia e não subjazem contratos inseridos no âmbito da incidência do tributo.”
Quanto ao item II da tese, Fux destacou que o § 2º do art. 2º da lei 10.168/00 passou a ser interpretado de forma demasiadamente ampla, incluindo hipóteses não contempladas originalmente pelo legislador.
Por isso, propôs uma declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, limitada às hipóteses que ultrapassam o escopo da contribuição.
O ministro também propôs modulação de efeitos da decisão, para serem prospectivos (ex nunc) e válidos a partir da publicação da ata de julgamento, com duas exceções:
Ações judiciais e processos administrativos pendentes de conclusão até o marco temporal definido;
Créditos tributários pendentes de lançamento relativos a fatos geradores prévios à data anteriormente citada.
Ressalvas
Ao acompanhar o relator pela constitucionalidade da CIDE sobre remessas ao exterior ligadas à transferência de tecnologia, ministro Flávio Dino enfatizou a importância da segurança jurídica e da responsabilidade fiscal como fundamentos para a manutenção da norma.
Dino lembrou que a lei 10.168/2000, que instituiu a CIDE, está em vigor há 25 anos, o que, segundo ele, reforça a legitimidade de sua aplicação contínua.
“Se não há uma inconstitucionalidade clara, evidente, e estamos a 25 anos da vigência da lei, devemos prestigiar a previsibilidade e evitar intervenções ad hoc, que conspiram contra a responsabilidade fiscal e a segurança jurídica.”
O ministro também afastou a necessidade de vinculação direta (referibilidade) entre o setor contribuinte e a destinação da arrecadação – argumento sustentado pela empresa recorrente.
Dino salientou que, por se tratar de contribuição de intervenção no domínio econômico e não de uma taxa, essa exigência não se aplica.
“Pouco importa se o setor tributado é ou não da área de tecnologia. O que importa é que a destinação seja a ciência e tecnologia, como prevê expressamente a lei.”
Como ilustração, citou o caso da CIDE-Combustíveis, cuja arrecadação é direcionada a obras de infraestrutura (como pavimentação de vias), sem relação direta com o setor de combustíveis
Segundo Dino, exigir tal vínculo seria uma virada jurisprudencial incompatível com os precedentes do STF desde os votos dos ministros Moreira Alves e Celso de Mello.
“Não há essa referibilidade entre a arrecadação e o benefício àquele setor que foi alvo da imposição tributária. Se formos exigir isso, até a CIDE-Combustíveis poderia ser questionada, pois pavimentar estradas não beneficia diretamente quem produz combustíveis – pelo contrário, até reduz o consumo.”
Com esse raciocínio, o ministro concluiu que a lei é formal e materialmente constitucional, ao vincular a arrecadação ao financiamento de políticas públicas voltadas à inovação e à tecnologia, nos termos do art. 149 da CF.
Processo: RE 928.943
Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/431423/stf-fux-vota-pela-validade-da-cide-sobre-remessas-ao-exterior