22 de janeiro de 2025

O decreto do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que acaba com o direito à cidadania automática por nascimento nasceu em uma encruzilhada. Ele não irá longe à frente porque há uma barreira constitucional. Sobram as opções de virar para um ou outro lado: o da via política (que implica mudar a Constituição) ou o da via judicial (que implica reinterpretar a Constituição).

Donald Trump assina decretos

RS/Fotos Públicas

Donald Trump assina decretos no dia de sua posse como presidente dos EUA

Já se sabe que a via política, embora esteja aberta, está em péssimas condições. Para aprovar uma emenda à 14ª Emenda da Constituição — a que criou o direito automático à cidadania por nascimento (incluindo filhos de imigrantes ilegais) —, é preciso o voto de dois terços dos senadores e dos deputados federais. Se for aprovada, a emenda deve ser ratificada por três quartos dos estados (38 de 50). Simplesmente, não vai acontecer.

Assim, a via judicial é a que será tomada, provavelmente por iniciativa de organizações de direitos humanos ou de defesa dos direitos civis dos cidadãos. Uma ação judicial certamente pedirá a declaração de inconstitucionalidade do decreto de Trump e a emissão de uma medida liminar que suspenda sua vigência até a decisão final (da Suprema Corte) sobre o mérito da questão.

A 14ª Emenda é clara (pelo menos aparentemente). Ela diz: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à jurisdição do mesmo são cidadãos dos Estados Unidos e do estado onde residem. Nenhum estado deve aprovar ou executar qualquer lei que restrinja os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos”.

A Suprema Corte esclareceu ainda mais essa questão em 1898. Em United States v. Wong Kim Ark, a corte afirmou que todas as pessoas nascidas nos Estados Unidos, mesmo que sejam filhas de imigrantes, são cidadãs dos EUA. Wong Kim Ark era filho de imigrantes chineses e, por isso, foi barrado pela imigração ao regressar de uma viagem internacional. Esse precedente resistiu por 126 anos a algumas tentativas de derrubá-lo.

Três exceções

A equipe jurídica de Trump sabe de tudo isso, obviamente. Mas sabe também que a Suprema Corte abriu três exceções à sua decisão de 1898, das quais apenas uma permanece em vigor: filhos de diplomatas estrangeiros não têm direito à cidadania americana por nascimento porque seus pais “não estão sujeitos à jurisdição dos Estados Unidos”. Eles têm imunidade diplomática às leis americanas.

E é a esse ponto do dispositivo constitucional — o do “sujeito à jurisdição do mesmo” — que Trump e sua equipe jurídica se apegam. Eles sabem que o decreto é inconstitucional — por enquanto —, mas pretendem que a Suprema Corte reinterprete a 14ª Emenda e revogue, pelo menos em parte, o precedente de 1898 para incluir uma exceção para filhos de imigrantes indocumentados.

decreto do presidente Trump, que proíbe órgãos do governo de “emitir documentos reconhecendo a cidadania dos Estados Unidos ou de aceitar documentos emitidos por órgãos estaduais ou municipais” de filhos de imigrantes “não sujeitos à jurisdição dos Estados Unidos”, aponta a direção da estratégia da equipe presidencial, na via judicial, em dois de seus parágrafos:

“A 14ª Emenda nunca foi interpretada para estender a cidadania universalmente a todos os nascidos nos Estados Unidos. A 14ª Emenda sempre excluiu da cidadania por direito de nascença pessoas que nasceram nos Estados Unidos, mas não são ‘sujeitas à jurisdição do mesmo’. Consistente com esse entendimento, o Congresso especificou ainda mais por meio de legislação que ‘uma pessoa nascida nos Estados Unidos e sujeita à jurisdição do mesmo’ é um nacional e cidadão dos Estados Unidos ao nascer, 8 U.S.C. 1401, geralmente refletindo o texto da 14ª Emenda”;

“Entre as categorias de indivíduos nascidos nos Estados Unidos e não sujeitos à jurisdição do mesmo, o privilégio da cidadania dos Estados Unidos não se estende automaticamente a pessoas nascidas nos Estados Unidos: (1) quando a mãe dessa pessoa estava ilegalmente presente nos Estados Unidos e o pai não era cidadão dos Estados Unidos ou residente permanente legal no momento do nascimento da referida pessoa, ou (2) quando a presença da mãe dessa pessoa nos Estados Unidos no momento do nascimento da referida pessoa era legal, mas temporária (como, mas não se limitando a, visitar os Estados Unidos sob os auspícios do Programa de Isenção de Visto ou visitar com um visto de estudante, trabalho ou turista) e o pai não era cidadão dos Estados Unidos ou residente permanente legal no momento do nascimento da referida pessoa”.

Porém, juristas fora do círculo de Trump descartam essas alegações. Para que elas fizessem sentido, seria preciso admitir que imigrantes ilegais não podem ser presos e processados por quaisquer crimes cometidos. Afinal, eles não estariam sob a jurisdição dos Estados Unidos, nem têm imunidade às leis dos EUA, como os diplomatas de alto escalão.

  • Por João Ozorio de Melo – correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
  • Fonte: Conjur