12 de fevereiro de 2022
A não atuação ou a atuação insuficiente no combate à degradação do meio ambiente enseja a possibilidade de controle judicial, sendo que o próprio Judiciário, como um dos poderes do Estado Socioambiental, encontra-se vinculado aos deveres da proteção ambiental.
Com esse entendimento, o juiz Adriano Marcos Laroca, da 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, acolheu um pedido do prefeito de Itu, Guilherme Gazzola, e determinou que o Governo de São Paulo apresente projetos e ações para a despoluição do rio Tietê.
A liminar foi concedida em ação popular movida pelo prefeito, à parte de suas atribuições administrativas no município. Além do governo do estado, o polo passivo inclui nove cidade da Grande São Paulo e a própria capital, por onde passam o rio Tietê e seus afluentes. As prefeituras também deverão prestar esclarecimentos nos autos.
Na ação, Gazzola pediu o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional relativo à “persistente, histórica e sistemática poluição ambiental” do rio Tietê, em contradição com as normas constitucionais protetoras do meio ambiente. Segundo ele, um meio ambiente saído e minimamente preservado é condição que “abriga e rege a vida”.
Pela decisão, o estado e os nove municípios deverão apresentar, em até 60 dias, informações sobre o volume de esgoto não tratado despejado no rio Tietê e em seus afluentes, com a proporção do esgoto sem tratamento em comparação ao esgoto tratado. As características dos efluentes também deverão ser descritas, indicando níveis de toxidade por meio de padrões técnicos consagrados de classificação, bem como a sua fonte, se doméstica ou industrial.
As autoridades ainda terão de apresentar planos e projetos para a universalização do tratamento de esgoto em áreas cujo despejo se dê no rio Tietê e em seus afluentes, contendo dados como projetos básicos de obras necessárias, com precificação e identificação das fontes de custeio, e cronograma físico-financeiro de implementação em escala mensal, com metas e submetas.
De acordo com o magistrado, a Constituição Federal atribuiu a condição de direito humano e fundamental à proteção do ambiente, ou seja, o direito de viver em um ambiente sadio, seguro e equilibrado. Ele afirmou que, na hipótese de a atuação político-administrativa do Estado ser omissa ou insuficiente na proteção do meio ambiente, é possível haver o controle judicial, como na hipótese dos autos.
“Cada município, cujo território é cortado pelo rio Tietê, tem o dever constitucional de proteger suas águas, evitando o despejo no rio de esgoto doméstico e industrial sem tratamento adequado. Vale o mesmo para o Estado de São Paulo, já que o rio Tietê é estadual”, afirmou o magistrado, que também traçou um longo histórico sobre a degradação e a poluição das águas do Tietê.
Conforme Laroca, a história de degradação ambiental do rio Tietê está ligada à industrialização da capital e, depois, da região metropolitana, o que provocou uma “urbanização acelerada, caótica e segregacionista”. Desse histórico, ele concluiu pela “despreocupação ambiental” das autoridades, que estariam interessadas “somente na utilidade econômica” do rio Tietê.
“Sem muito esforço, constata-se que os réus executam, há décadas, ações de política ambiental insuficientes, para dizer o mínimo (se não de falta de política) na proteção das águas do rio Tietê e de seus afluentes. Uma realidade massiva, generalizada e persistente de desrespeito ao meio ambiente, de descompasso entre o dever do Estado de proteger e recuperar o meio ambiente e a realidade socioambiental do rio Tietê”, acrescentou.
Assim, para o magistrado, estão presentes os três pressupostos para o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional: a não efetivação de direitos fundamentais decorrente da falta ou insuficiência de políticas públicas, a falta de coordenação entre ações legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, e a expedição de ordens não apenas a um órgão, mas sim a uma pluralidade, para superar a violação e direitos.
“Mesmo existindo medidas legislativas, administrativas, orçamentárias de alguns municípios da bacia hidrográfica do Alto Tietê e do Estado de São Paulo, a realidade de poluição do rio Tietê não melhorou, caracterizando, assim, a existência de uma ‘falha estatal estrutural’. A solução dessa falha, ou seja, a despoluição do rio, exige o envolvimento de todos os municípios da bacia hidrográfica do Médio e Alto Tietê assim como do Estado”, disse o juiz.
Para o magistrado, mesmo na hipótese de se entender incabível o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional em sede de controle difuso de constitucionalidade, a realidade ambiental do rio Tietê é, “de forma flagrante e escancarada, ofensiva ao mínimo existencial socioambiental, ou seja, não condizente com um meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”.
1003121-88.2022.8.26.0053
Fonte: TJSP